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Prefeitos Sem Controle - Dimensões Verticais e Horizontais da Autonomia Local em Municípios da América Latina

NEPOL UFJF

Tomáš Došek

Kent Eaton 


Tradução:Gustavo Gabaldo





Durante muito tempo, ao falarmos sobre democracia, nossa atenção estava voltada apenas ao nível nacional: um país era considerado democrático (ou não) com base na qualidade de suas instituições nacionais e na realização de eleições livres e justas para cargos nacionais. Contudo, essa ênfase no nível nacional e a desconsideração dos governos locais têm um custo, pois ignora muitas das formas a partir das quais as pessoas vivenciam a presença ou a ausência da democracia. Em resposta, acadêmicos começaram a investigar diretamente os níveis locais de governo – sem ignorar a importância do nível nacional, mas reconhecendo a relevância dos âmbitos locais. Uma importante descoberta desse “giro subnacional” na literatura é que alguns países possuem democracias robustas em termos de seus governos nacionais, mas seus governos locais nem sempre podem ser descritos como plenamente democráticos. O oposto também ocorre: há países considerados autoritários no nível nacional, mas que apresentam reivindicações democráticas significativas em governos locais.


Nosso artigo contribui para essa literatura ao estudar prefeitos em uma região do mundo – a América Latina – que, nas últimas décadas, ganharam amplo destaque como atores políticos. Isso ocorreu principalmente devido às tendências à descentralização, que transferiu maior poder, autoridade e responsabilidade aos governos locais. Em várias cidades da região, podemos observar prefeitos que usaram sua autoridade para realizar feitos importantes, como abrir o orçamento para novas formas de participação e oferecer serviços alinhados às prioridades locais. Contudo, neste artigo, enfatizamos o outro lado desse processo: prefeitos que governam utilizando práticas políticas informais que podem ser caracterizadas como antidemocráticas.


Nosso argumento central é que, quando prefeitos desejam se manter indefinidamente no poder, cooptar a oposição ou manipular as regras a seu favor, eles muitas vezes têm mais facilidade para fazê-lo do que outros políticos. O título do nosso trabalho – "Prefeitos sem controle" – reflete a ideia de que é particularmente difícil para políticos nacionais, conselheiros/vereadores ou cidadãos responsabilizarem prefeitos por suas ações enquanto autoridades eleitas. Nosso argumento não é que prefeitos sejam mais poderosos que presidentes em nível nacional ou governadores em nível provincial ou estadual, levando em conta que estes atores geralmente dispõem de muito mais poder que os próprios prefeitos. Em vez disso, argumentamos que prefeitos antidemocráticos desfrutam de maior liberdade institucional e podem ser mais difíceis de serem removidos, o que traz consequências preocupantes para a democracia no nível local.


Por meio de extensas entrevistas realizadas com diversos atores em seis municípios, identificamos algumas das principais razões pelas quais os prefeitos raramente são controlados por opositores potenciais. O fato de que essas seis cidades estão situadas em três países bastante diferentes – Chile, Paraguai e Peru – aumenta nossa confiança nas dinâmicas comuns encontradas entre os casos. No artigo, distinguimos as vantagens verticais (entre níveis) das horizontais (entre os poderes do Estado) que reforçam a autonomia dos prefeitos. Por "autonomia vertical", referimo-nos à ausência de instrumentos institucionais que permitiriam que autoridades de níveis superiores removessem prefeitos que claramente abusam de seu poder. Presidentes na América Latina podem ser removidos por impeachment, e governadores, em alguns países, podem ser (e com frequência o são) afastados por impeachments do governo nacional. A percepção generalizada de que prefeitos são menos importantes – apesar de sua relevância para a experiência democrática – os protege desse tipo de remoção por autoridades superiores.


Ao mesmo tempo, prefeitos frequentemente se beneficiam de várias vantagens dentro de suas localidades que permitem comportamentos autocráticos. Por exemplo, em alguns países, ao partido do prefeito é garantido uma maioria absoluta de cadeiras no conselho/câmara municipal, independentemente do resultado das eleições locais – uma vantagem institucional que nunca vemos no nível nacional. Isso é crucial porque o os conselhos/câmaras são o principal espaço onde os prefeitos poderiam ser confrontados e responsabilizados. Mesmo quando essa garantia não existe, e a maioria dos conselheiros/vereadores não pertence ao partido do prefeito, eles enfrentam uma série de obstáculos estruturais que dificultam o trabalho de fiscalização. Por exemplo, muitos conselheiros não recebem salário e têm outros empregos, e alguns recebem apenas diárias, estas muitas das vezes controladas pelos prefeitos. Além disso, muitos conselheiros/vereadores não participam das operações cotidianas do município, participando apenas uma vez na semana (do atendimento de demandas dos moradores ou) das reuniões do conselho/câmara municipal.


Em adição às vantagens obtidas com o enfraquecimento da fiscalização dos conselheiros/vereadores, prefeitos também se beneficiam de outros déficits, como a ausência de mercados de mídia local e a fragilidade de grupos de vigilância da sociedade civil, que tendem a ser mais robustos no nível nacional.


O que pode ser feito para "controlar" prefeitos e garantir que governem de maneira a fortalecer, em vez de enfraquecer, a democracia? Acreditamos que soluções eficazes precisam abordar as duas dimensões enfatizadas em nosso artigo. Verticalmente, instituições de auditoria no nível nacional deveriam ser fortalecidas em sua autoridade e capacidade para expor abusos locais. Horizontalmente, as maiorias automáticas nos conselhos/câmaras municipais deveriam ser eliminadas para que possam funcionar como mecanismos de controle sobre os prefeitos. Os conselheiros municipais poderiam participar mais ativamente da administração municipal caso seus cargos fossem em regime de tempo integral e remunerados com salários independentes da vontade do prefeito. Por fim, organizações locais da sociedade civil deveriam ser fortalecidas, incentivadas e apoiadas, inclusive por atores nacionais, sejam eles governamentais ou não governamentais.



 

Tomáš Došek é doutor em Ciência Política pela PUC-Chile e professor associado do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Peru. E-mail: tdosek@pucp.pe


Kent Eaton é Ph.D. em Ciência Política pela Yale University e professor da UC Santa Cruz, EUA. E-mail: keaton@ucsc.edu

 

O post original foi publicado em inglês no Urban Affairs Forum.


Os autores agradecem pelo convite para publicar o texto em português no Blog do NEPOL e a Gustavo Gabaldo pela tradução para o português.

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