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NEPOL UFJF

Sul de Minas no enfrentamento ao Covid-19: os casos de Poços de Caldas, Pouso Alegre e Varginha

Gustavo Fernandes Paravizo Mira

Doutorando em Ciências Sociais | PPGCSO UFJF


José Vitor Lemes Gomes

Doutor em Ciências Sociais | PPGCSO UFJF

Professor na Universidade do Estado de Minas Gerais


Minas Gerais é a quarta maior unidade federativa brasileira. Com área total de 586.521km² e população estimada em 21,16 milhões, possui 12 mesorregiões e 66 microrregiões, segundo o IBGE. Neste contexto, a mesorregião Sul e Sudoeste, com estimativa de 2,9 milhões habitantes e 146 municípios, nos permite cotejar as ações adotadas por Executivos Municipais que desempenham forte influência local em um território que se equipara ao de países como Suíça, Bélgica e Dinamarca. Apesar das inúmeras diferenças entre os 853 municípios do estado, muitas similitudes também podem ser encontradas, especialmente se filtramos os municípios a partir de critérios como pertencimento a uma mesma mesorregião, número de habitantes e indicadores socioeconômicos.


Partindo destes critérios, analisamos as medidas de enfrentamento adotadas pelas prefeituras de Poços de Caldas(1), Pouso Alegre(2) e Varginha(3) na tentativa de mitigar os efeitos do Sars-Cov-2 (Covid-19). Estes municípios se destacam por sua localização privilegiada como ponto médio entre Belo Horizonte e São Paulo e por serem cidades polo na região com semelhante IDH, população e desenvolvimento econômico. Em que pese estes fatores, a influência destes municípios nas áreas de agricultura, indústria, educação e serviços em suas microrregiões são notáveis. Isto pode ser examinado pelo alto fluxo de trabalhadores, estudantes, turistas e, principalmente, pelo grande volume de pessoas que utilizam as redes de saúde destes municípios através de consórcios intermunicipais de saúde(4).


Segundo os dados levantados a respeito das redes de saúde nos municípios (Quadro 1), há padrões e diferenças em termos de estrutura que devem ser observados. Verificamos que os leitos de UTI disponíveis no SUS estão distribuídos igualmente entre os municípios, enquanto o número de leitos de UTI privados estão mais concentrados em Varginha. Em todas as cidades, os leitos privados são mais numerosos que os públicos. Percebemos também que há mais respiradores em Poços de Caldas que os números de Varginha e Pouso Alegre somados. Praticamente todos já estavam em uso nas três cidades no período anterior à confirmação dos primeiros casos em Minas Gerais em 9 de março. Soma-se a esta estrutura os Postos de Saúde da Família (PSF), as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e as Unidades de Atenção aos Programas de Saúde (UAPS), os quais servem de base para a atuação de agentes de saúde e para o atendimento mais geral. Ao todo são 36 em Poços de Caldas, 27 em Pouso Alegre e 20 em Varginha, além de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Poços de Caldas e outra em Varginha.


Quadro 1 – Panorama da estrutura de saúde nas maiores cidades do Sul de Minas(5) 



Primeiras medidas adotadas pelas maiores prefeituras do Sul de Minas


As medidas adotadas pelos Executivos Municipais até este momento foram similares em vários aspectos, embora apresentem diferenças substantivas quanto às estratégias utilizadas e os efeitos gerados. Ao todo, foram editados 27 decretos pelas prefeituras em timings distintos se tomarmos como base as ações do governo de Minas Gerais: em 12 de março, o estado declarou emergência em saúde pública, e em 20 de março, situação de calamidade pública(6).


De maneira geral, Pouso Alegre foi o município que mais fez uso deste instrumento (12 decretos)(7). A cidade decretou emergência em saúde pública cinco dias após o governo estadual, em 17 de março, e desde então editou medidas com mais frequência, muitas delas corrigindo e/ou alterando dispositivos anteriores. Varginha (7 decretos), por sua vez, declarou emergência em saúde pública seis dias após a edição da medida do governo do estado(8). Ambas parecem ter adotado estratégias semelhantes, com diferença de alguns dias, tendo em vista que a declaração do estado de emergência em saúde pública, embasada na Lei 13.979/2020, limita as ações dos agentes públicos ao escopo do enfrentamento do coronavírus.


Neste aspecto, Poços de Caldas (8 decretos) agiu de forma diferente em relação aos demais municípios(9). Seu Executivo Municipal editou três decretos específicos no sentido de mitigar a pandemia após a declaração da situação de emergência em saúde pública no estado, inclusive com referências à Lei 13.979/2020, mas sem adotar medida semelhante ao estado de Minas Gerais. Apesar disso, a prefeitura acompanhou a situação de calamidade pública decretada pelo governador Romeu Zema e, em 21 de março, editou decreto que estabeleceu a mesma medida no nível local. Vale lembrar que a situação de calamidade pública sinaliza a existência de grandes danos e agravos aos municípios em razão de um desastre e, além disso, desobriga o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal – o que certamente é um desafio posto aos prefeitos na tentativa de refrear a pandemia e equilibrar recursos municipais frequentemente escassos(10).


Considerando a utilização de decretos (Quadro 2), verificamos de que maneira as prefeituras atuaram no sentido de proibir, regular e instruir os diversos setores sociais neste primeiro momento.


Quadro 2 – Medidas adotadas pelas principais prefeituras do Sul de Minas



Percebemos que foi comum aos municípios, entre outras ações, a criação de comitês/comissões de planejamento das ações de enfrentamento ao coronavírus, a suspensão das aulas e o fechamento de cinemas, parques e pontos turísticos. Secretarias municipais tiveram os horários alterados, houve mudanças nas cobranças do IPTU, setores burocráticos passaram a trabalhar em regime de home office e patrões foram instruídos a controlar a temperatura corporal dos empregados e/ou informar sintomas às secretarias de saúde.


Medidas específicas também foram adotadas por cada prefeitura, algumas de caráter bastante restritivo. Poços de Caldas, por exemplo, passou a administrar o fluxo de pessoas e veículos nos limites municipais, com restrição à entrada de turistas – uma das principais fontes de renda do município. Varginha, por sua vez, limitou visitas a asilos, hospitais e prisões, com possibilidade de penalização às respectivas administrações em caso de contágio. Pouso Alegre optou por não limitar o funcionamento de templos religiosos. De maneira geral, observamos que os decretos foram utilizados de forma recorrente para tratar do funcionamento das atividades comerciais e não estabelecem políticas específicas para pessoas em situação de rua e com vulnerabilidade socioeconômica – exceção feita ao restaurante popular em Poços de Caldas.


Conflitos locais e a renúncia do prefeito Antônio Silva em Varginha


As medidas adotadas localmente não podem ser pensadas sem uma compreensão mais ampla do contexto institucional e político no qual atuam os Executivos Municipais. No estado de Minas Gerais, há forte descoordenação entre a presidência da república, governadores e prefeitos no combate ao Covid-19 e esta situação parece se refletir no nível local de forma eventualmente conflitiva. Prova disso foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6341, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em relação à competência concorrente de União, Estados e Municípios para legislarem sobre questões de saúde11 . Neste sentido, as prefeituras têm sido bom termômetro a respeito das tensões sociais e conflitos que emergem com o avanço da pandemia. Aparentemente isso ocorre porque os Executivos Municipais estão na linha de frente da tomada de decisão e, por esta razão, são alvos da pressão e influência de diferentes setores e grupos.


Em Poços de Caldas, apesar da vocação turística, o Executivo Municipal adotou medidas para restringir a entrada de turistas na cidade e proibiu o acesso a monumentos e pontos de circulação de pessoas(12). O comércio foi parcialmente fechado e, até 23 de março, 150 estabelecimentos foram autuados por descumprir as regras de funcionamento. Em 28 de março, logo depois da confirmação do primeiro caso, houve carreata em favor da reabertura. A decisão de manter as restrições às atividades comerciais, no entanto, foi reiterada em 14 de abril com a chancela do comitê de enfrentamento ao coronavírus e do prefeito Sérgio Azevedo (PSDB). Dois dias após a decisão, a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária (ACIA) manifestou descontentamento com a medida(13). Aparentemente, a tensão entre o Executivo Municipal e comerciantes encontrou ressonância na posição do presidente da República, favorável à retomada das atividades, em contraposição às medidas do governo estadual, que tem sinalizado maior cautela no que diz respeito a este ponto. Em 17 de abril, o município registrava 8 casos confirmados e uma morte no município.


No caso de Pouso Alegre, as primeiras medidas do Executivo Municipal também restringiram o funcionamento do comércio, mas foram modificadas em 26 de março, via decreto, quando a prefeitura flexibilizou o funcionamento de muitos estabelecimentos(14). O prefeito Rafael Simões (DEM) argumentou que o pronunciamento do presidente da República, em 24 de março, desencadeou situações que levaram o comitê municipal de combate ao coronavírus a buscar uma padronização das ações frente à pandemia. Dessa forma, o município passou a acompanhar integralmente as decisões do governo de Minas Gerais na questão. Em 28 de março, a reabertura do comércio em Pouso Alegre ocorreu concomitantemente à confirmação do primeiro caso, o que não intimidou a circulação de pessoas. Houve aumento do efetivo da Polícia Militar para garantir a segurança e trabalho de conscientização sobre o isolamento social, o que também foi feito por agentes de saúde. Outro ponto de conflito foi a retomada da cobrança de estacionamento rotativo, em 14 de abril, após três semanas de suspensão(15). Mesmo com o desestímulo à circulação, o trânsito voltou a se intensificar nos últimos dias a despeito das recomendações. Em 17 de abril, a cidade havia registrado 18 casos de coronavírus e dois óbitos confirmados.


O caso de Varginha, por sua vez, envolve elementos similares aos verificados em Poços de Caldas e Pouso Alegre, mas expõe de maneira mais clara o conflito entre o Executivo Municipal e grupos de interesse. Após decretar o estado de emergência em saúde pública, em 18 de março, o vice-prefeito Vérdi Lúcio Melo (Avante) (em exercício durante as férias do titular) passou a sofrer pressões de diferentes segmentos em função da ampliação das medidas de restrição às atividades comerciais nos dias seguintes. A situação se agravou com o retorno do prefeito Antônio Silva (PTB) à prefeitura, em 2 de abril, e a edição de um decreto que determinou a reabertura de parte do comércio em resposta aos pedidos da Associação Comercial e Industrial de Varginha (ACIV). A decisão, decretada na véspera da confirmação do primeiro caso no município, gerou desacordos com setores da própria prefeitura, como a Comissão de Prevenção, Controle e Enfrentamento do Novo Coronavírus e o Conselho Municipal de Saúde, e foi questionada por entidades como a Associação Médica de Minas Gerais e o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais. Depois de várias manifestações contrárias e recomendação do Ministério Público, Antônio Silva revogou o decreto que permitia a reabertura do comércio na cidade e alegou motivos pessoais para solicitar a renúncia de seu quarto mandato à frente da prefeitura de Varginha(16). Em 17 de abril, o prefeito Vérdi Lúcio, após reunião com a participação de diversos setores e um total de 10 casos confirmados e uma morte, revogou as medidas anteriores e editou novo decreto com determinações para a retomada gradual do comércio na cidade(17).


Reflexões preliminares


De forma geral, este levantamento nos permitiu colocar em perspectiva alguns dados a respeito da estrutura de saúde, da tomada de decisão das prefeituras e dos conflitos nos diferentes níveis de governo. Embora não sejam suficientes para conclusões mais amplas, eles nos revelam que há grande diversidade de medidas sendo adotadas pelos Executivos Municipais neste primeiro momento. Isto demonstra o papel ativo das prefeituras e, ao mesmo tempo, expõe o surgimento de conflitos, seja entre os entes federados, no que se refere à autonomia dos municípios sobre certas matérias, seja no nível local, no que diz respeito ao funcionamento do comércio e outros serviços. Chama a atenção a diferença entre leitos de UTI públicos e privados – o que pode gerar, no limite da oferta, diferenciação socioeconômica nos atendimentos de saúde –, e a ausência de políticas específicas na área de assistência social nos decretos.


As declarações de emergência em saúde pública e calamidade pública, por sua vez, oferecem pistas sobre as diferentes estratégias das prefeituras no contexto de pandemia. Municípios em situação financeira delicada podem se valer da declaração de calamidade pública para buscar saídas para caixas pouco irrigados devido ao atraso nos repasses do governo do estado e para solucionar questões fiscais pretéritas. Além disso, é importante considerar a continuidade do jogo político para além da pandemia. É possível que os atuais prefeitos encontrem mais dificuldades dentro de suas gestões e que também haja mais resistência ante a grupos concorrentes dada a aproximação do período eleitoral – o que suspeitamos ser, ao menos em parte, o caso de Varginha. Um olhar mais atento às Câmaras Municipais e à mídia local – apesar da escassez de cobertura política especializada – pode revelar aspectos interessantes destes arranjos.


Por fim, vale a pena ressaltar que alguns tópicos ainda carecem de mais investigação como as formas de testagem utilizadas pelas prefeituras, a divulgação de dados por parte das secretarias municipais e estaduais, o alinhamento dos prefeitos com o governo do estado e/ou com as determinações federais, além de outras medidas específicas adotadas pelos municípios, como os atendimentos de saúde via telemedicina e o controle de temperatura de patrões sobre os empregados. Esforços neste sentido podem contribuir para refinar o conhecimento sobre as ações, tensões e atores no nível local neste cenário de pandemia.



 

* Agradecemos a colaboração e os comentários de Fernando Henrique Guisso e Paula Emília Gomes de Almeida.


1 Dados gerais de Poços de Caldas: População estimada pelo IBGE em 2019: 167.397 habitantes; IDH 2010: 0,779 (alto); PIB per capita em 2017: R$ 38.329,41 reais. Os dados variam por ano de acordo a disponibilidade.


2 Dados gerais de Pouso Alegre: População estimada pelo IBGE em 2019: 150.737 habitantes; IDH 2010: 0,774 (alto); PIB per capita em 2017: R$ 50.211,91. Os dados variam por ano de acordo a disponibilidade.


3 Dados gerais de Varginha: População estimada pelo IBGE em 2019: 135.558 habitantes, IDH 2010: 0,778 (alto); PIB per capita em 2017: R$40.506,11. Os dados variam por ano de acordo a disponibilidade.


4 Poços de Caldas participa do Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios da Microrregião do Alto Rio Pardo (CISMARPA) em conjunto com outros 22 municípios. Pouso Alegre e Varginha estão integrados como regionais no Consórcio Intermunicipal de Saúde da Macro Região do Sul de Minas (CISSUL) em conjunto com outros 151 municípios.


5 Estes números devem aumentar com a iniciativa de construção de hospitais de campanha em Poços de Caldas e Varginha. Em Pouso Alegre há previsão de aumento no número de leitos no Hospital das Clínicas Samuel Libâneo.


6 Fazem parte deste levantamento os decretos editados entre 17 de março e 17 de abril de 2020. Não incluímos as portarias em função da limitação de tempo e espaço. Privilegiamos os decretos por considerarmos que este é um dos principais instrumentos legais dos Executivos Municipais.


7 Decretos editados pela prefeitura de Pouso Alegre entre 17 de março e 17 de abril: Decreto 5117/2020, Decreto 5121/2020, Decreto 5122/2020, Decreto 5123/2020, Decreto 5124/2020, Decreto 5126/2020, Decreto 5127/2020, Decreto 5128/2020.


8 Decretos editados pela prefeitura de Varginha entre 17 de março e 17 de abril: Decreto n° 9.738/2020, Decreto nº 9.751/2020, Decreto nº 9.753/2020, Decreto nº 9.759/2020, Decreto nº 9.769/2020, Decreto nº 9.770/2020, Decreto nº 9.777/2020.


9 Decretos editados pela prefeitura de Poços de Caldas entre 17 de março e 17 de abril: Decreto nº. 13.278, Decreto nº 13.281, Decreto nº 13.283, Decreto nº 13.286, Decreto nº 13.288, Decreto nº 13.296, Decreto n°13.302, Decreto n° 13.305/2020.


10A caracterização da situação de emergência e de calamidade pública possui diferenças importantes, segundo o Tribunal de Contas Estadual de Minas Gerais (TCE/MG). A caracterização da situação anormal como situação de emergência ou estado de calamidade pública depende da intensidade do desastre, as quais variam entre os níveis I, II e III. A partir de sua classificação, é possível definir a situação do município entre Situação de Emergência, isto é, “uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido”; e Estado de Calamidade Pública, ou seja, “uma situação anormal, também provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido”. Estas medidas carecem de aprovação dos legislativos, para o caso de Estados e Municípios, e do Congresso, para decreto presidencial. Disponível em: https://bit.ly/2Kg45xA.


11 STF garante que estados e municípios podem decidir sobre isolamento social. Disponível em: https://bit.ly/2KlhOmU.


12 Horário do comércio é restringido e divisas são fechadas para o turismo. Disponível em: https://bit.ly/2VK5zFF.


13 ACIA diz que situação do comércio é insustentável: Disponível em: https://bit.ly/2RTOCr9.


14 Decreto é reeditado e flexibiliza a reabertura do comércio em Pouso Alegre. Disponível em: https://glo.bo/34RWH5d.


15 Retorno da zona azul em Pouso Alegre é para que população fique apenas o tempo necessário na rua, diz prefeitura. Disponível em: https://bit.ly/2XQoqS1.


16 Criticado por reabrir comércio, prefeito de Varginha (MG) renuncia. Disponível em: https://bit.ly/2RUYiSl.


17 Decreto permite reabertura do comércio em Varginha a partir de segunda-feira. Disponível em: https://glo.bo/3arr8A6.

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