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NEPOL UFJF

Ubá: entre desastres

Atualizado: 28 de nov.

Paula Emília Gomes de Almeida

Mestre em Ciências Sociais pela UFJF


Localizada na região da Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, o município de Ubá possui IDHm de 0,724¹, conta com uma população estimada em 115.55 habitantes em um território de 407.452 km, resultando em uma densidade demográfica de 249,16 hab/km². A prefeitura é ocupada por Edson Teixeira Filho (PHS) que se elegeu para seu primeiro mandato em 2016. Parte do polo moveleiro da região, Ubá conta com indústria moveleira e comércio como as principais atividades econômicas da cidade, também as que mais empregam pessoas de municípios e distritos vizinhos e, portanto, responsáveis pelo intenso fluxo de pessoas na cidade.


No âmbito da saúde, a cidade faz parte da Gerência Regional de Saúde de Ubá, formada por um total de 31 municípios, os quais atendem mais de 455 mil habitantes, com as cidades de Muriaé e Ubá como principais polos de prestação de serviços em saúde. Ubá também faz parte, junto a outros 18 municípios, do Consórcio Intermunicipal de Saúde de Ubá e Região-SIMSAÚDE, criado em 2009 e oficialmente inaugurado em 2014, atendendo a um público aproximado de 320 mil habitantes5 . De acordo com a base de dados do dataSUS o município contava, em fevereiro de 2020, com 4 hospitais, com um total de 282 leitos de internação, sendo 188 do SUS e 94 não pertencentes ao SUS6 . Destes, 27 são de UTI (24 SUS e 3 particulares), além de 35 respiradores – todos em uso na data da última atualização.


Como acontece em todo tipo de desastres, para compreender melhor a forma como a cidade e a administração pública gerenciam a pandemia de COVID-19, é importante explorar, em linhas gerais, as condições nas quais o município iniciou sua jornada nessa crise. Antes mesmo da pandemia de COVID-19, a cidade vinha lidando com diversos problemas oriundos de duas grandes inundações ocorridas em 24 de janeiro e 4 de março de 2020. Embora a incidência de desastres desencadeados por eventos hidrológicos seja frequente em Ubá, o volume das águas e a escala de destruição causadas foram históricas para os padrões do município. Esses eventos levaram à decretação de Situação de Emergência nas duas ocasiões, revelando um cenário de vulnerabilidade não apenas da cidade em si como da administração pública para gerenciar o problema.


Uma das áreas mais atingidas por inundações é o centro comercial do município, devido ao fato de ser instalado às margens do Rio Ubá, fazendo parte, portanto, de sua planície de inundação. As duas enxurradas em menos de dois meses acumularam, dessa forma, um grande prejuízo ao setor comercial da cidade – seja em razão das perdas dos produtos atingidos pelas águas, por estruturas danificadas, seja em função dos dias gastos na limpeza e reconstrução das lojas. Consequentemente, o prefeito Edson Teixeira Filho encontrou resistência do setor empresarial assim que apresentou medidas de restrição ao comércio – que serão detalhadas ao longo do texto.


As medidas inicias relacionadas à pandemia foram tomadas poucos dias após o governo estadual decretar, em 12 de março, Situação de Emergência em Saúde Pública no Estado em razão do surto de COVID-19. De forma geral, Ubá seguiu os moldes estabelecidos tanto pelo decreto estadual supracitado, quanto pela Lei Federal 13.979 de 6 fevereiro de 2020, proposta pelo então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que regula o Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Desse modo, as primeiras ações tomadas pelo prefeito de Ubá através do Decreto n° 6.356 de 16 de março incluíram a decretação de Situação de Emergência em Saúde Pública; a criação de uma comissão intersetorial de monitoramento da situação de emergência em saúde; a suspensão de viagens e treinamentos para funcionários públicos; a dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços relacionados à emergência em saúde; a possibilidade de realização compulsória de exames, tratamentos médicos e demais medidas justificadas pela autoridade médico-sanitária. Nesse primeiro momento, a comissão de monitoramento foi coordenada pela Secretaria Municipal de Saúde, composta pelo Prefeito Municipal, Procurador-Geral, Assessores Especiais e Secretários Municipais.


Na ocasião do decreto, Ubá contava com dois casos prováveis de pessoas contaminadas – duas mulheres com histórico de viagem recente à Itália – e 3 outros suspeitos de residentes da cidade. O prefeito Edson manteve uma relação de comunicação contínua com a população e imprensa da cidade, externando suas preocupações em relação à mais nova crise que a cidade começava a enfrentar: “O momento é de seriedade, competência e foco. Já enfrentávamos a crise da dengue, a crise dos estragos das enchentes, e agora estamos enfrentando essa emergência em saúde pública. Não estamos pensando em política, e podemos ter que tomar medidas impopulares para conter o avanço da doença. Por isso, é importante que a sociedade esteja junto conosco nessa corrida pela prevenção“, declarou o prefeito.




As medidas administrativas tomadas ao longo do período incluíram mudanças no expediente de órgãos públicos, adoção de home office para funcionários públicos do grupo de risco, suspensão de férias para servidores públicos (com exceção daqueles do grupo de risco), regras especiais para o funcionamento de órgãos que trabalham com o atendimento ao público. Na parte assistencial, um levantamento de famílias em estado de vulnerabilidade social também foi realizado, bem como a distribuição de cestas básicas e kits de higiene. Medidas de sanitização de locais públicos também foram adotadas.


No âmbito da saúde, a prefeitura fez um esforço de ampliação do quadro de funcionários de saúde, empossando profissionais e realizando processos de seleção simplificados, além de prever possibilidade de deslocar profissionais de outras pastas para o setor de saúde. Aumentou os canais de atendimento do setor de epidemiologia, antecipou a campanha de vacinação contra a gripe (H1N1) e criou um canal de teleatemdimento psicológico para a população. Além disso, recebeu do governo do Estado, no fim de abril, remessa estadual de kits rápidos de testagem8 , tendo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais anunciado, no dia 8 de abril de 2020, a ampliação de 10 novos leitos de UTI adulto para o Hospital Santa Isabel em Ubá, e outras 5 UTIs na Fundação Cristiano Varella, de Muriaé, a fim de reforçar a estrutura de saúde da Regional de Ubá9.


No que tange à comunicação de risco, cabe destacar que a prefeitura realizou, desde os primeiros dias, um esforço de informar a população do status de avanço da doença na cidade, assim como passar orientações, seguindo os moldes de comunicação propostos pela Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde. Foi organizado no portal da prefeitura espaço dedicado exclusivamente às informações relacionadas à pandemia de COVID-19, publicando diariamente boletins informativos com dados detalhados dos casos suspeitos, confirmados, descartados, em análise e o total de notificações10 . Foi criado um canal para sanar dúvidas dos cidadãos e um para a denúncia de fake news. Além do portal oficial da prefeitura, as redes sociais têm sido amplamente utilizadas a fim de atingir um número maior de pessoas – carros de som também foram implementados para essa mesma finalidade. O prefeito e sua equipe também têm se esforçado em conceder entrevistas com frequência à rádio local, no qual mantiveram, ao menos até a primeira semana de abril, um tom firme em relação a manutenção do isolamento social.


Os verdadeiros desafios à gestão local se deram no estabelecimento, manutenção e adesão ao isolamento social, sobretudo por parte do empresariado local que, além do alinhamento com o discurso do Presidente Jair Bolsonaro11 , vinha acumulando prejuízos em razão das inundações recentes ocorridas na cidade. Evitando mencionar diretamente o Presidente da República, o prefeito Edson Teixeira Filho reforçou por diversas vezes seguir as orientações do Ministério da Saúde e Governo de Estado na determinação de medidas de isolamento social. É possível ver um alinhamento claro da postura municipal com aquela adotada pelo governo estadual em todos decretos editados até o momento.


As primeiras medidas de restrição de circulação e aglomerações se deram em 20 de março, na qual um decreto12 foi editado, suspendendo por dez dias, a contar do dia 23 daquele mês: casas de shows e festas, clubes, feiras-livres, academias de ginástica, parques públicos, estádios de futebol, salões e clínicas estéticas e ambientes escolares de qualquer natureza. Aos cultos religiosos a restrição foi aplicada apenas aos eventos que excedessem 40 pessoas. Funerais ficaram limitados a presença de 10 pessoas por sala/capela, e duração máxima de 4 horas. A mesma norma também estipulava regras especiais para o funcionamento de restaurantes e bares, como a diminuição da oferta de mesas e cadeiras em 70%, guardando dois metros de espaço mínimo entre as mesmas, suspensão do uso de áreas externas para esse fim e a priorização do serviço de delivery. Mercados, lotéricas e estabelecimentos bancários também foram orientados a tomar providências de sanitização, fluxo especial de clientes e a adoção de políticas de flexibilidade da jornada de trabalho em razão das alterações de transporte público e nos estabelecimentos escolares. O fluxo e a lotação de ônibus urbanos e intermunicipais e interestaduais também foi alterado, com orientações especiais a passageiros que desembarcam vindos de áreas com contágio comunitário. Ficou proibido o desembarque de ônibus de turismo ou similares vindos de qualquer cidade com alta transmissão da COVID-19.


Nesse primeiro momento, além dos serviços mencionados, as atividades da indústria e comércio não foram suspensas, somente orientadas com protocolos de sanitização, regimes de escala e de diminuição de aglomerações. À Comissão Intersetorial de Monitoramento da Situação de Emergência em Saúde foram adicionados a Coordenadoria de Defesa Civil, Polícia Militar e o Ministério Público de Minas Gerais. Nas medidas administrativas também constam instruções ao PROCON visando a fiscalização da prática de preços abusivos.


Demonstrando novamente o alinhamento com o governo do Estado, no dia 22 de março o prefeito Edson Teixeira endureceu as medidas de isolamento social através do Decreto municipal n° 6.362, determinando a suspensão das atividades comerciais e industriais por 15 dias a contar do dia 24 de março, com exceção daquelas consideradas essenciais pelo Comitê estadual encarregado das deliberações relacionadas à pandemia. O decreto municipal também determinou a instalação de barreiras sanitárias em todas as vias de acesso à cidade e orientação aos transeuntes desses locais. Outras medidas, como o bloqueio de acesso ao calçadão da cidade e de praças públicas foram adotadas. O decreto do dia 24 de março coincidiu com o pronunciamento do Presidente da República contra o isolamento social, que levou um grupo de apoiadores a realizar manifestação reverberando a sua fala poucos dias depois. No dia 25 de março a cidade contava com 57 casos suspeitos, 10 descartados e ainda nenhuma confirmação de contaminação por COVID-19. As tensões entre empresariado e prefeitura tornaram-se cada vez mais pujantes a partir desse momento, com fases de maior e menor adesão da população ao isolamento social.


Em 3 de abril um novo decreto veio reforçar a suspensão das atividades elencadas no decreto de 23 de março, com validade de 7 a 12 de abril. No dia 7 de abril, a cidade foi mais uma vez acometida por fortes chuvas que resultaram na terceira grande enxurrada do ano, considerada pelas autoridades públicas a mais forte da história da cidade. No dia seguinte, novo decreto de situação de emergência foi publicado – dessa vez em virtude dos estragos da enxurrada. A disputa em torno da reabertura do comércio tornou-se mais intensa, com o empresariado pressionando a prefeitura a flexibilizar as regras de funcionamento das atividades econômicas e colocar o comércio em geral no rol dos serviços essenciais. No dia 12 de abril novo Decreto é expedido, trazendo a flexibilização do funcionamento das atividades comerciais, dessa vez permitindo, em regime especial, a reabertura de indústrias a partir do dia 15 de abril e a retomada do comércio a partir do dia 22/04, com portas fechadas e esquema de delivery. A feira livre da cidade também voltou a funcionar, porém com número reduzido de feirantes e adoção de medidas de distanciamento e sanitização maiores. Ironicamente, no mesmo dia foram confirmados 3 casos de pacientes com CODIV-19 na cidade, enquanto 14 aguardavam resultado de testes e outros 31 estavam sendo monitorados. Em 30 de abril, a prefeitura decreta Estado de Calamidade Pública.



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