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O que é que as emendas têm? Sobre o papel das emendas orçamentárias nas disputas municipais.

Atualizado: há 11 horas

Amanda Domingos




Uma coisa é fato: as emendas orçamentárias estão ‘na boca do povo’. Em todos os meios de comunicação e redes sociais há alguma discussão sobre o assunto. Elas são a ferramenta com as quais os deputados federais e senadores podem influenciar o orçamento nacional. Todos os anos, durante a criação do orçamento brasileiro, os legisladores podem propor até 25 emendas ao orçamento com o objetivo de direcionar recursos para sua base eleitoral como o envio de recurso para criação de escolas, compras de materiais hospitalares, etc. Há diversos tipos de emendas parlamentares – que diferem acerca do propositor (individuais, coletivas ou de relator), a natureza do gasto (impositivo ou condicionado) além da finalidade (previamente definida ou decididas pelo recipiente, como no caso das “emendas pix”).


Porém, é claro, a relevância das emendas orçamentárias no debate público não surge apenas por meio de tais tecnicalidades. Pelo contrário, surge como um reflexo do aumento de controle que os deputados e senadores têm experimentado nos últimos anos em relação ao orçamento nacional através dessa ferramenta. A escalada teve início ainda em 2019, quando o valor triplicou de 19,2 bilhões para 46,3 bilhões de reais alocados e de 5,7 bilhões para 16,1 bilhões gastos. Os números são impressionantes: em 2024, cerca de 30% do orçamento de ministérios estava atrelado a emendas orçamentárias. E já que 2024 é ano eleitoral, as emendas ganham ainda mais força: até 5 de julho, última data permitida para realizar tais pagamentos antes da disputa municipal, o valor pago foi de R$ 23,08 bilhões de reais – valor 426,94% mais alto que o ano anterior.


Mas, por que emendas orçamentárias são tão importantes afinal? Primeiro, é preciso pensar que os legisladores têm um papel dual no Congresso Nacional: produzem políticas públicas para toda a população brasileira, mas devem também representar os interesses do seu eleitorado local. E as emendas orçamentárias possibilitam recursos para solucionar problemas locais do eleitorado, como por exemplo custeio de trabalhos em obras em municípios; pagamentos de despesas de convênio de serviços na área de saúde ou ainda a aquisição de retroescavadeiras. Além disso, é comum observar notícias de recursos enviados para Santas Casas de Misericórdia. Nesse sentido, as emendas podem trazer benefícios para problemas locais e fazer com que os eleitores se sintam “ouvidos” por seus representantes em Brasília. Consequentemente, pode gerar votos para os(as) legisladores(as) que as alocam nas próximas eleições. Embora não haja muito consenso, há evidências de que existe um efeito positivo de emendas orçamentárias no voto dos legisladores. Principalmente porque prefeitos agem como catalisadores de votos para esses legisladores, relembrando a população das benfeitorias daquele legislador e tentando garantir votos. É nesse sentido que há um segundo efeito desses benefícios: as emendas orçamentárias enviadas pelos legisladores de Brasília também podem afetar as eleições municipais tanto na disputa para a prefeitura quanto para as eleições para as câmaras de vereadores.


No que diz respeito às prefeituras, estudos já demonstraram que a relação entre prefeitos-legisladores federais ocorre com base numa relação em que os dois lados “se ajudam” mutuamente. Por um lado, os legisladores enviam recursos para os municípios onde possuem um prefeito que seja do seu mesmo partido, da mesma família ou grupo político. Quando legisladores enviam recursos para seus aliados que governam municípios, eles aumentam a disponibilidade de recursos para a implementação de políticas e ações na prefeitura. Em outra dimensão dessa estratégia, os legisladores evitam destinar verbas diretamente a prefeituras onde os aliados estão concorrendo, mas o atual prefeito pertence a um partido adversário. Isso impede que esses prefeitos reivindiquem o crédito por benefícios recebidos, ao mesmo tempo que oferece uma vantagem competitiva aos aliados nas eleições municipais.


Por sua vez, os prefeitos atuam como intermediários para os legisladores que beneficiam o município com emendas orçamentárias – garantindo que as benfeitorias trazidas desde Brasília sejam reconhecidas pelo eleitorado, associando sua imagem à do legislador para garantir transferências de votos. Em outros momentos, os prefeitos solicitam ativamente aos legisladores em Brasília o envio de emendas para financiar obras e a compra de materiais hospitalares, por exemplo. De uma forma ou de outra, os prefeitos tendem a relembrar ao eleitorado sua proximidade com Brasília e a consequente garantia de envio de benefícios para a população. É por isso que é possível sempre ver posts nas redes sociais e fotos nos “santinhos” que juntam prefeitos e legisladores que enviam emendas.


De forma similar, também é possível perceber uma influência das emendas orçamentárias nas eleições para as câmaras de vereadores. O mecanismo parece similar ao encontrado no que diz respeito aos prefeitos: os vereadores utilizarão de seus discursos para reafirmar a população que suas conexões com deputados e senadores trouxeram emendas orçamentárias para os municípios – garantindo recursos para recapeamento de vias públicas ou, ainda, garantindo a retomada de importantes iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos. Por outro lado, legisladores em Brasília podem ativamente solicitar o voto para vereadores que são seus aliados. Nos últimos dias, um caso repercutiu do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL) que condicionou o envio de 600 mil reais em emendas para a construção de uma creche no município de Teresópolis (RJ) à eleição do candidato Vicente Dantas (Agir). O que demonstra a possibilidade de vereadores serem poderosos meios de intermediação na alocação de recursos do nível nacional no subnacional, construindo uma verticalização do mandato parlamentar e fortalecendo vínculos entre poder político e espaço.


É nesse sentido que as emendas orçamentárias se revelam uma ferramenta política poderosa. Não apenas afetando a alocação de recursos públicos – que, em última instância, possibilitam o financiamento de políticas no âmbito subnacional. Mas, mais do que isso, podem influenciar a dinâmica político-eleitoral de municípios ao longo do território nacional, através de conexões político-eleitorais que afetam a capacidade de candidatos a prefeitos e vereadores reclamarem créditos por benfeitorias e, consequentemente, angariar mais votos.


Sim, eu sei o que você está pensando: “mas, essas emendas não podem dar margem ao mau uso de recurso público? E a questão da transparência?” Bom, isso é tema para outro blogpost!


 

Amanda Domingos é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora da Europa-Universität Flensburg (Alemanha). Colaboradora do NEPOL.

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