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Nem só de emenda vive uma aliança

Atualizado: 23 de set.

Lucas Gelape


Apesar da centralidade na discussão política em 2024, pesquisas mostram que as emendas são só um dos instrumentos pelos quais políticos locais e deputados articulam suas alianças

 

Há décadas, o senso comum sabe que políticos em nível estadual ou federal aliam-se a elites locais. Contudo, se essa relação já teve um caráter coronelista, como aquele apontado na obra clássica de Victor Nunes Leal ("Coronelismo, Enxada e Voto", 2012), no atual período democrático essas alianças têm outras facetas.

 

As mudanças recentes nas regras orçamentárias brasileiras, que dão mais poderes e recursos ao Legislativo, têm levado a um grande foco do debate público nas emendas individuais como instrumento por excelência na construção dessas alianças. Contudo, tais parcerias se fundam somente no interesse pelas emendas?

 

A Ciência Política tem nos mostrado que as alianças de deputados e políticos locais no Brasil da Nova República ocorrem por meio de benefícios mútuos. Pelo lado dos deputados, tais alianças são interessantes, pois os eleitores tendem a valorizar candidatos que tenham atuação local e/ou sejam apoiados por figuras locais relevantes, como prefeitos, vereadores ou líderes comunitários. É o que mostram trabalhos como os de Ames, Baker e Rennó (2008), Eduardo e Russo (2022), e Gatto, Russo e Thomé (2021).

 

Do lado dos políticos locais, é necessário lembrar que, na média, os municípios brasileiros têm poucos habitantes e são altamente dependentes de transferências de recursos federais e/ou estaduais. A parceria com deputados se revela, então, essencial para que prefeitos e vereadores consigam recursos para a realização de políticas públicas nos municípios, em resposta ao seu eleitorado. Porém, isso se dá só em torno das emendas?

 

Em um artigo recente junto com Marta Mendes da Rocha, publicado na revista Reflexión Política, exploramos essa questão com base em entrevistas realizadas com assessores de deputados estaduais, vereadores, além de quatro ondas de surveys, sendo duas com deputados federais (2010 e 2014) e duas com estaduais (2007 e 2012). As entrevistas em profundidade foram realizadas por nós, e trazem dados inéditos. Já os surveys foram produzidos na "Pesquisa sobre Elites Parlamentares Iberoamericanas" (Centro de Estudos Legislativos da UFMG e Universidade de Salamanca) e "Trajetórias, perfis e padrões de interação dos legisladores estaduais em doze unidades da Federação" (CEL/UFMG).

 

Sem dúvidas, as emendas possuem uma centralidade nesta relação. Os assessores entrevistados falaram com frequência das emendas como principal instrumento usado nessas relações. Contudo, ele não é o único e pode variar caso o aliado seja um prefeito ou um vereador.

 

Um vereador de oposição, por exemplo, pode ter maiores dificuldades de reivindicar o crédito pela obtenção de recursos junto a um deputado caso eles sejam destinados à prefeitura. Assim, nossos entrevistados sugerem que ele utilizaria indicações de emendas para "entidades", em geral organizações de terceiro setor com as quais eles têm vínculos, numa estratégia já diagnosticada por Natália Bueno (2018).

 

Porém, como destacado, as emendas não são o único instrumento utilizado. Outras situações comuns são os pedidos de auxílio para a resolução de questões burocráticas junto ao Executivo. Deputados reportam que essa é uma atividade bastante frequente no seu cotidiano, como vemos na figura a seguir. Nossos entrevistados também enfatizaram essa atividade.

 


Resultado da pesquisa

 

O porte do município também influencia na qualidade do seu corpo técnico (isto é, da sua burocracia). Assim, é esperado que a burocracia de municípios pequenos frequentemente necessite de auxílio para conseguir descobrir a existência de editais/linhas de financiamento estaduais e federais, para entender as suas regras e, também, para prestar contas. Em sua pesquisa sobre a liberação de recursos ministeriais para municípios alinhados partidariamente, Fernando Meireles (2024) destaca que esse canal informacional pode ser relevante para explicar seus resultados.

 

Por fim, mas não menos importante, há o encaminhamento de pedidos individuais de eleitores. Nossa pesquisa indica que isso é feito prioritariamente por vereadores, tendo em vista que eles estão em contato mais próximo com os eleitores. Ainda que deputados possam receber tais pedidos diretamente, o encaminhamento por um aliado político, como o vereador, é um importante filtro para a sua atividade.

 

Dessa forma, vemos que as conexões ascendentes dos políticos locais são relevantes para que eles respondam ao eleitorado pelo voto e pela confiança que lhes foi depositado. É possível que o recente aumento nos valores das emendas orçamentárias reforce esse instrumento. Mas, tomar a emenda como uma mera "compra de voto" nos municípios é um símbolo da permanência de uma visão preconceituosa sobre o funcionamento da política local, que a vê como essencialmente clientelista. É o que trabalhos recentes na Ciência Política brasileira vêm tentando desconstruir (Rocha e D'Ávila Filho, 2024; Salles, 2024).


 

Lucas de Oliveira Gelape é Pesquisador de Pós-Doutorado no FGV-CEPESP. Doutor em Ciência Política pela USP, mestre pela UFMG. Pesquisador colaborador do NEPOL/UFJF. Bolsista de Pós-Doutorado FAPESP, processo n. 23/04854-6. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

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