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NEPOL UFJF

Três Rios (RJ): as medidas de enfrentamento à Covid-19 e o desafio da intermunicipalidade¹

Nathan Agostinho

Instituto de Ciências Humanas

Universidade Federal de Juiz de Fora


Três Rios e a região Centro-Sul Fluminense


O município de Três Rios está localizado no interior do estado do Rio de Janeiro, a aproximadamente 125 quilômetros de distância da capital fluminense. Contando com uma população estimada em 81.804 habitantes(2) , de acordo com estimativa divulgada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade se caracteriza como polo regional da região Centro-Sul Fluminense, abarcando cerca de 300 mil pessoas ao contabilizarmos sua população flutuante, além de um campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Faculdade de Ciências Médicas de Três Rios (FCM/TR). Três Rios oferece assistência de média e alta complexidade não apenas às pessoas que vivem no município, mas também nas vizinhas Areal, Comendador Levy Gasparian, Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do Alferes e Sapucaia, que funcionam como cidades dormitório. A cidade conta com dois hospitais, um público e um privado, respectivamente a Unidade de Pronto Atendimento e o Hospital de Clínicas Nossa Senhora da Conceição (HCNSC) de caráter filantrópico, que dispõe de 102 leitos, sendo 70% destinado ao atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS)(3).


O enfrentamento à Covid-19 em Três Rios


A cidade é governada por Josimar Salles, filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), eleito pela primeira vez nas eleições municipais de 2016 com a retórica de recusa à política em favor da “gestão responsável”, derrotando um candidato apoiado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB)(4) , partido que governava o Rio de Janeiro sob a plataforma do ex-governador Sérgio Cabral Filho (MDB). Sua primeira ação oficial no sentido de enfrentamento à propagação da Covid-19 foi o Decreto Nº 6.258(5) , de 15 de março de 2020, em que ficou determinada pelo prazo de 15 dias a suspensão das atividades da Secretaria Municipal de Educação, bem como eventos, shows, feiras, atividades coletivas e espetáculos de qualquer natureza. Em 20 de março de 2020, a Prefeitura de Três Rios editou o Decreto Nº 6.272, reconhecendo a necessidade de alerta máximo no município, com a proibição de atividades religiosas, atividades do comércio varejista em geral, academias, casas noturnas, bares, cinemas e teatros, havendo permissão de funcionamento somente para os serviços considerados essenciais, tais como, supermercados, farmácias e restaurantes, que somente podiam atuar em sistema de entrega em domicílio(6). Essas ações ocorreram de forma preventiva, antes da confirmação de casos na cidade, em conformidade com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e indicações da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ).


As medidas para reduzir a circulação de pessoas no município certamente foram impactadas pelo pronunciamento do Presidente Jair Bolsonaro no dia 24 de março, no qual comparou a Covid-19 a uma “gripezinha” ou “resfriadinho”, atacou a imprensa e criticou a postura de prefeitos governadores(7). Em 25 de março, na contramão do Presidente, Salles instalou um centro de triagem para o atendimento aos pacientes com sintomas de contaminação por coronavírus na Unidade de Pronto Atendimento de Três Rios e anunciou a abertura de oito novos leitos de UTI com dez respiradores no HCNSC, no momento em que o município contabilizava 48 casos suspeitos da doença(8).


Apesar das providências adotadas de forma precisa, no dia 1º de abril ocorreu um sutil processo de reversão nas restrições. O Decreto Nº 6.278, de 31 de março de 2020 prorrogou por 15 dias as medidas estabelecidas anteriormente, mas, após pressão de entidades que representam os comerciantes, abriu exceções para o funcionamento de lojas de ferragens, materiais de construção, tintas e similares, e permitiu o funcionamento dos restaurantes com 30% da capacidade de lotação e horário de funcionamento restringido ao período entre as 13 e 18 horas. No dia 2 de abril, o primeiro caso foi confirmado(9) , tratando-se de um paciente do gênero masculino de 57 anos, o qual foi atendido no Hospital de Clínicas Nossa Senhora da Conceição, sendo possuidor de doenças pré-existentes, tais como diabetes e hipertensão. Ele não tinha histórico recente de viagem. De acordo com o boletim médico do HCNSC, divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde, o paciente foi atendido com quadro de síndrome gripal aguda e atualmente se encontra estabilizado, acompanhado de forma constante pela equipe de vigilância epidemiológica do município.


No dia 16 de abril, o prefeito Josimar Salles utilizou as redes sociais para divulgar um ofício expedido pelo Ministério da Defesa, por via do Comando da 1ª Região Militar, definindo-o como de caráter urgente, uma vez que o documento solicitava o mapeamento da quantidade de cemitérios, disponibilidade de sepulturas e capacidade de enterramentos diários em Três Rios. Após a veiculação do vídeo pelo Jornal Nacional, o governo municipal reiterou a necessidade de medidas que restrinjam a circulação de pessoas “diante da possibilidade de caos no sistema de saúde”(10) . Em 17 de abril foi lançado pela prefeitura o programa de confecção de máscaras pela Associação de Artesãos de Três Rios, a serem distribuídas pela Secretaria Municipal de Saúde numa ação que fomenta a cadeia de profissionais informais. A medida se somaria à mobilização da Guarda Civil Municipal para conter aglomerações de pessoas(11). Nesse contexto, a outrora chamada “esquina do Brasil” pelo presidente Juscelino Kubitschek, devido sua localização no maior entroncamento rodoviário do Brasil que conecta as capitais do Sudeste e produz intenso fluxo de pessoas, passou a enfrentar a Covid-19(12).


O desafio da intermunicipalidade


Nos dias de hoje a cidade polo do Centro-Sul Fluminense tem outro desafio: reorganizar os serviços de saúde, tendo em vista demandas vindouras, que certamente serão geradas por municípios como Paraíba do Sul, que suavizou as medidas de isolamento e garantiu a atividade de todos os estabelecimentos comerciais, ainda que não garanta leitos de UTI. Na região, Sapucaia destinou uma área do Pronto Socorro Municipal ao atendimento exclusivo de pacientes com suspeição da Covid-19, mas a estrutura da unidade é de baixa complexidade e não possui leitos de UTI nem respiradores e médicos intensivistas, de modo que seu hospital de referência é o HCNSC, em Três Rios. Além disso, a Secretaria Municipal de Saúde de Sapucaia afirmou em nota que realiza de forma frequente a limpeza e desinfecção de vários pontos de aglomeração na sede e nos distritos, palestras de orientação às empresas e estabelecimentos de funcionamento essencial, além de ter capacitado profissionais para manejarem pacientes acometidos pela Covid-19, nos dias 16 e 17 de abril. A Prefeitura de Sapucaia está adquirindo cinco respiradores e equipamentos para compor os primeiros leitos UTI, numa tentativa de descentralizar os atendimentos, considerando que a cidade contabiliza 40 casos suspeitos, 3 casos confirmados e 2 óbitos(13).


Em Comendador Levy Gasparian a dinâmica tem se mostrado ajustada com o governo trirriense, considerando que uma série de decretos foram publicados no diário oficial no sentido de aumentar os cuidados de higienização dos espaços públicos, impedir a formação de aglomerações e o funcionamento de serviços considerados não essenciais. Posteriormente, foi anunciado pela Secretaria Municipal de Saúde de Comendador Levy Gasparian a compra de 200 testes rápidos com recursos próprios, a distribuição de máscaras e a montagem de um centro de triagem anexo ao Pronto Socorro Municipal. Atualmente o município informa 10 casos suspeitos, 7 descartados e 2 confirmados em isolamento domiciliar(14), dispondo de uma sala de estabilização, dois leitos de baixa complexidade e um respirador, do mesmo modo que tem o Hospital de Clínicas Nossa Senhora da Conceição (HCNSC) como referência para o tratamento de pacientes. Já em Areal, o último município limítrofe, o Hospital Municipal Nossa Senhora das Dores porta uma sala de estabilização, com dois leitos de baixa complexidade e cinco respiradores e os pacientes de alta complexidade são encaminhados para a Unidade de Pronto Atendimento de Três Rios. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde de Areal, o município soma 55 casos suspeitos e 4 casos testados positivo até o dia 21 de abril(15).


Nesse sentido, nota-se que o controle de doenças infectocontagiosas requer atividade política com o intuito de coordenar as ações intergovernamentais focadas no componente humano. Seja localmente, em casos como Três Rios, onde a prestação de serviços ultrapassa a municipalidade, seja nacionalmente em um país como o Brasil, em que as três esferas governamentais são eleitas com interesses distintos, sobretudo devido a assimetria política e fiscal entre a união, estados e municípios. Vale ressaltar que a Federação possui responsabilidades compartilhadas a partir do desenho institucional do SUS e que os municípios pequenos apresentam dificuldades semelhantes em casos epidêmicos como a Covid-19, figuradas na falta de recursos, infraestrutura e equipamentos. Assim, é fundamental integrar as cidades e os estados ao Executivo Federal a fim de que investimentos sejam feitos. No atual contexto prefeitos como Josimar Salles (PDT), tem um problema nomeável, Jair Bolsonaro, responsável pela instabilidade política num país marcado por extremas desigualdades sociais e de acesso à saúde e, portanto, fortemente ameaçado pela pandemia do coronavírus.


Esta breve exposição aponta as medidas adotadas por um munícipio do vale do paraíba fluminense que tem demonstrado responsabilidade no combate à pandemia do coronavírus, com baixa evolução no números de casos, uma vez que até o encerramento deste texto no dia 21 de abril, o boletim informativo divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde de Três Rios informava 174 notificações, 57 casos descartados, 107 casos suspeitos em análise laboratorial, 10 casos confirmados, dos quais 6 em internação e 2 vieram a óbito(16) . Nessa perspectiva, o cenário em Três Rios é razoavelmente controlado e parece estar no caminho certo, nesta que é a maior crise de saúde pública da história recente do país e que tanto demanda esforços coletivos e prestação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda que as providências tenham demonstrado eficácia até o presente momento, é necessário aumentar as medidas de fiscalização no sentido de coibir a abertura de estabelecimentos não essenciais e evitar a circulação de pessoas que insistem em criar aglomerações deliberadamente, descumprindo a legislação municipal, assim como as determinações do governo do Estado do Rio de Janeiro.



 

¹Atualizado até 21 de abril de 2020

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