Luciana Santana
Instituto de Ciências Sociais
Universidade Federal de Alagoas
Maceió é uma cidade muito conhecida por seus contrastes. De um lado as belezas naturais e culturais, que a tornam um dos principais destinos turísticos do país; do outro, indicadores históricos de desigualdades no acesso a direitos sociais e econômicos básicos. Alagoas, de maneira geral, e Maceió, em especial, chamam a atenção, principalmente, pelos baixos índices socioeconômicos e pela alta concentração de renda. Diante dessa situação, a crise provocada pela pandemia de coronavírus se apresenta como um grande desafio a ser enfrentado pelo poder público, em todas as esferas da gestão, e por toda população.
Como 23ª capital mais populosa do país 1 e 6ª da região Nordeste, Maceió ocupa uma área de 509,5 km². Segundo estimativa do IBGE de 2019, sua população é de 1.018.948 habitantes 2, concentrando 30,3% do total da população do estado de Alagoas. O IDH municipal é de 0,721 3 , com PIB per capita de R$ 21.210,09. O salário médio mensal dos trabalhadores formais em 2017 era de 2,7 salários mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de apenas 26.4%. Do total de domicílios maceioenses, 38,8% possui rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa. Não é à toa que, mesmo com os cortes dos últimos anos, a cidade ainda possui atualmente 57 mil beneficiários do Bolsa Família e uma longa fila de espera de novos beneficiários que pleiteiam entrada no Programa.
Politicamente, Maceió tem se destacado das demais capitais da região Nordeste e mesmo do interior alagoano. Na última eleição presidencial, por exemplo, apesar do forte apoio do governador Renan Filho (PMDB) à candidatura de Fernando Haddad (PT), Maceió foi a capital nordestina que deu, proporcionalmente, mais votos ao então candidato Jair Bolsonaro (sem partido), tanto no primeiro quanto no segundo turno. Resultado que contou, inclusive, com a contribuição do atual prefeito, Rui Palmeira, que está no último ano de seu segundo mandato. Rui Palmeira era filiado ao PSDB, mas deixou a legenda em fevereiro deste ano devido a divergências internas sobre a disputa eleitoral deste ano. A desfiliação do prefeito de seu ex-partido resultou em uma situação favorável para o enfrentamento ao coronavírus em Alagoas, pois colocou em um mesmo lado o prefeito (atualmente sem partido) e o governador.
Em 08 de março, Alagoas confirmou o seu primeiro caso de contaminação por Covid-19. Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde (SESAU) informou que se tratava de um alagoano, de 42 anos, com histórico de viagem para a Itália. Desde então, o número de casos suspeitos começou a aumentar na capital e um sinal de alerta foi aceso em Alagoas.
No dia 13 de março, o governador Renan Filho anunciou em entrevista coletiva a criação, por meio de decreto, do Gabinete de Crise da Situação de Emergência (GCSE) para o combate ao coronavírus no estado de Alagoas. No mesmo dia, a prefeitura iniciou uma força tarefa para conscientizar a população da capital sobre a necessidade de prevenção contra o coronavírus.
O primeiro decreto municipal 4 (Decreto 8.846) direcionado para medidas de prevenção ao coronavírus ocorreu no dia 16 de março e incluiu declaração de emergência em saúde pública, suspensão de eventos públicos para 250 pessoas ou mais e de viagens de trabalho durante a pandemia. O decreto estabeleceu também o regime de teletrabalho e a criação do Gabinete de Crise, entre outras determinações, em conformidade com orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), Ministério da Saúde e o Governo de Alagoas. No dia seguinte, após reunião com o governador Renan Filho e em coletiva de imprensa conjunta, o prefeito Rui Palmeira editou uma atualização do decreto com a suspensão das aulas nas escolas da Rede Pública Municipal, a partir do dia 23 de março, por 15 dias. O sindicato das escolas particulares de Alagoas recomendou a suspensão das atividades a partir do dia 18. Outro anúncio importante foi sobre a instalação de um centro de testagem para diagnóstico do coronavírus em Maceió, de modo a tentar agilizar a emissão destes resultados.
No 18 de março, novo decreto (Decreto 8.849) foi emitido e restringiu o funcionamento de shoppings, pousadas, hoteis, dentre outros, mantendo a suspensão de grandes eventos, cinemas, teatros, parques de diversão e academias de ginástica na capital. No dia 20 de março, o prefeito Rui Palmeira e o governador Renan Filho, acompanhados dos secretários de Saúde Municipal, José Thomaz Nonô; e Estadual, Alexandre Ayres, anunciaram, por meio de lives nas redes sociais, novas medidas mais restritivas para a contenção da pandemia. A determinação foi o fechamento, por 10 dias, de restaurantes, lanchonetes, bares, shoppings, igrejas, templos e diversos outros estabelecimentos comerciais. A exceção ficou por conta da atividade dos prestadores de serviços de entrega, além do funcionamento de supermercados, farmácias e estabelecimentos que prestam serviços de saúde. Para garantir o cumprimento dos decretos, fiscalizações foram realizadas pela cidade com o intuito de esclarecer e conscientizar a todos sobre a importância do isolamento social.
Apesar de certa resistência, especialmente dos micro, pequenos e médios comerciantes e empresários, as medidas foram acatadas, de forma geral. Entretanto, mudanças de comportamento da população começaram a ocorrer depois que o Presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em cadeia nacional e se posicionou contrariamente às medidas que vinham sendo adotadas por governadores e prefeitos em todo o país por recomendação do Ministério da Saúde (MS). Essa situação fez com que um movimento de apoio ao presidente na capital organizasse uma carreata no dia 28 de março como forma de pressionar os governos municipal e estadual para que flexibilizassem os decretos e liberassem a abertura total do comércio e dos serviços. A adesão à referida carreata foi baixa, mas alterou um pouco a rotina do isolamento no dia seguinte: mais pessoas foram vistas circulando pelas ruas da cidade. Mesmo assim, a prefeitura e o governo não se intimidaram. Pelo contrário, intensificaram as entrevistas, lives e postagem nas redes sociais, reforçando a necessidade de manutenção do isolamento social e o respeito aos decretos.
As autoridades chamaram a atenção também para os prazos dos decretos e apontaram que qualquer decisão a ser tomada levaria em conta as recomendações de especialistas, do MS e da OMS. De lá pra cá, algumas alterações ocorreram. Após o prazo estipulado no último decreto houve uma flexibilização pontual das medidas (Decreto nº 8.862 emitido no dia 29 de março), permitindo atividades em indústrias e a implantação do serviço “pague e leve” para os restaurantes.
Um aspecto que tem chamado a atenção é o número reduzido de medidas governamentais ou ações direcionadas para as populações mais vulneráveis, especialmente para as pessoas que vivem nas regiões e bairros mais periféricos da cidade. A prefeitura disponibilizou canais remotos para atendimento e apoio assistencial dos usuários dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). O governador anunciou a distribuição de cestas básicas para famílias carentes em todo Estado. Além disso, doações estão sendo recebidas por entidades assistenciais e ONGs. São ações de solidariedade importantes, mas que devem contar com o apoio governamental e estratégias para evitar aglomerações durante a distribuição das doações.
A falta de medidas de controle de circulação entre as populações que residem na periferia da cidade que, em sua grande maioria, são compostas por pessoas que sobrevivem da economia informal é hoje um grande desafio para prefeito e governador. A dificuldade em manter o mínimo necessário para a sobrevivência e a demora do governo federal em repassar a ajuda de emergência já aprovada pelo Congresso Nacional coloca as autoridades políticas locais em uma situação, no mínimo, delicada. Afinal, como aprovar medidas mais restritivas de circulação destas comunidades quando sua sobrevivência não pode ser garantida por outros meios?
Para a população em situação de rua5 , uma parceria da Prefeitura com a Arquidiocese de Maceió está buscando assegurar vagas a pelo menos 240 pessoas em abrigos montados em escolas e em residências e alimentação durante todo o período de calamidade pública. A triagem e a distribuição dos espaços é realizada pelo projeto Consultório na Rua, da Secretaria de Saúde. Durante a triagem, aqueles que apresentarem algum sintoma devem ser encaminhados para as unidades de saúde.
Quanto a evolução dos casos na capital, conforme último boletim epidemiológico divulgado no dia 05 de abril, Maceió apresentava 26 casos confirmados de contaminação por Covid-19 (desde o 23 de março, já havia registros de transmissão comunitária tanto na capital quanto no interior). Dois óbitos por contaminação por coronavírus foram registrados e confirmados após exames realizados no Laboratório Central de Alagoas (LACEN/AL).
O município de Maceió conta atualmente com 2080 leitos do SUS 6 . Deste total, 224 leitos, distribuídos em 8 hospitais, estão sendo destinados exclusivamente para tratamento de pacientes com Covid-19. Hospitais de campanha estão sendo montados em mais dois espaços da capital, no Centro de Convenções e no Ginásio poliesportivo do Sesi, com 150 e 30 leitos, respectivamente.
Outro desafio a ser enfrentado em Maceió é a escassez de insumos e equipamentos hospitalares para o tratamento dos contaminados pela Covid-19, especialmente os casos mais graves. Como forma de contribuir neste aspecto, a Universidade Federal de Alagoas, em parceria com orgãos do governo estadual e empresas, tem apoiado a produção de álcool em gel, máscaras, respiradores mecânicos e ventiladores para abastecer o Hospital Universitário e outros hospitais do estado.
Apesar de todas as fragilidades e desafios apontados, especialmente no que tange às condições sócio-econômicas da capital, nota-se que há esforços do prefeito de Maceió e do governo alagoano em buscar alternativas e soluções para o enfrentamento e o combate à pandemia de Covid-19. Tal como em outros estados brasileiros, o protagonismo e o alinhamento dos governadores e prefeitos na gestão da crise poderá fazer a diferença no país.
Acompanhe a série de artigos do Nepol
1Fonte: Alagoas em Dados, dsponível em: http://dados.al.gov.br/dataset/municipio-de-maceio
2No último censo realizado em 2010, a população de Maceió era de 932.748.
3Fonte: PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/radar-idhm/
4Fonte: Prefeitura de Maceió. Disponível em: http://www.maceio.al.gov.br/coronavirus/. A página oficial da prefeitura passou a dar prioridade à disponibilização de informações administrativas prioritrárias incluindo um canal de orientações à população com informações sobre os serviços disponibilizados pela prefeitura e Estado, em conformidade com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), os decretos municipais, boletins epidemiológicos, além de informações de prevenção e cuidado com a saúde.
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