Emerson U. Cervi
Cientista Político
Universidade Federal do Paraná
Coordenador do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública
Em Curitiba as ações de prevenção e contenção à disseminação do novo coronavírus seguiram basicamente os mesmos passos de outras capitais. Começaram com algum atraso, foram medidas de início bastante restritivas e com o tempo começaram a ser relativizadas. Os efeitos também seguiram o comportamento geral do resto do País. Uma curva inicial de casos com crescimento lento e que, ao que tudo indica, foi “achatada” pelas medidas iniciais e tendem a apresentar crescimento acelerado entre fim de abril e início de maio, de acordo com os modelos preditivos dos especialistas na área. Mas há uma questão que não pode ser resolvida no curto prazo, que é a do número de servidores da saúde para atendimento no pico do contágio.
O prefeito Rafael Grecca, eleito pelo PMN, mas atualmente filiado ao DEM, faz parte do grupo de políticos que segue a cartilha do ministro Luiz Henrique Mandetta, também filiado ao DEM. Desde meados de março ele tem adotado medidas de contenção, embora o primeiro caso suspeito a ser investigado em Curitiba tenha sido oficializado em 28 de fevereiro – os primeiros casos confirmados no município foram em 12 de março. O decreto municipal que estabeleceu situação de emergência de saúde pública em Curitiba é de 16 de março e prevê a possibilidade de isolamento social, quarentena, realização compulsória de exames e requisição de bens e serviços que sejam necessários para enfrentar a pandemia.
As aulas na rede municipal de ensino foram suspensas inicialmente de 22 de março a 12 de abril, mas o prefeito já prorrogou a suspensão até 2 de maio. Eventos públicos e viagens de servidores municipais estão suspensos desde 17 de março. Um segundo decreto municipal, nº 470, publicado em 26 de março, suspendeu eventos privados em áreas abertas ou fechadas, assim como a realização de cultos e missas. A recomendação é que cultos religiosos sejam pela internet, para evitar aglomerações. Também em 26 de março, um mês depois do primeiro caso suspeito, foram suspensas as atividades não essenciais, proibidas as visitas aos idosos em instituições de longa permanência, as casas de repouso, e proibidas visitas a pacientes internados em hospitais.
No dia seguinte, 27 de março, pelo decreto 476, a prefeitura previu a possibilidade de requisição de servidores de outras áreas da administração direta e indireta para atuarem como reforço na saúde, o que indica a preocupação com o corpo de servidores da área. Como medidas sociais, a prefeitura criou um kit alimentação com merenda escolar para ser entregue aos alunos da rede municipal não ficarem desassistidos durante o período sem aulas. Além disso, estão sendo distribuídos vouchers de R$ 70,00 para famílias com filhos na rede escolar municipal trocarem por alimentos nos mercados populares mantidos pela prefeitura.
Nas primeiras duas semanas de isolamento social houve alta adesão da população às medidas. No entanto, a partir dos primeiros dias de abril a cidade voltou a ter movimento nas ruas e em estabelecimentos comerciais – em boa medida em função das datas de recebimento de salários e pagamentos mensais. Até ontem, dia 9 de abril, tinham sido registrados pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná 237 casos de covid-19 em Curitiba, com cinco óbitos. O gráfico 1 a seguir mostra como a curva de novos casos manteve-se relativamente estável no mês de março, começando a apresentar um crescimento da curva a partir do início de abril. De todos os casos confirmados na cidade, ontem havia 57 internados, dos quais, 24 em UTIs do município.
Gráfico 1
Uma diferença de Curitiba em relação a outras capitais é que aqui os responsáveis pela gestão da crise optaram por não fazer hospital de campanha para atender infectados. Ao invés disso, no dia 3 de abril foi apresentado um plano de contingenciamento que incluía 237 leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e 697 leitos em enfermarias de hospitais do município, a serem implantados até o final do mês de abril. Ao todo, Curitiba conta com 6,2 mil leitos de baixa complexidade em unidades hospitalares. A estrutura adicional é importante para o momento de pico de ocorrências mais graves da covid-19.
Assim como outras enfermidades do sistema respiratório, a covid-19 pode avançar para casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que demandam internação. Mesmos em casos mais graves, se houver atendimento a tempo, as chances de sobrevivência são grandes. Por isso a necessidade de evitar o avanço rápido do contágio e a estruturação específica para atendimento de casos de SRAG causados pela covid-19.Todos os anos são registrados casos de SRAG causados por outros vírus ou doenças respiratórias. Em Curitiba, de acordo com relatórios de gestão e monitoramento do SUS, considerando o último quadrimestre de 2019 e comparando com os mesmos períodos de anos anteriores, de 2015 a 2019 tem crescido o número de registros de SRAG (gráf. 2). São registrados como SRAG apenas os casos de pacientes com sintomas de doença respiratória que precisam ser internados em hospitais para tratamento. Passamos de 127 nos últimos quatro meses de 2015 para 490 nos últimos quatro meses de 2019. No mesmo período o número de mortos oscilou, indo de oito no quadrimestre de 2015 e chegando a 30 no quadrimestre de 2018.
Gráfico 2
Os números do gráfico acima mostram que se a curva de crescimento do contágio for muito acelerada, o município corre o risco de ultrapassar o número de casos de SRAG registrados em quatro meses no período de poucas semanas, o que inviabilizaria o sistema de saúde. Comparando os casos registrados e os números de leitos em hospitais contingenciados para a covid-19, percebe-se que a prefeitura está destinando à covid-19 o equivalente a 150% da estrutura usada em períodos anteriores para atendimento à SRAG.
Apesar da atenção dada aos insumos e à infraestrutura de saúde para atender os casos graves, o maior desafio de Curitiba será na área dos profissionais de saúde. Nos últimos anos o município passou por um processo de redução do quadro de servidores da saúde ao mesmo tempo em que aumentou o percentual de profissionais que não são contratados pela prefeitura para atuarem na área. O gráfico 3 mostra o número de servidores da saúde no terceiro quadrimestre de cada ano, entre 2015 e 2019. Ele passou de quase 10 mil para 8,6 mil nos últimos cinco anos. Uma redução de 15% do quadro geral de servidores da saúde. Além disso, em 2015, do total, 80,6% pertenciam ao quadro do município, como concursados, comissionados ou outros tipos e menos de 20% eram contratados por uma fundação específica para a área da saúde, a FEAES. Em 2019 o percentual de servidores municipais tinha caído para 74,9% e a FEAES já representava 25,1% do total da área da saúde no município. Considerando apenas o número de médicos no município, ele caiu de 1.010 em 2015, para 830 em 2019, de acordo com o mesmo relatório quadrimestral do SUS-Curitiba.
Gráfico 3
Como a questão da mão de obra na área da saúde é central para o combate à covid-19 em Curitiba, a Secretaria Municipal de Saúde lançou edital de convocação de processo seletivo simplificado para funcionários temporários no dia 6 de abril. O objetivo é contratar até 428 novos profissionais de saúde, dos quais, até 50 médicos. Mesmo que todas as vagas sejam preenchidas nas próximas semanas, o número de contratados temporários não chegará à metade do quadro funcional da área perdido nos últimos três anos no município.
Se a pandemia da covid-19 pode nos ensinar algo em termos de políticas públicas, que seja o fato de que podemos reduzir gradual e silenciosamente as estruturas de atendimento e serviços públicos, mas não conseguimos recuperá-las em períodos de emergências. Em um mês o município conseguiu ampliar até 50% a estrutura de atendimento aos pacientes. Porém, não consegue aumentar em 5% a força de trabalho da área de saúde e, no melhor dos cenários, Curitiba enfrentará a pandemia da covid-19 com 20% menos trabalhadores da saúde do que tinha em 2015. Como diz o ditado: “o barato sai caro” e, nesse caso, quem paga a conta é a população.
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