Brenda Barreto
Gabrielle Marques
As eleições municipais de 2024 trouxeram uma série de dados relevantes sobre a participação das mulheres na política brasileira, destacando tanto avanços, quanto desafios persistentes. Enquanto o número de mulheres eleitas aumentou em relação a pleitos anteriores, a representatividade feminina continua longe da paridade desejada. Com o aumento do número de candidatas, especialmente para cargos de vereadora e vice-prefeita, o Brasil assiste a um movimento lento e desigual de inclusão feminina nos espaços de poder.
Um panorama das Eleições de 2024
Em termos gerais, 18% das cadeiras nas Câmaras Municipais foram ocupadas por mulheres, representando um leve crescimento em relação às eleições de 2020. No entanto, essa proporção ainda reflete uma significativa desigualdade de gênero, já que mais de 80% dos vereadores eleitos são homens. Com isso elas são quase 2 em cada 10 vereadores eleitos. A presença feminina no cargo de prefeita também registrou aumento, com 717 prefeitas eleitas no primeiro turno, um crescimento de 9% em relação a 2020 - ainda teremos 51 cidades com segundo turno, das quais 12 contam com candidatas na disputa.
Fonte: Elaboração Própria dados TSE
Em relação ao segundo turno, 89 homens concorrem ao pleito, ao passo que 15 mulheres (10 brancas e 5 negras) também estão na disputa. O destaque está nos municípios de Campo Grande (MS) e de Ponta Grossa (PR) que passarão por um segundo turno exclusivamente feminino. Cabe mencionar que nenhuma capital elegeu uma mulher em primeiro turno.
Em relação à raça, as mulheres negras seguem sendo ainda mais subrepresentadas. Enquanto 57% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são homens cis brancos, apenas 4% são mulheres cis negras, sendo 9% mulheres cis brancas. Também houve uma redução do número de pessoas transexuais e travestis eleitas para o cargo de vereadora, caindo de 30 para 27 em 2024. Mas, destaca-se que quase metade (12) foram eleitas como as vereadoras mais votadas em diferentes cidades do Brasil, indicando a atratividade e competitividade dessas candidaturas.
Vale destacar ainda que Roraima foi o estado que mais aumentou a representação feminina nos Executivos locais. Das 15 prefeituras em jogo, quatro foram conquistadas por mulheres, o que representa 26,67% do total. Já o Espírito Santo teve o menor número de eleitas: apenas duas prefeitas em 76 cidades com resultado já definido. Isso corresponde a 2,63% do total.
Fonte: Elaboração Própria dados TSE
Eleitas: análise do cenário partidário
Como mencionado anteriormente, um dos achados das eleições de 2024 é o aumento de mulheres eleitas. No entanto, é importante olhar para esse cenário a partir dos partidos políticos. Entre as 717 prefeitas eleitas, a maioria é associada a partidos de centro e direita. Dados mostram que 4 em cada 5 mulheres eleitas pertencem a partidos desses campos.
51% das prefeitas eleitas são de partidos de centro, como MDB, PSD e PP. Já no que tange os partidos de direita, esse percentual alcança 33% das prefeitas em agremiações como PL e Republicanos. Por fim, apenas 15% das novas prefeitas são de partidos de esquerda, como o PT e PSB.
No caso das vereadoras, a situação é semelhante. Das 10.644 mulheres eleitas para as câmaras municipais, 46% são de partidos de direita, como o PL e Republicanos e 34% pertencem a partidos de centro, como o MDB e PP. Por outro lado, os partidos de esquerda possuem 20% das eleitas. Essa divisão reflete o fortalecimento do espectro político de centro e direita nas eleições locais, um fenômeno que tem sido observado nas últimas eleições gerais e que se repetiu nas disputas municipais de 2024. Esta tendência tem sido interpretada pelos cientistas políticos como a nacionalização dos pleitos locais. Dessa forma, legendas como MDB, PP, PSD e União Brasil, foram as que mais elegeram mulheres para cargos executivos e legislativos.
Fonte: Elaboração Própria dados TSE
Esses números reforçam a tendência já observada de as candidaturas femininas serem mais competitivas em partidos do Centrão e da direita, reforçando a tese da nacionalização das eleições municipais, segundo a qual a dinâmica política e eleitoral local estaria fortemente atrelada às lideranças e questões nacionais.
Fatores que influenciam a eleição de mulheres
Diversos fatores contribuem para o cenário de desigualdade de gênero nas eleições municipais. Entre eles, destaca-se a organização intrapartidária e a violência política contra as mulheres. A maioria dos partidos brasileiros não prioriza a inclusão de mulheres em suas candidaturas principais. Muitas mulheres são candidatas apenas para o preenchimento da cota, sem receberem o devido apoio para uma campanha competitiva. Nesse pleito, também se destacou o fato de mais de 700 municípios brasileiros descumprirem as cotas de gênero. Esse descumprimento da legislação sinaliza a necessidade de maior fiscalização e punições rigorosas.
No que concerne à violência política contra as mulheres, um desafio emergente que vem sendo estudado, que se caracteriza por ameaças, assédio e outras formas de intimidação direcionadas a mulheres que ocupam os cargos públicos, foram notificados vários casos durante a campanha. Dias antes do primeiro turno, Tainá de Paula (PT), candidata à vereadora no município do Rio de Janeiro, teve seu carro alvejado por dois tiros, mais especificamente na porta ao lado em que estava sentada. O atentado não teve consequências graves, pois a legisladora já fazia uso de carro blindado em uma tentativa de se proteger, visto que já tinha sofrido violências anteriores. Em Maceió, a também candidata a vereadora, Júlia Nunes (UNIÃO), teve uma amiga baleada em uma carreata que fazia parte de sua agenda de campanha. Esses ataques vão além de ofensas e agressões individuais, eles visam tornar o ambiente político hostil e transmitir às mulheres o recado de que não há espaço para elas.
Conclusão
As eleições municipais de 2024 representaram um passo importante na luta por mais mulheres na política, mas o caminho para a paridade de gênero ainda é longo. Embora haja um crescimento no número de prefeitas e vereadoras eleitas, a representatividade feminina continua muito aquém da necessária para garantir uma democracia inclusiva. Ademais, a predominância de partidos de centro e direita na eleição de mulheres coloca ainda mais desafios para a representação substantiva feminina, visto que muitas dessas candidatas assumem uma postura de negação do movimento feminista e do próprio gênero.
Para que a presença das mulheres no poder seja consolidada, é fundamental que as cotas de gênero sejam cumpridas, que os partidos ofereçam apoio real às suas candidatas, e que a sociedade continue a pressionar por mais mulheres em posições de liderança.
Brenda Barreto é Mestre em Ciências Sociais pela UFJF e Doutoranda em Ciência Política pela UnB. brendabarreto6@gmail.com.
Gabrielle Marques é Mestre em Ciências Sociais pela UFJF e Doutoranda em Ciência Política pela UFMG. marques.gaabrielle@gmail.com
Excelente artigo! Parabéns!