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NEPOL UFJF

São Paulo, locomotiva do Brasil, cidade que não para: inclusive na propagação e na luta o coronavírus


Joyce Luz 1

Doutoranda em Ciência Política

Universidade de São Paulo


São Paulo, 09 de maio de 2020. São exatamente 21 horas. Coloco um ponto final neste artigo e o envio para publicação. O Estado de São Paulo chega a marca de 3.608 mortes pelo Coronavírus. Somos inumeráveis.


São Paulo, capital. Locomotiva do Brasil. Cidade que não para. Cidade que não dorme. Cidade dona dos maiores arranha céus2. Cidade dos contrastes. Cidade caótica. Cidade com o maior número de habitantes no Brasil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o número estimado de habitantes na cidade de São Paulo é de 12.252.0233. Cidade que também lidera o ranking de municípios brasileiros com o maior e melhor desempenho econômico. O PIB (Produto Interno Bruto) da cidade é de R$ 699.288.352.210,00. Cidade que no Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios brasileiros (IDHM) – índice que tem como propósito medir o desempenho dos municípios nas áreas de educação, saúde e renda – ocupa a 28ª posição dentre os 5.570 municípios do Brasil com um IDHM de 0,8054.


Atualmente sob o comando do prefeito Bruno Covas (PSDB), São Paulo também foi a pioneira e está sendo a locomotiva dos casos de Covid-19 (coronavírus) no Brasil. A cidade foi onde o primeiro caso de coronavírus foi registrado, ainda no dia 25 de fevereiro de 20205. Oito dias após o primeiro caso ser confirmado, 05/03/2020, São Paulo também registou os dois primeiros casos da doença transmitidos localmente6. E exatamente 20 dias após o primeiro caso da doença, no dia 17 de março de 2020, São Paulo foi a pioneira, infelizmente, ao ter a primeira vítima fatal decorrente do coronavírus7.


A data do óbito da primeira vítima do coronavírus na cidade de São Paulo marcou também o início das primeiras decisões políticas do prefeito Bruno Covas para o enfrentamento da pandemia. No dia 17 de março o prefeito decretou oficialmente o estado de emergência na cidade. O que isso significa ou significou na época? Em termos práticos o estado de emergência garantiu a prefeitura a agilidade necessária para a tomada e implementação de medidas para o enfrentamento da crise. Sei que aos olhos do cidadão comum, a famosa denominação do “estado de emergência” soa como uma ação ou atitude negativa. Mas, vamos aqui fazer um pequeno parênteses e exercício: você já imaginou ter que tomar a decisão de fechar o comércio para evitar aglomerações, ou ter que comprar máscaras e equipamentos médicos e essa decisão para ser aprovada e implementada ter que passar por todas as etapas “normais” de deliberação política tais como as discussões no interior das comissões legislativas da Câmara de Vereadores, votações em plenário, abertura de processos de licitação e orçamento para contratação de materiais, liberações de compras, etc? Em processos “normais” tais decisões podem levar meses para serem implementadas, de fato. O estado de emergência garante que todo processo de aprovação e implementação de medidas emergenciais seja realizado em tempo mais curto e ágil. E tal estado se faz necessário dado que, pela situação em que vivemos, tempo significa literalmente números de vidas que podemos salvar ou número de mortes com as quais nós e a administração pública seremos coniventes.


Voltando às medidas adotadas por Bruno Covas, o estado de emergência para além de garantir a compra mais rápida de equipamentos de saúde, também levou à suspensão do rodízio de carros na cidade, à suspensão dos eventos privados que necessitavam de autorização e à liberação dos servidores municipais com mais de 60 anos, as grávidas e os servidores que sofrem com alguma doença imunodeficiente para trabalharem de suas residências. Para além disso, o decreto de emergência também trouxe as primeiras medidas para o transporte público. Através do decreto o prefeito Covas anunciou que todos os ônibus ao chegarem no ponto final seriam obrigados a serem higienizados para voltarem a circular. A medida, no entanto, de maior impacto e que marcou na vida do paulistano o início da sensação de isolamento e distanciamento social – ou que deveria ter marcado a gravidade da pandemia e disseminação do coronavírus – foi a decisão sobre o fechamento do comércio, permitindo a abertura e o funcionamento apenas das farmácias e supermercados8.


Quatro dias após decretar o “estado de emergência”, no dia 21 de março, saiu no diário oficial da cidade de São Paulo o decreto de “calamidade pública” assinado por Bruno Covas9. Tal decreto seguiu estritamente as decisões do então Governador do Estado de São Paulo, João Dória, também divulgadas na manhã do dia 21. Entre as novas medidas, o prefeito anunciou o fechamento dos parques municipais, a suspensão das aulas em toda rede municipal com a antecipação do recesso escolar (que ocorreria em julho) para o período entre os dias 23 de março e 09 de abril. No que concerne à decisão sobre o calendário escolar vale ressaltar que, ao todo, a medida alcançou mais de 1 milhão de alunos e 80 mil educadores, distribuídos em mais de quatro mil escolas. Desde o dia 13 de abril as aulas foram retomadas no município através da disponibilização de atividades didáticas por meio de um ambiente virtual10. Ainda não há, ao certo, informações a respeito da quantidade de alunos sem acesso à internet ou à aparelhos celulares que estão sendo prejudicados pela adoção de tais medidas.


O decreto do dia 21 de março também trouxe, finalmente, medidas para a saúde pública da cidade. O prefeito anunciou que as 505 Unidades Básicas de Saúde (UTIs) disponíveis nos hospitais municipais da cidade seriam ampliadas para 995 unidades, um total de 495 leitos a mais. Também foram anunciados os primeiros hospitais de campanha com a disponibilização de 200 leitos de UTI no estádio do Pacaembu e mais 1800 leitos no completo do Anhembi, localizado na zona norte da cidade. E, novamente, cabe aqui pontuar que no dia 01 de abril, apenas 9 dias após o decreto do prefeito, o primeiro hospital de campanha localizado no estádio do Pacaembu foi entregue11. No dia 02 de abril12 parte do hospital de campanha do Anhembi também foi entregue, sendo as obras finalizadas e entregues completamente no dia 17 de abril13.


A princípio as medidas adotadas para o enfrentamento da crise, sobretudo quanto ao isolamento social, tiveram que ser, e continuam a ser, estendidas. A primeira abertura anunciada pelo governador do estado João Dória (PSDB) estava prevista para acontecer no dia 09 de abril. No entanto, devido ao aumento do número de casos de contaminados e de mortos na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas, bem como o governador de São Paulo, anunciaram ainda no dia 06 de abril a extensão da quarentena para o dia 22 de abril14. Ainda no dia 20 de abril, marcando 11.568 casos confirmados de pessoas com coronavírus, o governador do estado de São Paulo prorrogou, novamente a quarentena para o dia 11 de maio15, decisão que foi seguida por Bruno Covas, prefeito da cidade de São Paulo.


Entre os dias 24 de abril e 08 de maio os números de casos confirmados de pessoas com coronavírus passou de 17.826 para 41.839 e o número de mortes passou de 1.512 para 3.406 só no Estado de São Paulo16. Com a baixa da taxa de isolamento social que está na média dos 48% (quando o recomendável é 70%) e com uma taxa de ocupação das UTIs em 90% , o prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas decidiu não só prorrogar o isolamento social até o dia 31 de maio, bem como decretou um novo esquema de rodízio e circulação de carros na cidade na tentativa – já desesperada – de aumentar as taxas de isolamento social e diminuir o número de casos de contágio e mortes pelo coronavírus17.


Trabalhando em parceria com o governador do estado de São Paulo, João Dória, Bruno Covas desde o início tem se colocado e se posicionado a favor da política de isolamento social e contra as declarações do atual Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Em uma de suas últimas declarações o prefeito chegou a afirmar que “Se o presidente colaborasse, pelo menos, ajudando as pessoas, orientando as pessoas a ficarem dentro de casa, talvez a gente não estivesse nesse índice preocupante de 48% apenas de pessoas ficando dentro de casa na cidade de São Paulo”, afirmou Covas em entrevista à GloboNews18.


Com o número de casos e óbitos por conta do coronavírus cada vez maiores na cidade de São Paulo, as críticas e o desafio do atual prefeito da cidade são dois: o primeiro é o de como enfrentar essa crise nas regiões periféricas da cidade que são, hoje, as que concentram o maior número de mortes por conta do coronavírus19. Sem políticas de planejamento urbano habitacional e de assistência social, a cidade de São Paulo conta hoje com a ajuda de empresas, de organizações e de cidadãos comuns que têm realizado ações pontuais de distribuição de alimentos e materiais de higiene básica20. E o segundo é o de como conseguir aumentar a quantidade de testes – desafio enfrentado pelo país como um todo.


Por fim, deixo aqui registrado no último parágrafo deste texto um pouco da mistura da Joyce Luz cientista política e da Joyce Luz humana. Aliado à ciência, a única certeza que temos nessa pandemia é a de que o isolamento social é uma medida eficaz e capaz de reduzir a taxa de contágio e propagação do coronavírus a níveis que o nosso sistema público de saúde (SUS) dê conta de atender às vítimas sem colapsar. Não é mentira que o Brasil é um país de grandes desigualdades sociais e que nem todos podem ficar em casa. Mas é por isso que deixo esse apelo neste último parágrafo: quem tem condições de ficar em casa, por favor, fique em casa. A última decisão do prefeito Bruno Covas é a de autorizar o uso do protocolo internacional que determina – em casos de superlotação das UTIs – a decisão sobre quais seres humanos terão prioridade para receber o tratamento contra o coronavírus, ou seja, sobre quais serão tratados e quais serão literalmente deixados à sorte, ao acaso do destino. Nós não somos só números ou deveríamos ser todos seres humanos para saber que não podemos ser só números. Convido a todos os leitores a visitarem o projeto “Inumeráveis” – um memorial para as vítimas do coronavírus no Brasil21. Volto a repetir: somos inumeráveis.


 

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1Joyce Luz é cientista social, mestre e doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições (NIPE) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais (NECI) da USP. Também é professora do curso de Pós-Graduação em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia do Estado de São Paulo.


2Arranha céu ou arranha céus são edifícios altos que possuem geralmente mais de 40 andares e altura superior a 150 metros.


3 Os dados populacionais são uma estimativa a partir do último censo realizado no ano de 2010. Para ver as informações completas basta acessar: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama


4Dados extraídos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Link para acesso: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idhm-municipios-2010.html


5De acordo com os registros, o primeiro caso de teste positivo de Covid-19 foi em um homem de 61 anos de idade que retornou de uma viagem realizada na Itália, onde possivelmente adquiriu o vírus. https://saude.abril.com.br/medicina/coronavirus-primeiro-caso-brasil/

















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