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NEPOL UFJF

Salvador na pandemia da COVID - 19: cooperação entre Estado e município e o colapso do sistema de saúde


Renato Francisquini

Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política

Universidade Federal da Bahia - UFBA


À medida que o tempo passa, cresce o número de pessoas infectadas assim como se multiplicam aqueles que perdem a vida devido à Covid-19. Por vezes, a sensação é a de que os dias se repetem. Enquanto no mundo as estratégias de restrição à circulação foram eficazes na redução da curva de contágio, no Brasil, onde o governo federal estimula a desobediência ao confinamento, assistimos atônitos à perda de controle sobre a difusão do vírus. Se nas primeiras semanas de abril contávamos os infectados pelo novo coronavírus no estado da Bahia em centenas e não havia ainda uma dezena de mortos1, não tardou para que a escala se ampliasse.


Não que faltassem estudos científicos nem tampouco experiência em outros países para sustentar que, cedo ou tarde, o sistema de saúde enfrentaria imensas dificuldades para atender todos aqueles que necessitam de cuidados médicos. Embora o tempo urgisse, houve algum espaço para que o poder público pudesse se preparar. No texto publicado em 6 de abril, enumeramos uma série de ações que vinham sendo implementadas pela gestão do prefeito ACM Neto (DEM) para lidar com a crise que então se avizinhava. Foram implementadas medidas para aumentar o distanciamento social e um programa de renda básica para os trabalhadores informais e outros afetados pelas restrições impostas.  Houve, também, investimento em unidades de acolhimento para a população em situação de rua e a ampliação do número de leitos para o atendimento de pacientes da Covid-19.


A despeito desses esforços iniciais, que seguiam a orientação dos pesquisadores da área da saúde, não deixamos de enfrentar, hoje, uma situação grave na saúde coletiva de Salvador. O estado da Bahia confirmou, até esta quinta-feira (21/05), 11.941 casos e 376 mortes em decorrência do novo coronavírus. A capital, como era de se esperar, concentra uma parte significativa dos registros (64,6%), assim como uma das maiores taxas de incidência da doença (2.395,25/milhão de habitantes)2. O número de mortes, na capital, foi de 247 (65,7%)3.


Para além da tragédia representada pelo número absoluto de registros e de óbitos, a preocupação central das autoridades se dirige à capacidade do sistema de saúde para atender à população. Embora no estado como um todo a taxa de ocupação de leitos do Sistema Único de Saúde exclusivos para pacientes da Covid-19 esteja em cerca de 50% (64% dos leitos de UTI), a situação se agrava na capital. O colapso do sistema de saúde é iminente em Salvador e deverá acontecer ainda no mês de maio. De acordo com os dados da última quarta-feira (20/05), mais de 80% dos leitos para Covid-19 estão ocupados, levando-se em conta tanto os disponíveis no SUS quanto na rede privada (85% dos leitos de UTI)4.


As ações de controle e cuidado com a saúde no estado têm evidenciado a cooperação entre o governador, Rui Costa (PT), e as prefeituras. As últimas semanas têm sido marcadas pela intensificação dos esforços do poder público para conter a expansão da epidemia e lidar com os seus efeitos sobre a população. Além da manutenção das restrições às atividades comerciais não essenciais, a prefeitura adotou medidas mais fortes para ampliar o isolamento social. Desde o dia 9 de maio, diferentes pontos da cidade, sobretudo espaços de forte atividade comercial e com um número maior de registros de contaminação, foram objeto de restrições mais severas à circulação de pessoas5. Tais ações, em geral, têm duração limitada e são acompanhadas por medidas que auxiliam no diagnóstico e na contenção da transmissão da doença, como a realização de testes rápidos, a distribuição de máscaras e a disponibilização de serviços oferecidos pelos Centros de Referência e Assistência Social (CRAS). 


Há dois pontos interessantes a notar nessas medidas. O primeiro é a alta proporção de resultados positivos, que ultrapassaram 20% nesta quinta-feira (de 508 testes realizados, 110 foram positivos para a Covid-19)6. O segundo é que, no retorno, mesmo os ambulantes e feirantes passaram a operar sob regras mais rígidas de higiene, como a obrigação do uso de máscara e a disponibilização de álcool em gel, o que havia sido prescrito para os demais estabelecimentos comerciais ainda em abril. Novas avaliações são realizadas após a suspensão das restrições, que podem ser reimplantadas caso os dados de circulação e de contaminação voltem a crescer.


Os governos estadual e municipal vêm se organizando também para ampliar a rede de atendimento à saúde. A gestão de ACM Neto inaugurou nas últimas semanas um hospital de campanha com 50 leitos de UTI e outros 40 para o atendimento clínico; requisitou também um hospital privado que será utilizado exclusivamente para o atendimento de pacientes infectados com a Covid-19 (cuja capacidade é de 40 leitos de UTI)7. A prefeitura atua ainda no socorro à população mais vulnerável, disponibilizando consultórios para o atendimento à população em situação de rua8 e distribuindo cestas básicas em bairros carentes da capital9.


O governo Rui Costa reabriu o Hospital Espanhol, que estava desativado até abril, e vem ampliando a sua capacidade para atender às vítimas do novo coronavírus. Foi inaugurado pelo governador também um hospital de campanha, além de outros três que estão sendo construídos na cidade com recursos do governo estadual10. Estado e munícipio têm cooperado também na equipagem das estruturas por meio da aquisição de respiradores, máscaras e testes rápidos11.


O avanço da pandemia em Salvador teve um impacto significativo na percepção da população sobre a doença, os seus riscos para a saúde e a avaliação das medidas necessárias à sua contenção. Em um intervalo de duas semanas, aumentou de 6% para 15% o número das pessoas que ficaram doentes ou que conhecem alguém que tenha sido contaminado pelo novo coronavírus. Houve aumento também dos que entendem que a doença representa um risco à vida (de 21% para 36%). Com isso, 97% dos soteropolitanos afirmaram estar de acordo com o uso obrigatório de máscaras, e apenas 27% sustentam que a população mais jovem deveria retornar ao trabalho. Esses dados surpreendem, na medida em que quase três quartos dos entrevistados na capital (72%) responderam que a sua renda foi afetada pela condição de isolamento e 82% disseram ter atrasado o pagamento de contas12.


Nesse aspecto, enquanto no país como um todo a avaliação da atuação dos governos locais vem decrescendo (a avaliação positiva dos governadores caiu de 45% para 36% e a dos prefeitos de 39% para 35%), na Bahia, a pesquisa aponta movimento contrário. No estado, a avaliação positiva de Rui Costa subiu de 56% para 60% e, em Salvador, a de ACM Neto cresceu de 77% para 84%13. O apoio significativo da opinião pública parece permitir que governador e prefeito continuem se opondo à orientação do presidente da República em diversos sentidos. Os dois mandatários seguem encorajando a população a permanecer em isolamento social, assim como não se mostram simpáticos ao novo protocolo para o uso da cloroquina tal como determinado por Jair Bolsonaro (Sem Partido) ao Ministério da Saúde14.


A situação do sistema de saúde, como se percebe pelas taxas de ocupação apresentadas, é de extrema gravidade. As próprias autoridades admitem que o colapso é iminente. A expectativa, no momento, é para que haja rapidez na ampliação do número de leitos, de profissionais e de equipamentos em Salvador. Seria fundamental, também, que a cooperação verificada em âmbito local contasse também com a participação do Governo Federal, através da liberação do auxílio emergencial e do crédito para micro e pequenas empresas. Como ocorre via de regra no Brasil, a parcela vulnerável da população acaba sendo atingida de forma mais contundente e necessita, mais do que nunca, do apoio do poder público.


 

Acompanhe a série de artigos do NEPOL






5 Permanecem abertos serviços considerados essenciais, como mercados, farmácias, agências bancárias e lotéricas, estabelecimentos que fazem entrega, repartições públicas, clinicas veterinárias e de diagnóstico e imagem.


6 Os testes priorizaram pessoas que apresentam sintomas de gripe ou febre, ou que tiveram contato com pessoas contaminadas. https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/testes-rapidos-nos-bairros-110-infectados-com-covid-19-nesta-quinta-21/







12 A pesquisa, fruto de uma parceria do jornal A Tarde com o jornal Poder360 traz dados relevantes sobre o recebimento do auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional e o impacto do congelamento de salários do funcionalismo (http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/2127663-cresce-percepcao-popular-sobre-o-avanco-do-novo-coronavirus).





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