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NEPOL UFJF

Maricá e o combate à Covid-19: antecipação e prevenção

Christiane Jalles de Paula

Doutora em Ciência Política

Professora da UFJF


Maricá é um dos municípios do estado do Rio de Janeiro, localizado entre a capital e a conhecida Região dos Lagos. Compõe a chamada Região Metropolitana do Rio de Janeiro, estando distante 60km da capital. O território de Maricá é extenso, estende-se por 362,480 km², e faz divisas com Niterói, Itaboraí, São Gonçalo, Saquarema, Tanguá e Rio Bonito. Administrativamente, é dividido em quatro distritos: Maricá (sede), Ponta Negra, Inoã e Itaipuaçu.


Em 2019, sua população foi estimada em 161.207 habitantes, já o censo de 2010 contou 127.461 pessoas residindo no município e a densidade demográfica era de 351,55 habitantes por km². Ainda de acordo com o censo de 2010, Maricá era predominantemente urbana e em 64.4% dos domicílios há esgotamento sanitário adequado. Este dado quando comparado com os outros municípios do estado, posiciona Maricá em 68 de 92; já quando comparada a outras cidades do Brasil, sua posição é 1634 de 5570 municípios. Suas atividades econômicas são o comércio, a indústria da construção civil e o turismo(1) . O município recebe os maiores valores em royalties derivados do petróleo do estado do Rio de Janeiro(2).


O enfrentamento da Covid-19 pela prefeitura de Maricá teve início muito antes que houvesse caso confirmado no município, o que ocorreria em 29 de março. Ainda em 28 de fevereiro, a prefeitura publicou um comunicado esclarecendo que uma pessoa dera entrada no hospital municipal da cidade com sintomas suspeitos de coronavírus e que relatou ter tido contato um cidadão italiano de Florença, que tinha caso confirmado. A nota dava a conhecer que havia sido colhido material para análise e este tinha sido encaminhado para o laboratório estadual, conforme protocolo do Ministério da Saúde. Em relação ao paciente, esclarecia ainda que ele mantinha bom estado e cumpria isolamento em sua residência(3). No dia 3 de março, a suspeita foi descartada com o resultado negativo da prova e da contraprova do material feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)(4). Apesar disso, no dia 6 de março, a prefeitura iniciou a capacitação dos profissionais da área de saúde do município com a implantação de um curso sobre o coronavírus(5).


No dia 13 de março, o prefeito Fabiano Taques Horta, do Partido dos Trabalhadores (PT) criou um gabinete de ação sobre o coronavírus, responsável pelas ações de coordenação, monitoramento e prevenção da doença em Maricá. Na ocasião, o prefeito afirmou que sua ação estava baseada nas informações sobre a disseminação da Covid-19 no país. Cabe aqui um parêntesis, é preciso destacar que dois dias antes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia declarado que o mundo vivia uma pandemia de coronavírus. A primeira medida da prefeitura foi a suspensão de shows e de quaisquer atividades que gerassem aglomeração de pessoas, principalmente nas áreas de Esportes, Direitos Humanos e Idosos. No dia seguinte, a prefeitura decretou a suspensão das aulas na rede municipal por tempo indeterminado(6).


Com o registro de transmissão comunitária na cidade do Rio de Janeiro e o país entrando em outra fase para a contenção da Covid-19, no dia 16 de março a prefeitura publicou novo decreto com as seguintes medidas: 1) antecipação do abono natalino, devido à suspensão das aulas na rede municipal, para os beneficiários do Cartão Mumbuca (moeda local que compõe o programa que já existia de Renda Básica de Cidadania – RBC); 2) antecipação da campanha de vacinação contra o vírus influenza (H1N1) e vacinação nas residências dos idosos, com a instituição de visitas, previamente agendadas, das equipes da Secretaria de Saúde; 3) redução do expediente na sede da Prefeitura; 4) trabalho domiciliar para servidores públicos com mais de 60 anos ou que fossem portadores de doenças que reduzissem a imunidade. As repartições públicas passaram a funcionar em esquema de revezamento semanal de pessoal; 5) A circulação dos ônibus “tarifa zero” (chamados “vermelhinhos”, por serem pintados nessa cor) passou a ser com janelas abertas e o ar condicionado desligado; 6) as equipes de agentes de saúde e de representantes dos Comitês de Defesa dos Bairros (CDB) foram treinadas e passaram a realizar uma campanha de esclarecimento dos passageiros dentro dos veículos; 7) proibição de entrada de ônibus de excursão na cidade; 8) contenção de entrada de pessoas e restrição de serviços nos prédios públicos e concentração de serviços no Portal da prefeitura na internet; 9) Suspensão dos serviços de saúde bucal que não fossem de urgência ou de emergência; 10) adaptação do Hospital Municipal Conde Modesto Leal, da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e da Unidade de Emergência Santa Rita para receber os casos suspeitos de contaminação pela Covid-19, incluindo a separação de áreas específicas para atendimento e a capacitação dos profissionais de saúde(7).


No dia 18 de março, a prefeitura suspendeu o funcionamento de todos os órgãos públicos e todos os atendimentos eletivos de saúde, restringiu o funcionamento de bares e restaurantes que passaram a abrir em horários específicos e com capacidade reduzida a 30%, proibiu o funcionamento dos quiosques nas praias de Maricá, suspendeu a realização de cultos de todas as espécies e matrizes religiosas na cidade. Na mesma ocasião, foi decretado Estado de Calamidade Pública(8). Em reunião com líderes religiosos da cidade, o prefeito Fabiano Horta declarou “A atitude mais eficaz hoje é o isolamento social. É o momento da fé se expressar de maneira racional. Conto com a colaboração dos líderes para que nos próximos 15 dias adotemos medidas radicais, e é assim que a gente vai proteger nosso cidadão”(9) .


No dia 20, a prefeitura radicalizou as medidas. A publicação de um novo decreto suspendeu o funcionamento do comércio, com exceção de farmácias, de padarias, de postos de combustíveis, de mercados e de supermercados(10). Com as medidas de supressão da economia local, a prefeitura instituiu iniciativas de política econômica e políticas sociais para reforçar a adesão da população às ações de isolamento. No dia 21, a prefeitura aumentou o valor do cartão Mumbuca; distribuiu cestas básicas para os alunos da rede municipal de ensino; e para os trabalhadores informais e autônomos foi instituído o pagamento de um salário mínimo (R$ 1.045), convertido em Mumbucas, por três meses, prorrogáveis por mais três meses – chamado de Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT); e disponibilizou uma linha de crédito para os empresários da cidade(11).


No dia 29 de março, Maricá teve o primeiro caso confirmado de Covid-19(12). No dia seguinte, a prefeitura iniciou a sanitização dos locais de grande circulação e equipamentos públicos da cidade. A seguir, instalou dispenser de álcool em gel no interior de todos os veículos da frota dos “vermelhinhos”, na sede da empresa, nas salas dos funcionários e em áreas públicas do Terminal Rodoviário do Centro. No dia 3 de abril, as prefeituras de Maricá e de Niterói destinaram R$ 45 milhões cada uma para ajudar São Gonçalo na construção de hospitais de campanha. A cidade vizinha, além de extremamente populosa, enfrentava graves problemas de falta de recursos para fazer frente à pandemia do coronavírus, sobrecarregando o sistema de saúde tanto de Maricá como de Niterói(13). Nesse mesmo dia, Maricá teve confirmado o primeiro óbito provocado pela Covid-19(14).


Com o aumento no número de casos e mortes, as ações da prefeitura de Maricá para o isolamento foram mantidas. De um lado, no sentido de adaptar o sistema de saúde local à dinâmica da transmissão da Covid-19. As políticas públicas de saúde implementadas foram a criação de três polos de atendimento exclusivo para Covid-19 em pontos diferentes do município (Centro, Itaipuaçu e Ponta Negra) e a inauguração do Hospital Municipal Dr. Ernesto Gue Chevara com 35 leitos – (20 de UTI, cinco de trauma e 10 de suporte), voltados para pacientes em situação grave decorrente da Covid-19(15). De outro, buscou incrementar a adesão da população ao isolamento social tanto com ações de educação cívica, como de fiscalização, com políticas sociais e econômicas, tais como: a criação de uma força-tarefa para conter os abusos e coibir infrações ao decreto de fechamento do comércio de Maricá, o fechamento de ruas no centro da sede do município, a proibição da entrada de turistas no município no feriado de 1º de Maio (Dia do Trabalhador), e o uso de máscaras de proteção obrigatório em todo o município(16).


Além dessas iniciativas, a prefeitura de Maricá também desenvolveu políticas focalizadas para as populações vulneráveis. Para a população em situação de rua foi inaugurado um abrigo; já para os indígenas que vivem em duas aldeias em Maricá – cerca de 100 índios guaranis vivem na aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã) e aproximadamente 50 índios guaranis vivem no Sítio do Céu (Pevaé Porã Tekoa Ará Hovy Py) – as ações foram: fechamento das aldeias à visitação e distribuição de cestas básicas para as famílias das duas tribos(17). Apesar de Maricá ter 15 aglomerados subnormais (favelas), de acordo com o censo de 2010, o que lhe assegurava a 16º posição no estado do Rio de Janeiro, não foi desenvolvida por parte da prefeitura da cidade qualquer ação focada nessas comunidades.


A única pesquisa encontrada mensurando a adesão da população de Maricá às medidas de isolamento social foi realizada pela Empresa Pública de Transporte (EPT) que divulgou no dia 17 de março uma redução de 40% no quantitativo diário de passageiros dos “vermelhinhos”, que gira em torno de 17 mil pessoas em média(18). Apesar disso, há reações da sociedade civil de Maricá às medidas de isolamento social. A principal delas é organizada pelo Movimento Maricá Livre (MML), reunindo cerca de 100 empresários do município e chamada de “Maricá Não Pode Parar”. Sua principal reivindicação é reabertura de todo o comércio da cidade. Em duas ocasiões, 28 de março e 24 de abril, o movimento, sem sucesso, chamou a população para carreatas(19).


Interessa destacar que, desde março, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro havia emitido nota às prefeituras do estado fluminense de que elas deveriam coibir a realização das manifestações contrárias às ações pró-isolamento social como política de enfrentamento à Covid-19. Em Maricá, as duas tentativas foram fiscalizadas pelas forças de segurança do estado (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) e pela Guarda Municipal, que terminaram por coibir a realização das carreatas.


De acordo com o DataSUS, em fevereiro de 2020 Maricá tinha 141 leitos de internação e nenhum leito de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI)(20) – com a inauguração do Hospital Municipal Dr. Ernesto Che Guevara foram abertos 20 leitos UTI(21) . Desse modo, as medidas adotadas pela prefeitura de Maricá intentaram ampliar a capacidade do sistema de saúde e minimizar os riscos de colapso desse mesmo sistema, com ações políticas, econômicas e sociais de incentivo ao isolamento social. Ainda é cedo para sabermos se foi um sucesso a política de enfrentamento à pandemia em Maricá. Mas, o gráfico baixo(22) mostra que a cidade tem uma curva discreta de casos, quando se compara com a capital do estado (Rio de Janeiro) e o Brasil.





Isto, sem dúvida, se deve ao fato de que a implementação da política pública do distanciamento social não foi ato isolado. Pari passu aos decretos que restringiram a circulação de pessoas no município foram implantadas medidas de apoio econômico aos cidadãos. Tal conjunto minimizou os custos do cidadão para aderir ao isolamento social, preservando, até o momento, o sistema de saúde do município. Com antecipação e prevenção, Maricá tem enfrentado o avanço do coronavírus.

 

1Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/marica/panorama. Acesso em 02 de maio 2020.


2Disponível em http://www.anp.gov.br/royalties-e-outras-participacoes/royalties. Acesso em 02 de maio 2020.















16Disponível em https://www.marica.rj.gov.br/2020/04/29/boletim-44-29-04/. Acesso em 02 de maio 2020.





20Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?cnes/cnv/leiintrj.def. Acesso em 02 de maio 2020.


21Disponível em https://www.marica.rj.gov.br/2020/04/29/boletim-44-29-04/. Acesso em 02 de maio 2020.


22Disponível em https://www.marica.rj.gov.br/2020/05/01/boletim-46-01-05/. Acesso em 02 de maio 2020

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