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NEPOL UFJF

O que propõem os vereadores da ultradireita?



Neste post apresentamos resultados preliminares da pesquisa "Entre o nacional e o local: a radicalização da direita nos municípios brasileiros", cujo objetivo é investigar a trajetória, o perfil e as formas de atuação de políticos locais que buscam se afirmar como porta-vozes dos valores e pautas da ultradireita nos municípios brasileiros. Nos valemos de uma abordagem qualitativa centrada em 11 vereadores e quatro prefeitos alinhados à ultradireita, eleitos em 2016 e/ou 2020. São políticos locais de diferentes estados e regiões do país e de diferentes perfis (forças de segurança, religiosos, ativistas de direita). Ao longo de um ano recolhemos informações biográficas sobre esses sujeitos, investigamos sua trajetória pessoal e profissional, seus vínculos com outros políticos e seu posicionamento em relação a temas centrais para a ultradireita.

 

Também investigamos os Projetos de Lei (PLs) apresentados pelos vereadores da amostra. A base de dados inclui projetos apresentados por eles entre 1º de janeiro de 2017 e abril de 2024. Ela incorpora projetos individuais (que representam a maioria) e projetos de autoria coletiva dos quais o(a) vereador participou. Os dados foram coletados nos portais das câmaras municipais, inserindo-se o nome do(a) vereador(a) e o período. Além do número e da data de apresentação do PL, incluímos as ementas, links para a íntegra dos PLs, situação do PL no momento da pesquisa, área temática e se poderia ser considerado um projeto relevante para a ultradireita. Consideramos como PLs relevantes para a ultradireita aqueles que versavam sobre temáticas que a literatura indica serem centrais para esse segmento.

 

Perguntas de partida e Hipóteses

 

Neste post, versão resumida de um artigo em desenvolvimento, partimos de duas questões centrais. Se os vereadores, na maioria das vezes, não conseguem transformar suas iniciativas em leis devido aos altos custos de aprovação de um Projeto de Lei, por que vereadores da ultradireita se dedicam a essa atividade? Segundo, considerando a natureza das demandas e problemas que caracterizam a política local, especialmente nos pequenos e médios municípios, os vereadores e vereadoras podem dedicar a maior parte de seu tempo e recursos focando sua atuação legislativa na promoção de sua pauta ideológica?

 

Para responder a essas questões elencamos duas hipóteses principais: primeiro, de que os vereadores se diferenciam na importância atribuída aos PLs e que estes são mobilizados como forma de marcar posição perante seu eleitorado. O mais importante não é aprovar ou não o PL, mas sinalizar para suas bases eleitorais que se está trabalhando em prol de seus valores e pautas. Neste sentido, os vereadores da ultradireita não se diferenciariam da maioria de seus pares. Também argumentamos que os vereadores e vereadoras da ultradireita não se dedicam principal ou integralmente à defesa de suas pautas ideológicas; eles precisam contemplar temas e questões relevantes para a população local e que se encontram dentro do arco de competências e responsabilidades dos municípios.

 

Resultados preliminares

 

Entre 1º de janeiro de 2017 a abril de 2024, os vereadores de nossa amostra - 10 vereadores de oito municípios brasileiros - apresentaram 643 Projetos de Lei. A média de apresentação de projetos por autor é de 64,3. Seis vereadores apresentaram menos de 5% do total dos projetos cada um. Já a vereadora Michele Collins (PP, Recife), sozinha, foi responsável por quase a metade, seguida por Fernando Holiday (PL, São Paulo), autor de um quarto do total de PLs. Depois de Holiday, Inspetor Alberto (PL, Fortaleza) e Sonaira Fernandes (PL, São Paulo) foram os que mais apresentaram projetos.

 

Optamos por uma classificação inicial o mais desagregada possível, que resultou em 53 categorias. As mais frequentes foram, na ordem: saúde, educação, acessibilidade, fiscalização, meio ambiente, infância e adolescência. Em seguida aparecem as temáticas tradicionalmente associadas aos municípios e à atuação dos vereadores que somaram 88 PLs (13,7% do total). Elas versavam sobre planejamento urbano e uso do solo, transporte, trânsito, identificação e sinalização, patrimônio, zeladoria urbana, lazer, limpeza urbana, esporte e cultura.

 

A maioria dos PLs não foi transformada em norma jurídica. 36,4% chegaram a ser discutidos nas comissões ou no plenário. Entre os que foram discutidos e apreciados no plenário, 71,8% foram transformados em norma jurídica, o que indica que as principais barreiras se encontram no início do processo de tramitação.

 

Pautas relevantes para a ultradireita

 

Do total de 643 PLs apresentados pelos 10 vereadores da amostra, 238 (37%) se referiam a pautas relevantes para a ultradireita. Destes, 64 (26,9%) não são temáticas exclusivas do segmento e sua abordagem foi bastante semelhante à observada entre políticos de outras inclinações ideológicas, incluindo a esquerda. 14 PLs versavam sobre medidas relacionadas à Covid, mas que não expressavam as posições negacionistas de Bolsonaro e da ultradireita.

 

 

Pautas típicas e Pautas em disputa

 

Na categoria “Lei e Ordem” incluímos os PLs relacionados à segurança pública e ao armamentismo. Entre os vereadores de nossa amostra foi possível encontrar 26 PLs relacionados ao tema, sendo 19 focados na segurança pública e 7 relacionados às armas. 8 dos 10 vereadores da amostra apresentaram PLs nesta temática. 73% foram propostos por vereadores seguindo uma tendência observada entre a população, onde o tema tem mais adesão de homens. 35% vieram de vereadores do perfil da segurança pública.

 

Na categoria “Defesa da família” agrupamos oito categorias. Os PLs incluídos neste grupo somam 50 (7,8% do total e 21% do total dos temas relevantes para a ultradireita). Entram aqui: aborto (10), drogas (16), defesa da família (2), ideologia de gênero (7), banheiro unissex (3), linguagem neutra (7), pornografia (3), medidas contrárias à comunidade LGBT+ (2). Todas elas, de alguma forma, visam defender um certo tipo de família (heterossexual) e combater os elementos que são vistos como ameaças a ela e se relacionam à diversidade sexual e de gênero e à liberdade sexual das mulheres. 8 dos 10 vereadores da amostra apresentaram PLs nesta temática o que revela sua relevância para diferentes perfis da ultradireita. As mulheres foram responsáveis por 70% dos PLs classificados como defesa da família, com destaque para Michele Collins (PP/Recife) que além de ser a vereadora com maior número de PLs, também foi campeã neste tema.

 

Na categoria “Estado mínimo” agrupamos 26 PLs (4% do total e 10,9% entre os temas relevantes para a ultradireita), versando sobre os temas de defesa da propriedade (2), cotas (3), empreendedorismo (7), parcerias público-privadas (3), desburocratização (3), defesa do livre mercado (2), privatização de serviços públicos (1), meritocracia (1) e impostos e taxas (4). Todas elas, de alguma forma, fazem parte de uma agenda mais ampla de defesa do estado mínimo. No conjunto dos PLs agrupados neste grupo, Fernando Holiday (PL/SP) foi o campeão disparado com 20 propostas (76,9%). Interessante observar que a distribuição por gênero reproduz um padrão observado entre os legisladores de forma geral, com os homens dominando a iniciativa legal na área econômica. Outros temas relevantes foram os relativos à Religião, doutrinação de esquerda, Israel, rejeição da esquerda, homenagem a conservadores e patriotismo.

 

Entre as pautas em disputa destacaram-se a defesa de crianças e adolescentes e o combate à violência contra a mulher, questões que ganharam expressão pública a partir de partidos de esquerda e movimentos progressistas, mas que gradualmente passaram a ser apropriados, disputados e ressignificados pela ultradireita. Em relação a essas temáticas, a abordagem dos vereadores da amostra parece apresentar mais semelhanças do que diferenças em relação aos partidos e lideranças de centro e esquerda. Outras pautas em disputa que também receberam destaque foram o tema da corrupção e da Covid-19.

 

Conclusões preliminares

 

As principais conclusões preliminares da análise são:

 

a) Os vereadores não valorizam igualmente a apresentação de Projetos de Lei.

 

b) A grande maioria dos PLs não é transformada em norma jurídica, o que fortalece a hipótese de que os vereadores se valem deles mais como forma de tomada de posição e sinalização para as bases e menos com o objetivo de realizar mudanças no status quo. Muitos deles ultrapassam as competências dos municípios ou das câmaras municipais.

 

c) Os vereadores da ultradireita não depositam toda sua energia e recursos na defesa de pautas ideológicas, o que corrobora nossa segunda hipótese. Os PLs versando sobre pautas especialmente relevantes para a ultradireita compreendem apenas 37% do total. Outros temas, como saúde, educação, acessibilidade, fiscalização e transparência, meio ambiente e sustentabilidade, sem relação com as pautas ideológicas, receberam mais atenção dos vereadores. Políticas típicas do poder público municipal como planejamento urbano, uso e ocupação do solo, transporte, trânsito, cultura, esporte lazer, também são importantes no conjunto dos PLs analisados.

 

d) Não há uma relação direta ou linear entre o perfil do vereador ou vereadora e a temática dos PLs que eles apresentam. Mas foi possível observar a reprodução de um padrão relacionado ao gênero com as mulheres atuando menos em relação à economia, segurança e armas e mais na defesa das crianças, combate à violência contra a mulher e defesa da família.

 

e) A análise mostrou a dificuldade em distinguir o que poderia ou não ser classificado como pauta relevante da ultradireita (em detrimento de outros grupos), o que contraria a intuição de que o perfil extremado desses atores tornaria a tarefa simples. Algumas categorias de PLs referem-se a temas bastante centrais para os políticos de ultradireita e pode-se dizer que são quase monopolizadas por eles, como é o caso do armamentismo (CACs) e da defesa da família. Em outros casos isso não é tão evidente. As pautas podem ser compartilhadas entre ultradireita e forças políticas de outros perfis ideológicos, às vezes com uma abordagem diferente (como no caso da corrupção), às vezes de forma muito semelhante.

 

f) A identificação de PLs muito semelhantes apresentados por vereadores de diferentes cidades em momentos muito próximos no tempo pode indicar algum tipo de ação concertada ou, simplesmente, que os vereadores da ultradireita acompanham a atividade legislativa de outros vereadores e se inspiram nela em sua atuação.

 

g) A análise também revelou uma estratégia indireta de promoção das pautas da ultradireita. Em alguns casos em que tivemos que consultar o inteiro teor do PL pudemos observar a introdução dessas pautas (proibição do aborto, criminalização da esquerda) de forma sutil em propostas que, aparentemente, tratavam de outras questões.

 

Nossa análise preliminar sugere que há espaço para vereadores e vereadoras da ultradireita promoverem suas pautas e valores no campo da economia e da moral no nível municipal. A apresentação de Projetos de Lei parece ser usada como uma estratégia de promoção desses temas e de tomada de posição perante o eleitorado. Por outro lado, os vereadores parecem não ser tão extremados em sua produção legislativa quanto seria de esperar considerando suas manifestações nas redes sociais. Também é possível que os Projetos de Lei não sejam os meios mais adequados para a defesa de pautas extremistas, ou que o deslocamento da esquerda para o centro e a direita tornaram as diferenças entre os segmentos menos marcantes do que o esperado em algumas áreas.

 

Marta Mendes da Rocha é cientista política, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, pesquisadora do CNPq e coordenadora do NEPOL/UFJF.

 

Lara Polisseni é bolsista PIBID da pesquisa "Entre o nacional e o local: a radicalização da direita nos municípios brasileiros", que conta com financiamento do CNPq.

 

Para a organização da base de dados contamos com o auxílio de Giovanna Bertorelli, Ian Alves Ferreira, Dilla Roman, Marcela Felix e Christiane Jalles a quem expressamos nossos agradecimentos.


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