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O desafio do transporte coletivo urbano no Brasil. E o que podemos aprender com o caso de Juiz de Fora, MG

Atualizado: 20 de mar.

Matheus Brum



O transporte coletivo é apontado como um dos principais problemas enfrentados por brasileiros e brasileiras em todo o país. Em 2014, um ano após as manifestações que eclodiram no país - iniciadas após reajustes nas tarifas dos ônibus - a SPTrans, empresa que gere o sistema de transporte público de São Paulo, informou que recebeu 120.058 reclamações a respeito do serviço prestado.


Nove anos depois, esse número diminuiu, mas continuou alto: foram 74.254 reclamações. Um aumento de 29,3% em relação às reclamações registradas em 2022. Essas reclamações são várias: muito tempo esperando o ônibus, motoristas que não respeitam os pontos de embarque e desembarque, horários não cumpridos, superlotação, entre outros. Outro ponto que gera reclamação é o preço da tarifa. A cada ano, em quase todas as cidades, o custo para usar o transporte coletivo aumenta. Mesmo assim, os usuários não percebem uma melhoria no sistema, que seja condizente com o valor cobrado.


Por isso há uma intensa discussão sobre como financiar o transporte coletivo para que a gratuidade seja universal. Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara dos Deputados que prevê um sistema universal e gratuito para o transporte coletivo. A PEC 25/23 é de autoria da deputada Luiza Erundina (PSOL/SP). No texto, ela defende a criação de um tributo para custear essa tarifa. No entanto, alguns especialistas defendem que não há necessidade de um tributo específico. Bastaria alocar o valor destinado ao vale transporte do trabalhador (o percentual pago pelo patrão e o valor descontado na folha do empregado) em um Fundo Nacional. Esse valor arrecadado seria dividido entre as cidades que têm o transporte coletivo urbano. No caso de faltar dinheiro, o Tesouro Municipal complementaria esse valor.


Em Juiz de Fora, município da região da Zona da Mata mineira, com 540,756 mil habitantes, esse debate também está ocorrendo. No dia 1º de janeiro de 2025, a prefeita Margarida Salomão (PT) discursou durante a posse para o seu segundo mandato na cidade.  Entre diversas promessas, duas chamaram atenção: a implantação do Passe Livre Estudantil para quem estuda em instituição pública e o desejo de universalizar o transporte coletivo gratuito na cidade. 


Desde 2019, Juiz de Fora mantém a passagem do transporte coletivo em R$ 3,75. Quando Margarida assumiu, em 2021, fez a promessa de não reajustar o preço. A promessa foi cumprida. Porém, a contrapartida do congelamento dos preços é o subsídio ao transporte coletivo, que é a transferência de recursos públicos para o Consórcio Via JF - que tem a concessão do serviço. O Consórcio informa à Prefeitura o custo total do sistema, o quanto deveria ser a passagem e o quanto é arrecadado com as viagens. A diferença entre o que é arrecadado e o custo do sistema é o que a Prefeitura repassa na forma de subsídio.


Além de manter o congelamento dos preços, Margarida instituiu o “Domingão de Busão”, uma política pública que mantém o transporte coletivo gratuito aos domingos e feriados nacionais. Mais uma vez, a Prefeitura teve que repassar recursos para o Consórcio, já que eles têm gastos com os ônibus aos domingos e nenhuma fonte de arrecadação. Com isso, o valor do subsídio explodiu. Em 2021, foram gastos R$14,7 milhões. Esse valor cresceu para R$30,7 milhões em 2022, R$43,7 em 2023 e R$150,6 em 2024.


Outra medida adotada pela gestão Margarida é o Passe Livre Estudantil, uma reivindicação de décadas do movimento estudantil. A proposta foi aprovada pela Câmara Municipal na sessão do dia 19 de março de 2025, após intensos debates entre Executivo e Legislativo.


Segundo a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), 85 mil alunos de escolas públicas podem ser beneficiados. No entanto, na prática, esse número será menor. Não há uma estimativa definida de beneficiados, pois os critérios para se ter o benefício ainda será anunciado pela PJF. As medidas serão publicadas através de decretos assinados pela prefeita Margarida Salomão. Mas, no projeto enviado para a Câmara, a PJF estima um custo de R$ 15 milhões anuais para subsidiar a política pública. Esse número é contestado pela oposição e vereadores independentes. Ou seja, há uma perspectiva de que o subsídio, em 2025, possa ultrapassar os R$ 200 milhões, considerando a linha crescente ao longo dos anos e a previsão do Passe Livre.




Fonte: Portal da Transparência / Prefeitura de Juiz de Fora
Fonte: Portal da Transparência / Prefeitura de Juiz de Fora

Um dos objetivos dessa política é aumentar o estímulo ao uso do transporte coletivo. Juiz de Fora teve um grande crescimento no número de veículos particulares. Segundo dados do IBGE, em 2010, a cidade tinha 516.247 habitantes e uma frota de 178.576 veículos. Em 2022, Juiz de Fora tinha 540.756 habitantes e uma frota de 294.034 veículos. O município saltou, em 12 anos, de uma proporção de um veículo para cada 2,8 habitantes para um veículo para cada 1,8 habitante. 


Ao mesmo tempo, o número de passageiros do transporte coletivo caiu. Dados da própria PJF mostram que em 2018 foram 102.202.866 passageiros. Em 2023, último ano com os dados consolidados, foram 76.372.973 passageiros. Uma redução de quase 30%. Em 2024, até novembro, 77 milhões de passageiros usaram o transporte coletivo. No entanto, destes, 29,4% tinham direito à gratuidade. Ou seja, como exemplificado no gráfico abaixo, o percentual de gratuidade quase dobrou, mas o número de passageiros no transporte coletivo ainda segue bem abaixo do registrado em 2018 e 2019, últimos anos antes da pandemia de Covid-19. Com o aumento na gratuidade e a dificuldade para ampliar o número de passageiros, o subsídio aumenta.


Fonte: Portal da Transparência / Prefeitura de Juiz de Fora
Fonte: Portal da Transparência / Prefeitura de Juiz de Fora

Um dos objetivos da prefeita Margarida Salomão é instituir o passe livre em todo o transporte coletivo. No entanto, não se sabe o quanto isso custaria aos cofres públicos. Essa é uma ideia que é defendida por diversos especialistas. No Brasil, até a data da publicação deste artigo, existam 108 municípios com transporte gratuito, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. A maior cidade com transporte 100% gratuito é Caucaia (CE) com 355 mil habitantes, segundo o IBGE. Ou seja, esse tema é um desafio para cidades acima de 500 mil habitantes, como Juiz de Fora.


Caso Margarida Salomão seja capaz de concretizar a gratuidade universal do transporte coletivo urbano, Juiz de Fora será a primeira cidade com mais de 500 mil habitantes a adotar este modelo e estará na vanguarda deste processo. No entanto, há desafios. 


O primeiro deles é a transparência. Em Juiz de Fora, no Orçamento Municipal, não há uma rubrica específica para o subsídio do transporte coletivo. Não há, minimamente, uma previsão detalhada no orçamento do quanto será gasto com essa política pública. Nos Atos de Governo (equivalente ao Diário Oficial), a Prefeitura usa o termo “gestão do transporte coletivo” como referência para o envio do subsídio.


Para fazer o pagamento, a Prefeitura usa do instrumento da abertura de crédito suplementar, que é quando a gestão tira dinheiro de um local e envia para outro. Essa prática é legal, mas dificulta a transparência. Além disso, a Prefeitura também não informa quais cálculos são usados para se chegar ao valor do subsídio, deixando uma lacuna enorme na transparência.


Em 2026, o atual contrato do transporte coletivo de Juiz de Fora passará por uma revisão. O Consórcio Via JF, que detém a concessão, pode ter o contrato estendido por mais 10 anos, conforme prevê o edital de 2016, caso a Prefeitura não realize um novo certame para a escolha de novas empresas. Na campanha eleitoral, Margarida prometeu que haverá um novo edital para modernizar o transporte coletivo, incluindo melhoria da frota, com uso de ônibus elétricos, micro-ônibus e veículos com ar condicionado.


Caso a prefeita Margarida consiga colocar em prática todas as suas promessas, Juiz de Fora entrará na vanguarda do transporte coletivo no Brasil. No entanto, há desafios e melhorias a serem feitas para se alcançar o objetivo de ter um transporte com qualidade, eficiente e, acima de tudo, com transparência.



 

Matheus Brum é mestrando em comunicação pelo PPGCom da Universidade Federal de Juiz de Fora. @matheusbrumjornalista - E-mail: matheustbrum@gmail.com

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