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NEPOL UFJF

Santarém frente a COVID - 19 em um cenário Inter federativo e pluriétnico no coração da Amazônia

Rui Massato Harayama 1

Instituto de Saúde Coletiva

Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)


Santarém, localizada no Oeste do Pará, banhada pelo encontro do rio Tapajós com o Amazonas, é a terceira cidade mais populosa do estado, com 304.589 habitantes. A prefeitura é comandada por Francisco Nélio Aguiar da Silva, do Democratas, em seu primeiro mandato2. A importância política da cidade é retratada na presença de instituições, como a sede da 9° Regional de Saúde da Secretaria do Estado, Procuradoria da República e Ministério Público Estadual e sede de movimentos sociais e organizações não-governamentais. O Conselho Municipal de Saúde é presidido pelo Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais.


No dia 10 de março o Município iniciou ações voltadas para o combate à pandemia publicando o Plano de Contingência da Covid-193 e no dia 164 decretando a situação de emergência de saúde e instituindo o Comitê de Crise. Esse ato administrativo desencadeou a suspensão de aulas na rede municipal, restrições de atividades não essenciais5, com alteração do horário de funcionamento dos comércios e reorganização dos serviços públicos de saúde com contratações emergenciais6. O Decreto Municipal convergiu com as ações do Governo Estadual que decretou, no dia 16, o acirramento das medidas de distanciamento social7 e no dia 20 o estado de calamidade pública com o fechamento das divisas com os outros estados8.


Até decisão do STF na ADI 6341, em 15 de abril9, por meio de decreto estadual e respaldado por medida judicial1011, o município impediu que embarcações de passageiros de outros estados atracassem, o que gerou discussões na imprensa e impactou, em parte, o abastecimento, uma vez que transportes fluviais interestaduais são de passageiros e cargas.


O primeiro caso em Santarém foi confirmado em 01 de abril12 e envolto por polêmicas em virtude do fluxo de notificação do caso do óbito por Covid-19 de uma indígena Borari, de 87 anos, moradora da vila de Alter do Chão, que faleceu em 19 de março, mas cuja notificação por parte da Secretaria do Estado ocorreu somente em abril. Três fatores são determinantes para compreender essa polêmica que envolve o primeiro caso oficial de Santarém: (1) ausência e/ou demora na realização e nos resultados de testes, (2) não comunicação entre sistemas privado e público, e (3) indefinição sobre a competência de notificação de casos entre indígenas.


A partir do primeiro caso as confirmações passaram a ser diárias, tendo o segundo óbito ocorrido em 15 de abril. O atraso no fluxo de comunicação e demora dos resultados dos testes impediram que a administração soubesse ao certo a data de início da transmissão comunitária na cidade. Entretanto, a partir do primeiro óbito observamos medidas mais restritivas para conter a disseminação do Sars-Cov-2. A partir de 07 de abril foi determinado toque de recolher e a obrigatoriedade de uso de máscara1314, com implementação de espaços de acolhimento para a população em situação de rua15 e monitoramento dos casos suspeitos por equipes da Atenção Básica. 

Na questão orçamentária, a declaração de situação de calamidade pública em 29 de abril suspendeu os prazos fiscais vinculados à Lei de Responsabilidade Fiscal16 e possibilitou a aquisição de equipamentos e serviços17, além do repasse de cerca de 3,5 milhões do Ministério da Saúde18 e 200 mil da Câmara Municipal19.


No âmbito das ações do estado na cidade, foi inaugurado, em 22 de abril, o hospital de campanha pelo governo estadual com 120 leitos e contratação de suporte aéreo2. Entretanto, por problemas na compra de respiradores, a expansão ocorreu de fato em maio, chegando a 51 leitos de UTI21. Antes da pandemia, a região contava com um Hospital Regional que atendia toda a demanda. Apesar de o número parecer expressivo, esse quantitativo atende três regiões de saúde do Oeste do Pará e está sobre administração do Estado.


Se na segunda quinzena de março foi possível observar adesão maior ao isolamento, principalmente entre a classe média e os profissionais liberais, o pronunciamento do presidente e a mobilização nas redes sociais convocando para o jejum do dia 05 de abril foram elementos desmobilizadores. Em que pese esse fato, durante esse mês pôde ser observado o controle moderado dos casos e a reestruturação da rede de assistência à saúde. 


Em maio, a orientação do isolamento social foi afetada pela disponibilização dos auxílios emergenciais que geraram aglomeração ao redor de bancos22 e do comércio, atraindo moradores de comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e de cidades vizinhas, sendo fator de interiorização do vírus no momento em que os serviços de saúde apresentavam seu colapso com filas de espera para UTI23.


Mesmo com a manutenção de medidas moderadas, o mês de maio teve aumento expressivo de casos até chegar a 1497 confirmados, 74 óbitos e 4060 monitorados com síndrome gripal24. Para atender o aumento da demanda, além das Unidades Básicas de Saúde, da Unidade de Pronto Atendimento e do Hospital Municipal, foram adaptadas duas escolas para o atendimento exclusivo de casos de síndrome gripal25 e serviço de telemedicina para pessoas com mais de 60 anos26.

 

Santarém teve restrições rígidas somente por uma semana durante o decreto estadual de lockdowm que vigorou de 19 a 24 de maio27, com fechamento total dos comércios não essenciais, decisão que despertou manifestação contrária de empresários locais28. Após esse período a prefeitura suspendeu as restrições, mas foi notificada pela justiça e pelo MPPA. No momento, o município mantém toque de recolher e o comércio de rua aberto, em horário reduzido, mas com restrição da circulação de pessoas de acordo com o número final do CPF, o “rodízio de pessoas”29.


Apesar de ter planejado as ações de contenção, observa-se que a efetivação e o entendimento das ações de isolamento social se confundem entre os diversos atores responsáveis pelas políticas sociais voltadas para as populações vulneráveis. A heterogeneidade da população santarena coloca um desafio no que tange às políticas de prevenção e de garantia social das populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas que se encontraram desassistidas por órgãos federais que vinham descontinuando seus serviços e repasses à essas populações desde 2019, com raras exceções. As populações tradicionais têm garantido a efetivação da prevenção à Covid-19 por meio de articulações entre os movimentos sociais e organizações não-governamentais e a segurança alimentar por meio de cestas básicas distribuídas pelos gestores municipal ou estadual.


O prefeito tem mantido seu posicionamento a favor das medidas restritivas de prevenção, mas tem evitado o fechamento do comércio de rua não essencial. O tensionamento colocado pelos movimentos sociais, organizados no Comitê Popular de Combate à Covid em Santarém que ajuizaram pedido de lockdown no início de maio30, e o posicionamento da Associação Comercial e Empresarial de Santarém31, que reitera o impacto econômico e a ausência de auxílio governamental, são elementos que evidenciam a ausência de políticas e orientações de enfrentamento no âmbito federal gerando o cenário de judicialização e tensionamento social entre diversos atores e entes federativos.


 


1 Mestre em Antropologia Social pelo PPGAN-UFMG (2011). Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2008). Atualmente é Professor Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) no Instituto de Saúde Coletiva.
















16Decreto N° 137/2020-GAP/PMS



18PORTARIA Nº 774, DE 9 DE ABRIL DE 2020 , custeio de R$ 3.467.805,98 extraspara o combate a COVID-19













30https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2020/05/09/entidades-propoem- acoes-coletivas-para-adocao-lockdown-e-outras-medidas-de-contencao-a-covid-19-em-santarem.ghtml


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