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Prefeitos como alvos do impeachment

Bruno Martins Pessoa


A relação entre o Executivo e Legislativo tem sido o foco de atenção de analistas pelo seu papel central nos rumos da política, especialmente no Brasil, a partir da redemocratização. Nos sistemas de governo presidencialistas, em que há a separação e independência dos poderes, quando presidente e Congresso cooperam, encontramos o sistema político em pleno funcionamento, com a implementação de políticas públicas e uma agenda positiva. Porém, na ausência de cooperação, vemos o conflito entre poderes capaz de gerar uma crise que, em casos extremos, pode resultar no impeachment do chefe do Executivo.


O impeachment é um processo político cujo objetivo é afastar do cargo o presidente quando este comete algum crime de responsabilidade. O processo que vai desde a abertura da denúncia contra o mandatário, até as investigações e julgamento final é de responsabilidade inteira e total da Câmara dos Deputados e do Senado, ou seja, do poder Legislativo Federal. Somente quando as duas casas concordam o presidente é afastado do cargo.


Nas últimas três décadas, o Brasil vivenciou dois processos de impeachment de seus presidentes democraticamente eleitos, o de Fernando Collor (1992) e o de Dilma Rousseff (2016). A presidência representa o cargo mais prestigiado e cobiçado no presidencialismo e, dessa forma, é natural que os olhares se voltem para os casos em que o mandato do chefe do Executivo nacional é interrompido prematuramente. Contudo, em sistemas federalistas, em que há outras esferas de governo, como a estadual e municipal, o presidente não é o único chefe do Executivo presente na arena política. Quando olhamos para os municípios brasileiros, percebemos que a situação dos prefeitos é muito semelhante à do presidente no que diz respeito à ameaça de cassação do mandato.


O município brasileiro


Antes de falarmos sobre a ameaça do impeachment deprefeitos, precisamos entender a importância do município e por que ele é objeto de disputa. A Constituição Federal brasileira de 1988 (CF/88) trouxe inovações ao ampliar a autonomia dos municípios nos aspectos político, administrativo e financeiro. Esse novo arranjo fez com que a municipalidade adquirisse mais obrigações, aumentando a importância da gestão municipal na vida dos cidadãos, gerando um aumento no volume de encargos em relação a políticas sociais e ações de desenvolvimento econômico local, ganhando destaque na produção de políticas públicas, especialmente nas áreas de serviços básicos de saúde, educação, infraestrutura urbana, habitação, saneamento básico e coleta de lixo.


Por conta desse aumento de protagonismo, governar um município passou a ser cobiçado e alvo de intensa disputa pelos grupos políticos locais, organizados em partidos políticos. Tal qual o presidente, o prefeito é o líder da política municipal e parte da engrenagem da política estadual. Além disso, ele detém a primazia de formular e gerenciar o orçamento municipal, que conta com receitas próprias e um montante considerável de recursos provenientes de transferências intergovernamentais, como por exemplo o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundeb.


Para garantir o funcionamento do governo municipal, a CF/88 deu ao município uma organização política à imagem e semelhança do ente federal, isto é com a separação dos poderes. O Executivo é chefiado pelo prefeito e o Legislativo, unicameral, é exercido pela Câmara Municipal, composta pelos vereadores. Ambos são escolhidos na mesma eleição direta, de forma separada e independente, sendo o prefeito eleito pelo sistema majoritário e os vereadores pelo sistema proporcional. A separação e independência do voto para prefeito e vereador significa que o eleitor pode escolher livremente um candidato ao Executivo de um partido X e votar em um vereador de um partido Y, que pode ser até mesmo de oposição ao do candidato a prefeito.


Nesse cenário, é extremamente raro que o partido do prefeito controle a maioria das cadeiras da Câmara Municipal. Por isso, para implementar sua agenda de governo, o chefe do Executivo vai precisar do apoio dos vereadores, o que exige fazer alianças com parlamentares de outros partidos, acomodando assim preferências políticas distintas. Ao contrário do que se pensava antes, a construção desses apoios entre Executivo e Legislativo não é algo trivial e simples. Estudo de Rocha (2021), em que a pesquisadora aplica um survey com 422 vereadores do estado de Minas Gerais, eleitos em 2012, apresenta evidências de que a adesão ao governo municipal é menos disseminada do que era apontado na literatura especializada, existindo oposição efetiva aos prefeitos.

Isso significa que os vereadores levam a sério a tarefa de fiscalizar o Executivo e um dos principais mecanismos para exercer essa fiscalização foi atribuído exclusivamente para a Câmara Municipal, qual seja, a competência para processar e julgar o prefeito nas infrações político-administrativas, mais conhecidas como crimes de responsabilidade. De forma mais clara, estamos aqui falando da competência e poder que os vereadores têm para abrir e analisar processos de impeachment contra prefeitos.


Impeachment de prefeitos


Os crimes de responsabilidade são aqueles praticados por pessoas que ocupam determinados cargos públicos, como Presidente da República, governadores de estados e prefeitos. Aquele que é condenado por esse tipo de infração, não recebe sanções penais, mas sim sanções político-administrativas, como a perda do cargo e impedimento para o exercício da função pública. Por terem uma natureza política, foram atribuídos para serem julgados pelos representantes do povo, ou seja, os membros do Legislativo. 


O rito para o impeachment do prefeito no Brasil é regulado por lei federal própria, o Decreto-Lei nº 201/1967. Grosso modo, quando uma denúncia contra o chefe do Executivo municipal é enviada à Câmara, os vereadores devem votar se aceitam a denúncia e, uma vez aceita, o presidente do Legislativo municipal irá instaurar uma Comissão Processante, formada por três parlamentares sorteados, para investigar os fatos. Ao final, o parecer da comissão recomendará o arquivamento ou a cassação do mandato do prefeito e será submetido ao plenário da Câmara. Assim como no impeachment do presidente, o prefeito será cassado se 2/3 do total de vereadores da Casa votarem por sua condenação. Todo esse trâmite deve ser concluído em até 90 dias a partir da abertura.


Apesar da descrição acima, devemos ter em mente que se trata de um processo essencialmente político. Quem julga o prefeito são agentes políticos, ligados a partidos muitas vezes em oposição ao partido do prefeito. Como não há interferência judicial quanto ao mérito da decisão, não devemos esperar que os vereadores se dispam de seus interesses político-partidários no momento de julgar o prefeito.


Para mostrarmos a recorrência desse fenômeno no nível municipal, ilustremos com os casos dos municípios paulistas. O estado de São Paulo tem 645 municípios e, entre 1993 e 2020, ou seja, 7 legislaturas, encontramos 315 processos de impeachment abertos e, desse total, 155 prefeitos (49,2%) tiveram seus mandatos cassados pela Câmara Municipal. A figura 1 mostra o número de casos de abertura de processo de impeachment e remoção de prefeitos nos municípios paulistas por ano no período destacado.


Figura 1. Número de casos de processo de impeachment e cassação por ano no estado de São Paulo




Para aumentar suas chances de permanecer no cargo e resistir a acusações e pressões por sua saída, o prefeito precisa contar com o apoio de aliados leais dispostos a protegê-lo e garantir sua sobrevivência. A Ciência Política convencionou chamar esse apoio de escudo legislativo, termo cunhado por Pérez-Liñán (2007), e que é o produto das alianças forjadas pelo prefeito desde o primeiro dia de governo. O resultado da votação do processo de impeachment, portanto, é diretamente influenciado por fatores políticos, como o tamanho da coalizão do prefeito na Câmara, a proximidade de novas eleições e o tipo de relacionamento estabelecido entre o chefe do Executivo e os vereadores – se cooperativo ou conflituoso. Esses fatores afetam a disposição (ou a falta de) de proteger ou abandonar o prefeito no momento de definir seu destino político.


Em análise dos casos do estado de São Paulo, os prefeitos que enfrentaram processo de impeachment e foram removidos tiveram que lidar com um Legislativo hostil, com mais opositores que aliados e com o calendário eleitoral se avistando no horizonte político. Portanto, o chefe do Executivo municipal deve ter em mente que construir alianças políticas sólidas e majoritárias vai muito além de viabilizar a implementação de uma agenda política, caso deseje cumprir integralmente o mandato para o qual foi eleito.



 

Bruno Martins Pessoa é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. 

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