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NEPOL UFJF

Volta Redonda: o desafio de um município com múltiplas fronteiras

João DulciDepartamento de Ciências Sociais

Universidade Federal de Juiz de Fora

 

Volta Redonda e a região do Médio Paraíba Fluminense


Volta Redonda, no sul do estado do Rio de Janeiro, é um município marcado pela presença da Companhia Siderúrgica Nacional, usina Getúlio Vargas, que corta a cidade. O município foi emancipado em 1954 do município-sede de Barra Mansa. Atualmente, possui o maior contingente populacional do Médio Paraíba Fluminense (região administrativa estadual que inclui mais onze municípios)1.

A população total do Médio Paraíba é estimada em 605 mil habitantes, sendo os municípios de Volta Redonda, Barra Mansa, Resende e Barra do Piraí os mais populosos. Outrora marcada pela exploração cafeeira, a vocação econômica da região tem se alterado nas últimas duas décadas, a partir de investimentos de multinacionais ligadas à indústria automotiva, como fábricas de ônibus e caminhões, automóveis leves e autopeças. Em pesquisa já antiga, de 2008, quando ainda era menor o número de indústrias presentes na região, o IBGE já apontava para um grande fluxo de pessoas entre os municípios do sul do estado (IBGE, 2008). São frequentes as linhas de ônibus que conectam os maiores municípios, saindo dos terminais rodoviários de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende, bem como aquelas que interligam os municípios menores, que funcionam mormente como cidades dormitório. A mesma pesquisa citada mostra a enorme influência exercida por São Paulo e Rio de Janeiro. Isso se explica pela pujança das duas capitais, bem como pela posição geográfica estratégica da região na tríplice fronteira entre os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Foi essa característica, aliás, um dos motivos para o então presidente Getúlio Vargas instalar na região a primeira indústria siderúrgica nacional.

A posição estratégica, que funciona muito bem para a atração de novos investimentos na região, permitindo fácil acesso a fontes de matérias primas e aos principais portos do país pelas importantes rodovias e ferrovias que cruzam o local, facilita também o fluxo de pessoas, que circulavam livremente entre os municípios e entre os estados limítrofes até o início da pandemia do chamado Covid-19.


O sistema de saúde


Por ser uma região de fluxo muito intenso de pessoas, os habitantes do Médio Paraíba Fluminense utilizam hospitais de referência em municípios que não necessariamente são os de residência, seguindo a forma como se estruturou a rede de atendimento hospitalar brasileira. Os hospitais de referência situam-se em municípios de maior porte, ao passo que os atendimentos ambulatoriais são mais capilarizados por municípios menores. Dessa forma, Volta Redonda, Resende e Barra Mansa possuem mais leitos do que os demais. O Médio Paraíba soma 2.267 leitos para internação, sendo 1.543 do SUS e 724 não pertencentes ao Sistema Único de Saúde. Desses, 747 situam-se em Volta Redonda, sendo 419 do SUS. A média regional de leito por mil habitantes é de 3,7, e de Volta Redonda 2,7 leitos/mil habitantes. A região estaria dentro da meta estabelecida pela OMS, de três a cinco leitos por mil habitantes, ao passo que o Volta Redonda estaria um pouco abaixo do piso2. Em Volta Redonda, há 13 unidades hospitalares com internação, sendo seis privadas e sete públicas, enquanto toda a região possui 78 hospitais com as mesmas características (Min. Saúde, 2020).


O enfrentamento do Coronavírus


O primeiro caso de Covid-19 no Médio Paraíba a ser confirmado foi em Barra Mansa. Em Volta Redonda a primeira ocorrência data de 21 de março3 sendo registrado o primeiro óbito apenas três dias depois, no dia 24 de março. Tratava-se de um senhor de 66 anos, que viajara com a irmã para o estado de Minas Gerais havia pouco. A irmã, de 67 anos, também viria a falecer, embora a causa mortis só fosse confirmada como Covid-19 alguns dias depois. Ambos os casos foram classificados pela Secretaria Estadual de Saúde como possuindo comorbidades4.

Por sua posição estratégica, Volta Redonda respondeu rapidamente às medidas do governo estadual. Wilson Witzel fechou as fronteiras do estado do Rio de Janeiro em 19 de março5. No dia seguinte, o prefeito Samuca Silva, eleito pelo PV, mas recentemente filiado ao PSC, publicou decreto no diário oficial determinando o fechamento do comércio não essencial no município, suspensão de aulas e de eventos que pudessem provocar aglomeração de pessoas6.

No diário oficial do município, em edição extraordinária, já haviam sido publicados os decretos 16.057, que dispunha sobre cuidados a serem tomados na cidade, ainda em 16 de março, juntamente com os decretos 16.058, que suspendia férias dos profissionais da saúde, e do 16.059, que suspendia as cirurgias eletivas (Idem). Também está restrita a circulação de pessoas vindas em coletivos da região metropolitana do Rio de Janeiro e de outros estados da federação, medida esta tomada pelo governador7.

O prefeito mantém um comunicado diário à população, de acordo com o professor da UFF de Volta Redonda, Raphael Lima. De acordo com o mesmo professor, a Câmara dos Dirigentes Lojistas local tem exercido pressão para suavizar as medidas tomadas pelo poder público. No entanto, até o momento as decisões judiciais têm sido favoráveis ao isolamento. Na última quinta-feira, o TRF-2 manteve a restrição de circulação de automóveis com placas de fora do estado do Rio de Janeiro ou da região metropolitana, em resposta a ação movida pelo Ministério Público Federal8.

Na CSN, o vírus também provocou mudanças. Além da alteração da rotina, no sentido de aumentar os cuidados de higiene, a gerência montou um comitê interno de crise e deu férias coletivas a mais de 1,4 mil funcionários, dentre estagiários, grupos de risco e setor administrativo. Além desses, os gestores de cada setor ficaram encarregados de formular listas de possíveis afastados. Segundo a empresa, o intuito é diminuir a aglomeração e manter as atividades fundamentais9. Apesar de a CSN ter garantido, no dia 19 de março, a normalidade de suas operações, espera-se redução da produção caso as medidas de isolamento se mantenham10. Na região, a Volkswagen Ônibus e Caminhões (Resende), que já programaram férias coletivas em função da situação econômica, resolveu antecipá-las, afastando mais de mil funcionários da produção e mantendo em regime de home office os setores administrativos11.


Os casos


Apesar das medidas tomadas pelo governador e pelo prefeito, os casos de contaminação pelo vírus em Volta Redonda vêm aumentando, seguindo a tendência nacional. Se o primeiro foi confirmado em 21 de março, nove dias depois a soma já apontava 38 casos, chegando ao total de 93, segundo informe da prefeitura, em 11 de abril. Os óbitos somam sete casos, todos de pessoas acima de 60 anos. No entanto, a maior incidência de casos é entre mulheres de 30 a 39 anos12. A avaliação que as autoridades fazem, no momento, é de que o número de casos atinja o chamado “achatamento” em torno de 280 contaminações já nos próximos dias13. Esse prognóstico se deve ao esforço de restrição da circulação de pessoas, bem como da conversão do Hospital do Idoso local para o atendimento dos infectados, além do erguimento de 114 leitos no estádio da Cidadania, seguindo o exemplo do estádio do Pacaembu, em São Paulo.


Referências:


BRASIL, Ministério da Saúde. Datasus, 2020, disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/. Acesso em 11 de abr. de 2020.BRASIL, Ministério da Saúde. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil – CNES, 2020BRASIL, Ministério da Saúde. Dados compilados em: https://infograficos.oglobo.globo.com/sociedade/numeros-do-coronavirus-no-brasil-e-no-mundo.html. Acesso em 11 de abr. de 2020.BRASIL, Justiça Federal, Agravo de Instrumento Nº 5003426-39.2020.4.02.0000/RJ, 09/04/2020. Disponível em: https://www10.trf2.jus.br/portal/wp-content/uploads/sites/28/2020/04/decisao-volta-redonda.pdf. Acesso em 11 de abr. de 2020.DIÁRIO DO VALE: “Volta Redonda tem 38 casos de Covid-19, incluindo uma criança de cinco anos”, 30 de mar. de 2020. Disponível em: https://diariodovale.com.br/ultima-noticia/volta-redonda-tem-38-casos-de-covid-19-incluindo-uma-crianca-de-cinco-anos/. Acesso em 11 de abr. de 2020.______. “Volta Redonda se prepara para enfrentar a demanda por leitos da Covid-19”, 08 de abr. de 2020. Disponível em: https://diariodovale.com.br/regiao/volta-redonda-se-prepara-para-enfrentar-a-demanda-por-leitos-da-covid-19/. Acesso em 11 de abr. de 2020.______. “Volta Redonda confirma primeiro caso de Covid-19”, 21 de mar. de 2020. Disponível em: https://diariodovale.com.br/regiao/volta-redonda-confirma-primeiro-caso-de-covid-19/. Acesso em 11 de abr. de 2020.FOLHA DE SÃO PAULO. “Witzel baixa decreto para fechar divisas do Rio”, 19 de mar. de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/03/witzel-baixara-decreto-para-fechar-fronteiras-do-rio.shtml. Acesso em 11 de abr. de 2020.G1.com. “Volta Redonda tem primeira morte por coronavírus; número de infectados chega a 25”, 27 de mar. de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/noticia/2020/03/27/volta-redonda-tem-primeira-morte-por-coronavirus-numero-de-infectados-chega-a-25.ghtml. Acesso em 11 de abr. de 2020.______. “Governo do Estado proíbe entrada e saída de transportes intermunicipais em Volta Redonda, Barra Mansa e Pinheiral”, 04 de abr. de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/noticia/2020/04/04/governo-do-estado-proibe-entrada-e-saida-de-transportes-intermunicipais-em-volta-redonda-barra-mansa-e-pinheiral.ghtml. Acesso em 11 de abr. de 2020.______. “Volta Redonda confirma mais três mortes por coronavírus; número de infectados chega a 93”, 10 de abr. de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/noticia/2020/04/10/volta-redonda-confirma-mais-tres-mortes-por-coronavirus-numero-de-infectados-chega-a-93.ghtml. Acesso em 11 de abr. de 2020.IBGE. Regiões de influência das cidades, 2007, Rio de Janeiro: 2008.RIO DE JANEIRO, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. http://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/covid19.html, 11 de abr. de 2020.VOLTA REDONDA EM DESTAQUE. Decreto nº 16.057, 16 de mar. de 2020. Disponível em: https://new.voltaredonda.rj.gov.br/images/Documentos/VRDestaques/2020/2020-03-16_1581extra.pdf. Acesso em 11 de abr. de 2020.______. Decreto nº 16.058, 16 de mar. de 2020. Disponível em: https://new.voltaredonda.rj.gov.br/images/Documentos/VRDestaques/2020/2020-03-16_1581extra.pdf. Acesso em 11 de abr. de 2020.

______. Decreto nº 16.059, 16 de mar. de 2020. Disponível em: https://new.voltaredonda.rj.gov.br/images/Documentos/VRDestaques/2020/2020-03-16_1581extra.pdf. Acesso em 11 de abr. de 2020.______. Decreto nº 16.082, 20 de mar. de 2020. Disponível em: https://new.voltaredonda.rj.gov.br/images/Documentos/VRDestaques/2020/2020-03-16_1581extra.pdf. Acesso em 11 de abr. de 2020.


Acompanhe a série de artigos do Nepol


1MARAFON, G.; RIBEIRO, M.: Estudos de Geografia fluminense, Rio de Janeiro, Ed. UERJ, 2001; IBGE, 2010.

2ASSOCIAÇÃO DE HOSPITAIS E SERVIDORES DE SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA (AHSEB, 2014). “Segundo OMS, ideal é ter de 3 a 5 leitos para cada mil habitantes. No Brasil, índice médio é de 2,4”, 07 de ago. de 2020. Disponível em http://www.ahseb.com.br/segundo-oms-ideal-e-ter-de-3-a-5-leitos-para-cada-mil-habitantes-no-brasil-indice-medio-e-de-24/. Acesso em 11 de abr. de 2020.

Ministério da Saúde – Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil – CNES, 2020

3Diário do Vale, 21/03/2020)


4G1.com, 27/03/2020; Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, 2020


5Folha de São Paulo, 19/03/2020


6Volta Redonda em destaque, decreto 16.082.


7G1.com, 04/04/2020


8Justiça Federal, Agravo de Instrumento Nº 5003426-39.2020.4.02.0000/RJ, 09/04/2020.


9Diário do Vale, 26/03/2020


10Valor, 26/03/2020


11Foco Regional, 24/03/2020


12Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, 11/04/2020


13Diário do Vale, 08/04/2020

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