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NEPOL UFJF

Porto Alegre na mira da COVID-19: estratégias locais de enfrentamento e mitigação da pandemia

Marcos Castro Carvalho 1

Everson Fernandes Pereira 2

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

Universidade Federal do Rio Grande do Sul


O município de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, possui uma população de 1.479.101 habitantes, em uma extensão territorial de 496, 682 km², e IDH de 0,805. Desde 2017 é administrado por Nelson Marchezan Junior (PSDB). O primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em 11 de março, e foi o 35º notificado no país – uma mulher de 54 anos, residente na capital gaúcha, que havia chegado da Itália cinco dias antes. Na ocasião, em coletiva de imprensa, o prefeito logo manifestou-se: “O primeiro caso registrado na capital seguiu todos os procedimentos corretos. A paciente procurou seu médico, que notificou a vigilância sanitária, que por sua vez fez a coleta domiciliar da amostra, sem permitir que ela ficasse circulando de um sistema a outro”3 . Em 16 de março, Marchezan decreta4 suspensão das atividades de ensino de estabelecimentos públicos e privados – no ensino superior desde a publicação do decreto até 12 de abril e, no ensino médio e fundamental, de 18 de março até 12 de abril. O decreto manteve a alimentação escolar em toda a rede municipal durante o período, sendo que os estabelecimentos de ensino infantil mantiveram funcionamento, porém com a recomendação de que pais e responsáveis mantivessem as crianças em suas residências abstendo-se de as encaminharem para as instituições de ensino. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que já havia suspendido eventos extracurriculares, optou também por suspender as aulas até 5 de abril – tendo agora, decidido pela prorrogação da suspensão até o final deste mês.

Ainda em 16 de março, foi lançado um segundo decreto instituindo o trabalho a partir de casa para funcionários públicos municipais maiores de sessenta anos, e as primeiras medidas de enfrentamento ao coronavírus nos órgãos e entidades municipais, como higienização de locais e disponibilização de álcool em gel. No mesmo dia, o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre lançou uma nota alertando os varejistas sobre a gravidade e urgência da situação e orientando o comércio a adotar medidas preventivas para reduzir transmissão do coronavírus. A nota pedia aos comerciantes que evitassem pânico e listava uma série de recomendações de prevenção a serem seguidas por tempo indeterminado5 .

No dia seguinte, um novo decreto complementar incluiu também a suspensão das aulas em escolas infantis e outros institutos de ensino (cursos de idiomas, esporte, arte, etc). Ainda em 17/03, outro decreto estabelece medidas a serem adotadas pelo transporte de passageiros público e privado, individual e coletivo, como higienização e ventilação, etiqueta respiratória e proíbe a atuação de funcionários incluídos em grupos de riscos. Neste dia, é também decretada situação de emergência no município, estipulando medidas para os estabelecimentos comerciais tais como restaurantes, bares, casas noturnas, academias e outros. Além disso, limita o acesso de pessoas a velórios e afins a trinta por cento da capacidade máxima estipulada. Um terceiro decreto do dia 17 estabelece medidas para os estabelecimentos como shoppings centers e centros comerciais, autorizando abertura somente de farmácias, clínicas de atendimento na área da saúde, supermercados, restaurantes e locais de alimentação nestes estabelecimentos, desde que mantidos procedimentos de segurança sanitária. O decreto também previa penalidades para os estabelecimentos que não cumprissem com as normativas em questão. Em 20/03, é revogada a concessão de férias e de licença-prêmio aos servidores que atuavam na Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Segurança e no Departamento Municipal de Água e Esgoto.

Em 20 de março, são estabelecidas medidas para o funcionamento de serviços de transporte de passageiros, urbano ou metropolitano, coletivo ou individual, público ou privado, com regras mais restritivas que o Decreto nº 20.503. Citam-se redução das viagens do transporte coletivo, a impossibilidade de exceder a capacidade máxima de passageiros sentados, a proibição do uso do cartão TRI para idosos em horários de pico, e a permissão do TRI para estudantes no horário de almoço. No mesmo dia, outro decreto veda o aumento injustificado de preço de qualquer serviço ou produto durante o período de situação de emergência ou calamidade pública e, em caso de descumprimento, a aplicação de penalidades.

Dois dias depois, mais um decreto é lançado determinando a situação de “distanciamento social” de pessoas com mais de 60 anos, permitido o deslocamento somente para atividades estritamente necessárias como atendimento médico e hospitalar, exames laboratoriais, vacinação, aquisições em comércio de produtos alimentícios e em farmácias – ficando expressa a proibição de pessoas dessa faixa etária em praças e parques da cidade. Este decreto também estabelecia a aplicação de multa em casos de descumprimento.

No dia 25, um dia após o pronunciamento de Jair Bolsonaro – no qual o presidente se manifestou contrário às ações estaduais de isolamento social e defendeu a “volta à normalidade” –, o secretário municipal de saúde, Pablo Stummer, se manifestou6 : “Não vamos tomar nenhuma medida de flexibilização. O prefeito sempre fala que o remédio não pode se tornar um veneno. Quando a gente tiver sinal de recuperação da doença, a gente pode pensar em reduzir o remédio. Mas de forma alguma isso é uma realidade, pelo menos para a próxima semana.”

Em 27/03 aconteceu uma carreata encabeçada por setores do empresariado local, contrário às iniciativas do governo do estado e da prefeitura e pedindo a reabertura do comércio. No último dia do mês, Marchezan decretou estado de calamidade no Município de Porto Alegre para o enfrentamento da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19). Neste decreto é estabelecida a constituição de um Grupo Especial para combate e mitigação da epidemia, com representação de todas as secretarias e departamentos da administração municipal e representantes da sociedade civil. Apesar do pronunciamento anterior do secretário de saúde, este último decreto revoga alguns dos artigos de vários decretos anteriores, permitindo a reabertura de determinados serviços – o que representou, na prática, certa flexibilização decorrente da pressão de parte da população. Não obstante, o prefeito tem demonstrado solidariedade às vítimas, esclarecendo a necessidade de estratégias de mitigação, a ausência de tratamentos definitivos, e a provável durabilidade do problema ao longo do ano.Atualmente, Porto Alegre possui 311 casos confirmados e 6 mortes decorrentes da pandemia. O município possui 525 leitos em Unidade de Terapia Intensiva para adultos, distribuídos por 16 hospitais, e 105 pediátricos em 8 unidades de saúde. Segundo os dados em 11/04/2020, desse total, 72.76% dos leitos para adultos se encontravam ocupados, enquanto os leitos pediátricos contavam com 56.19% de sua capacidade ocupada. Dos leitos ocupados em U.T.I., são 40 internações adultas confirmadas com COVID-19 e outras 22 são de casos suspeitos. Das internações pediátricas, há 1 caso confirmado da doença e 1 caso suspeito7. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, começou a montar no dia 24/03 uma nova ala da CTI que contará com 105 novos leitos. O novo prédio foi entregue dia 03/04, porém com apenas dez novos leitos disponíveis inicialmente8. Em entrevista dada à rede televisiva SBT no dia 06/04, Marchezan afirma: “Este é um momento que ele não acaba em um mês, em dois meses. O vírus vai continuar entre nós”. No dia seguinte, o prefeito reuniu-se com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em um encontro no qual afirmaram estar “alinhando”, entre estado e capital, medidas de enfrentamento ao coronavírus.


Acompanhe a série de artigos do Nepol


1 Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

2 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

4 Todos os decretos publicados aqui mencionados encontram-se disponíveis no site da prefeitura de Porto Alegre. Ver: https://prefeitura.poa.br/coronavirus

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