João Paulo S. L. Viana
Vinícius Raduan Miguel
Departamento de Ciências Sociais
Universidade Federal de Rondônia
Escrever sobre eventos inacabados é um desafio à imaginação sociológica. Os exercícios de predição e projeção de cenários implicam em apostas que podem custar um alto preço. O ponto inaugural é reconhecer que estamos diante de um acontecimento sem paralelos. Assim, faz-se necessária uma breve reflexão acerca da escala internacional e da disputa intergovernamental, especificamente no tocante à paradiplomacia e aos conflitos federativos. Merece alguma ponderação a dimensão da paradiplomacia subnacional no combate à doença do coronavírus (Covid-19). A participação de entidades subnacionais (estados e municípios) sempre foi um aspecto observado com peculiar curiosidade pelo Direito Constitucional e pelas Relações Internacionais.
A possibilidade de estados e municípios se constituírem enquanto players do jogo internacional em um modelo federativo, em concorrência (ou cooperação) com a União sempre foi um tema profícuo. No caso apresentado a disputa interfederativa é uma realidade; governadores tem lançado do expediente aqui mencionado, da paradiplomacia, para acessar diretamente a República Popular da China em busca de cooperação técnica e insumos para o enfrentamento da pandemia. A ausência de uniformidade discursiva no nível nacional vem levando governadores a assumirem o protagonismo e, a seu modo, articularem outras formas de associação para enfrentar a pandemia.
É evidenciado, diuturnamente, o enfrentamento aberto, com críticas e mesmo ofensas abertas, notadamente contra João Dória (SP) e Wilson Witzel (RJ), governadores dos estados mais impactados pela pestilência contemporânea. A tensão aqui descrita, mais a militarização do controle epidêmico, como já ocorrido na Libéria (com o Ebola) ou no Iraque (com a Cólera), assinalam circunstâncias assombrosas para os regimes democráticos.
Em meio a essa conjuntura, a Covid-19 chegou à região Norte do País no último mês de março. Em Rondônia, a partir do dia 14 de março os casos suspeitos começaram a ser registrados, em boletins diários, pela Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa) e pela pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) (CAVALCANTE, 2020)2. O primeiro caso confirmado de coronavírus foi anunciado publicamente no dia 19 de março, pela Sesau. O infectado era um indivíduo residente em São Paulo, que esteva a trabalho na cidade de Ji-Paraná, segundo maior município do estado, situada no eixo da BR-364, rodovia que liga o território rondoniense desde a divisa com o Acre ao resto do país.
Na capital, Porto Velho, o primeiro caso de Covid-19 confirmado pelas autoridades foi no dia 20 de março. Município com aproximadamente 500 mil habitantes, Porto Velho apresenta déficits estruturais históricos. A cidade é governada pelo tucano Hildon Chaves, ex-promotor de justiça e empresário do ramo do ensino superior. Eleito em 2016, Chaves exerce seu primeiro mandato. Atualmente, alguns dos mais graves problemas da cidade estão relacionados ao transporte público, saneamento básico, violência, infraestrutura urbana e espaços para realização de atividades de lazer e convívio social. O índice de desenvolvimento humano da capital rondoniense é de 0,736, considerado relativamente alto.
No dia 14 de fevereiro do corrente ano, quando o estado havia descartado os únicos dois casos até então suspeitos de Covid-19, a prefeitura de Porto Velho divulgou documento oficial sobre as ações de enfrentamento a possíveis casos suspeitos no munícipio. Na ocasião, ao informar sobre sua participação em reunião no ministério da saúde e alertar que o Brasil e o mundo encontravam-se em estado de emergência, por isso a necessidade de se proteger, a secretária de saúde, Eliana Pasini, afirmava que a autoridade municipal estava “tomando providências de orientação profissional, de insumos que temos que ter, para estarmos preparados se caso a doença chegar aqui. É importante orientar a população de cuidados básicos como qualquer doença respiratória e orientar os profissionais também”. Por fim, alertava Pasini que “as ações são contínuas, porque nós temos outras doenças que também são perigosas, todo trabalho é contínuo”.
Diante do aumento dos casos da pandemia no Brasil, a situação de estado de emergência em Porto Velho foi decretada no dia 18 de março pelo prefeito Hildon Chaves (PSDB). Conforme o decreto do prefeito, deveriam ser cumpridas medidas de prevenção ao contágio e enfrentamento ao coronavírus, tanto em órgãos públicos, como pela população em geral. Na ocasião, o prefeito enfatizava que a situação demandava “medidas urgentes de prevenção, controle e contenção de riscos, a fim de evitar a disseminação da doença no município”. O decreto suspendia por 15 dias as aulas nas escolas públicas e privadas, proibia eventos religiosos, esportivos, acadêmicos, etc., e ordenava o fechamento do comércio, exceto os de atividades essenciais.
O decreto municipal publicado no dia 18 de março 3, ao seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de especialistas da área sanitária, evidenciava a aquiescência do prefeito ao isolamento horizontal. Posteriormente, no dia 23 de março, a prefeitura decretou estado de calamidade pública em Porto Velho, aprovado pela Câmara de Vereadores4 . Importante mencionar que após pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, no dia 24 de março, o prefeito argumentou, na contramão do executivo nacional, que respeitava a posição do presidente, mas mantinha as medidas de isolamento e que a prefeitura seguiria a mesma linha adotada anteriormente. Vale ressaltar que o governo estadual tentou seguir as determinações da presidência, o que foi posteriormente contestado judicialmente. Assim, claramente, a posição do prefeito de Porto Velho naquele momento foi contrária às medidas defendidas pelo presidente e pelo governador do estado.
Entretanto, a inexistência de um pronto socorro municipal específico ao combate da pandemia, tendo em vista que há apenas um na área de obstetrícia, impede uma ação efetiva à Covid-19. A saúde do município de Porto Velho conta apenas com postos de saúde e unidades de pronto atendimento (UPAs). Nesse contexto, não há leitos disponíveis para pacientes diagnosticados com coronavírus. Assim, fundamentalmente, a função da saúde municipal será de examinar o paciente e no caso de diagnósticos de síndrome gripal, casos de gripes moderados ou graves encaminhá-los à rede pública estadual de saúde. Ressalta-se que a prefeitura criou um call center para auxiliar a população no surgimento de dúvidas sobre como agir, inicialmente, nos casos de aparecimento de sintomas.
Em consulta realizada pelos autores ao Dr. Sergio Basano, médico infectologista do Centro de Medicina Tropical de Rondônia (Cemetron) e referência regional na área, o pesquisador ressaltou que o sistema de saúde é regulado, ou seja, cada município atende até uma magnitude de gravidade de casos. Assim, os casos do interior de Rondônia suspeitos de coronavírus diagnosticados como moderados ou graves serão encaminhados à capital. Segundo Basano há possibilidade de ocorrer, em um cenário de expansão dos casos infectados, um afluxo grande de pacientes que necessitam de cuidados especiais (algo em torno de 5% de casos requerem respiradores para entubação dos pacientes). Portanto, conforme o pesquisador, deve-se verificar qual a capacidade instalada no interior do estado destes equipamentos, tanto na rede privada, como na rede pública, e se os hospitais, além de estarem equipados, apresentam as condições para internar esses pacientes, pois muitos desses hospitais alegaram que apesar de possuírem vagas em UTI, estas não contemplam setores de isolamento.
Desse modo, tendo em vista que a capital não tem como receber essa demanda, receia-se que muitos pacientes com síndrome respiratória que não consista em coronavírus, sejam direcionados ao Cemetron. Nesse caso, a capital além de não ter condições de atender à demanda interna, poderá receber pacientes do interior e terá que encaminhar à rede estadual. Essa é uma preocupação iminente dos especialistas, pois as unidades de saúde do interior não tem como manter o paciente diagnosticado como moderado ou grave até que seja divulgado o resultado do exame da Covid-19.
Diante desta realidade, e na contramão das determinações da OMS e do Ministério da Saúde, na última semana foram realizadas carreatas pelo interior do estado e na capital em defesa da reabertura do comércio e do retorno às atividade econômicas. Motivados pelo discurso presidencial e pelo apoio do governo estadual ao presidente, centenas de indivíduos se manifestaram favoráveis à adoção de uma política de isolamento vertical. Certamente, essas manifestações são impulsionadas pela divulgação dos dados do governo estadual que até essa segunda-feira, dia 06 de abril, apontavam para apenas 18 casos de coronavírus no estado. Em Porto Velho esse número é de 14 casos, com um único óbito registrado até o momento no estado 5 . Importante mencionar a dificuldade mundial na realização dos testes, o que indica que o número de contaminados pode ser bem superior aos dados oficiais.
Em 5 de abril, o governo estadual flexibilizou a quarentena, ampliando o número de serviços aptos ao retorno à normalidade. Ademais, o decreto estadual expandiu a competência dos gestores municipais para decidir sobre o funcionamento das atividades em cada município do estado. Certamente, em Rondônia, há uma aposta por parte das autoridades estaduais de que a Covid-19 não resiste muito tempo ao clima quente e úmido. Atualmente, essa parece ser a única esperança da população rondoniense no combate a essa nefasta pandemia.
Acompanhe a série de artigos do Nepol
1Os autores agradecem aos pesquisadores Marta Mendes da Rocha, Luciana Santana, Matheus Fassini e Sergio Basano, pela colaboração.
2Maria Madalena de Aguiar Cavalcante. A Globalização Perversa da Covid19: o exemplo de Rondônia. Boletim especial Anpocs: Cientistas sociais e o coronavírus. nº 09. 31 de março de 2020.
3Para maiores detalhes sobre o decreto municipal de estado de emergência, do dia 18 de março ver: https://www.portovelho.ro.gov.br/artigo/27924/coronavirus-prefeito-hildon-chaves-decreta-situacao-de-emergencia-por-180-dias-em-porto-velho
4Para maiores detalhes sobre o decreto de municipal de calamidade pública, do dia 23 de março ver: https://cdn1.rondoniagora.com/uploads/noticias/2020/03/23/5e78c16e29f53.pdf
5Para maiores detalhes ver G1RO. Disponível em: https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2020/04/06/rondonia-confirma-mais-4-casos-de-covid-19-e-total-vai-a-18.ghtml
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