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NEPOL UFJF
4 de abr. de 2020

Recife na Pandemia: autonomia política e aderência aos protocolos de saúde

Mariana Batista


Departamento de Ciência Política


Universidade Federal de Pernambuco


Recife é a nona cidade mais populosa do país, com 1 milhão e 640 mil habitantes. Mesmo se tratando de uma capital, os indicadores econômicos e sociais não são os mais positivos. A renda média da cidade se afasta do topo da distribuição no país, com PIB per capita de R$ 31.743, ocupando a posição 1.036 do país 1. Para além da renda, o índice de desenvolvimento humano da cidade é 0,772. A taxa de mortalidade infantil é de 10,83 mortos por mil nascidos vivos, ocupando a posição 2.920 do país . Esses dados dão uma noção do desafio da cidade do Recife ao se deparar com uma crise das proporções do cornovarívus e que demanda muito das condições econômicas e sociais do município. Especificamente sobre saúde, Recife tem 274 estabelecimentos no Sistema Único de Saúde. A despesa total com saúde sob responsabilidade do município é de R$737,86 per capita 2 .

O Nordeste do país saiu das eleições de 2018 com os governantes menos alinhados ao presidente Jair Bolsonaro, com os governadores dos nove estados dessa região formando o Consórcio Nordeste, bloco de apoio mútuo que busca o desenvolvimento dessa região. Em Pernambuco, o governador é Paulo Câmara do PSB, reeleito para o segundo mandato em primeiro turno. A prefeitura está sob responsabilidade de Geraldo Júlio, também do PSB e também reeleito para um segundo mandato em primeiro turno. Ambos ocuparam cargos no governo do estado e foram eleitos para os seus primeiros mandatos em decorrência da alta popularidade do ex-governador Eduardo Campos, morto em 2014. Em suma, o contexto político em Pernambuco é de alinhamento interno entre prefeito e governador, que são do mesmo partido político. Também há alinhamento com a composição política da região Nordeste, onde os representantes políticos e os eleitores demonstram os menores níveis de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. A relação com o governo federal é de distanciamento.

O coronavírus atingiu Recife no dia 12 de março, quando foram detectados os dois primeiros casos da Covid-19 na cidade, apenas um dia depois de a Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia mundial da doença. No dia 25 de março foi registrada a primeira morte. Dados atualizados em 2 de abril mostram Pernambuco com 106 casos confirmados, dos quais 92 são em Recife 3 . O estado observou 9 mortes por Covid-19, apresentando alta taxa de letalidade da doença, atrás somente de Piauí, Rondônia e Sergipe 4 . Para preparar o sistema de saúde para a escalada da doença e prevenir os casos mais graves e a letalidade, além dos efeitos econômicos da crise, a prefeitura vem desenvolvendo uma série de ações.

A atenção da prefeitura do Recife ao tema do novo coronavírus teve início muito antes do primeiro caso ser detectado. No dia 28 de janeiro foi instalado o Comitê Municipal de Resposta Rápida ao Coronavírus. Em janeiro e fevereiro foram oferecidas capacitações de profissionais pela Secretaria de Saúde. No dia 13 de março foram anunciadas 29 ações do Plano Municipal de Contingência do Covid-19, sendo a maioria de impacto interno à prefeitura como restrição de viagens de servidores e higienização de equipamentos públicos. A principal ação pública foi no sentido de campanha educativa com o objetivo de disseminar as informações preventivas para a população.

Ações mais restritivas foram adotadas a partir do dia 14 de março com a proibição de eventos de massa e no dia 15 de março com a interrupção das aulas das escolas públicas e particulares. No dia 20 de março foram feitos os primeiros comunicados públicos do prefeito para que as pessoas ficassem em casa. O fechamento do comércio foi feito a partir de decreto do governo estadual no dia 22 de março e se mantém em vigor até o momento. Nesse caso, somente serviços essenciais estão em funcionamento. Para além do isolamento social, ações foram desenvolvidas nas dimensões de preparo do sistema de saúde, econômicas e de assistência social.

Do ponto de vista de preparo do sistema de saúde, a prefeitura contratou novos profissionais de saúde, abriu novos leitos e promoveu drive thru para vacinação de idosos contra a gripe. Um caso que chamou atenção nessa dimensão foi o conflito entre a prefeitura e o governo federal, quando este tentou por meio de requisição administrativa reter respiradores comprados pela prefeitura do Recife em ação de preparo do sistema de saúde 5 . Do ponto de vista da economia, a prefeitura vem incentivando liberação de crédito para pequenos empreendedores e a prorrogação em 90 dias, do prazo de pagamento do Imposto Sobre Serviços (ISS), nas áreas de turismo, eventos, setor de beleza, diversões públicas, entre outros; e a suspensão, também por 90 dias, dos procedimentos de cobrança administrativa tributária, protestos e execuções judiciais por parte do município. Do ponto de vista assistencial, a prefeitura vem distribuindo kits alimentares para os alunos que, por estarem sem aulas, podem sofrer de insegurança alimentar. Dessa forma, os kits visam compensar a ausência da merenda escolar. Além disso, foi aberto abrigo emergencial para pessoas que vivem em situação de rua 6 . Apesar da pro-atividade, as ações ainda são bastante tímidas, principalmente para a população em situação de vulnerabilidade.

A posição da prefeitura e também do governo do estado é claramente pelo isolamento social e se distancia de pronunciamentos públicos do presidente Jair Bolsonaro. A prefeitura vem veiculando peças publicitárias na grande mídia com ordens bem explícitas para que as pessoas fiquem em casa. No dia 27 de março Geraldo Júlio divulgou vídeo no qual responsabiliza Bolsonaro diretamente pelos efeitos do coronavírus na saúde e na economia 7 . O vídeo do prefeito chama atenção para ponto extremamente importante que é o da organização do federalismo brasileiro. Prefeitos só podem agir até um certo ponto. As decisões de maior impacto são, legalmente, de responsabilidade do governo federal. A prefeitura do Recife vem demonstrando autonomia política frente ao governo federal e aderindo aos protocolos de isolamento social previstos pela OMS. Até que ponto esse “federalismo de guerrilha” será suficiente, somente o tempo dirá.

 

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