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NEPOL UFJF

O crescimento atípico de doenças respiratórias e a (possível) subnotificação de casos de COVID - 19 na periferia de Curitiba

Marcelo Nogueira de Souza 1


Desde os primeiros casos confirmados em Curitiba, em 12 de março, o município tem buscado um equilíbrio, acatando as determinações das autoridades sanitárias mas, ao mesmo tempo, procurando não bater de frente com as recomendações do presidente Bolsonaro. “Eu compartilho a angústia do presidente com a possibilidade de colapso econômico. Mas lembro que os empregos só serão necessários se a gente tiver vida”, declarou o prefeito Rafael Grecca (DEM) em entrevista à CNN2 no dia 5 de maio.


Na busca por este equilíbrio, a cidade assiste uma curva crescente dos casos de coronavírus. Prestes a completar três meses do registro do primeiro caso, a cidade registra um total de 1.100 casos confirmados e 45 mortes, de acordo com o último boletim, divulgado em 29 de maio3 .


Além disso, autoridades sanitárias do município têm demonstrado inquietação com a chegada do inverno, para quando está previsto o pico da doença, além de ser o período em que as internações por outras doenças respiratórias tende a subir. Preocupação que também parece ser compartilhada pelo ministro interino da saúde, Eduardo Pazuello, que, em reunião com gestores do SUS, no dia 21 de maio, disse que os estados devem se preparar para enfrentar o inverno4 .

No entanto, o que tem chamado a atenção é o expressivo aumento das internações causadas por estas doenças que começavam a aumentar no fim do outono e início do inverno. De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, José Miguel Chatkin, “um aumento de casos e mortes por problemas respiratórios é esperado para o período, em razão das temperaturas mais baixas, mas o crescimento perceptível neste ano pode estar relacionado a casos do novo coronavírus que não foram diagnosticados”5 .


A informação é reforçada por dados divulgados pela Fiocruz, que relatou um crescimento expressivo de internações por problemas respiratórios a cada semana, o maior desde 2010. Até 4 de abril deste ano, o Brasil teve 33,5 mil internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), muito acima da média desde 2010, de 3,9 mil casos. “O número de casos está muito alto. Completamente fora do padrão”, afirmou Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, da Fiocruz, ao portal G16 .


Em Curitiba, acompanhando a tendência nacional, também houve um crescimento expressivo do número de diagnósticos, verificado em todos os distritos sanitários, como demonstrado na tabela 1.


Tabela 1 - Crescimento percentual de diagnósticos de Síndrome Gripal (SG) por regionais (abril de 2019 e abril de 2020)



Fonte: Secretaria Municipal de Saúde


No entanto, em relação à população atendida, com base em informações disponibilizadas pela SMS sobre o número de diagnósticos de síndrome gripal (SG) em abril de 2019 e abril de 2020, o crescimento foi muito maior na região periférica da cidade (distritos sanitários CIC, Bairro Novo e Tatuquara), como demonstrado na tabela 2.


Tabela 2 - Percentual de diagnósticos Síndrome Gripal (SG) em relação à população atendida por distrito sanitário



Fonte: Secretaria Municipal de Saúde


O fato destes bairros periféricos apresentarem um percentual menor de casos confirmados de Covid-19, como indicado na tabela 3, pode ser indício de uma subnotificação de casos da doença, como indicou o presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, ao associar o crescimento de diagnósticos de doenças respiratórias a casos do novo coronavírus que não foram diagnosticados.


Tabela 3 - Percentual de casos confirmados do COVID - 19 em relação à população atendida até 23 de abril de 2020



Fonte: Secretaria Municipal de Saúde


Estes bairros periféricos, como demonstrado no mapa 1, estão localizados em áreas consideradas de alto risco, de acordo com o Índice de Vulnerabilidade das Áreas de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde (IVAB)7.


Mapa 1: Distribuição das unidades de saúde de acordo com o Índice de Vulnerabilidade das Áreas de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde (IVAB)



Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba.


Nota-se que o crescimento do número de diagnósticos de SG, em relação à população atendida, foi muito maior nos distritos sanitários que atendem a população mais vulnerável economicamente: 4,16% no CIC, 4,22% no Bairro Novo e 6,88% no Tatuquara (como demonstrado anteriormente, na tabela 2), o que pode indicar que a subnotificação pode ser muito maior nestes bairros periféricos. O previsível aumento do número de casos de Covid-19 durante o inverno é ainda mais preocupante se levarmos em consideração a possibilidade destes bairros, devido a outras situações de vulnerabilidade social, como condições precárias de moradia e de abastecimento de água e esgoto, mobilidade urbana, entre outros, se tornarem o foco de uma transmissão descontrolada. Esta já era uma preocupação do ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que, em 19 de março de 2020, já destacava a importância da atenção básica em saúde, considerada a porta de entrada do SUS, para evitar que as transmissões se alastrassem, especialmente em comunidades mais pobres8 .


De acordo com o último boletim divulgado, a taxa de ocupação dos leitos de UTI (exclusivos para Covid-19) na cidade é de 49%. Apesar disso, da curva que segue crescente e da alegada preocupação com a chegada do inverno, Curitiba, a exemplo de outras cidades, segue flexibilizando a quarentena, com a reabertura gradual do comércio, incluindo os shoppings centers, que reabriram o atendimento ao público na segunda-feira (25). Exatamente uma semana depois, em 1º de junho, a OMS afirmou que o Brasil, assim como outros países da América Latina, ainda não atingiram o pico da pandemia.


 

1 Doutor em Sociologia. Mestre em Políticas Educacionais. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador do grupo de pesquisa “Políticas sociais: análise comparada das experiências brasileiras”, do “Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional – PDUR” e do “Observatório das Metrópoles – Núcleo Curitiba”. Atualmente desenvolve pesquisas que versam sobre os temas: territorialidade, desenvolvimento e desigualdades, junto ao Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPR, onde realiza estágio pós-doutoral pelo PNPD/Capes. E-mail: 666noma@gmail.com



3 A prefeitura de Curitiba divulga boletins semanais às sextas-feiras.





7 O IVAB é calculado pela média aritmética entre os índices de 4 dimensões: adequação do domicílio, perfil e composição familiar, acesso ao trabalho e renda, condições de escolaridade. A partir do IVAB, as Unidades Municipais de Saúde são ranqueadas sob a lógica de intervalos regulares com base no conjunto de dados ordenados de forma crescente, e divididas em três grupos a partir do cálculo dos tercis. As Unidades Municipais de Saúde localizadas no tercil 1 são denominadas como de baixa vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem menor que 3,91%), no tercil 2 como de média vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem maior ou igual a 3,91% e menor que 7,80%) e no tercil 3 como de alta vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem maior ou igual 7,80% até o limite superior, que pode atingir 100%).




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