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NEPOL UFJF

Macapá e a Covid-19: a capital do meio do mundo na luta contra a pandemia

Ivan Henrique de Mattos e Silva 1


Programa de Pós-Graduação em Estudos de Fronteira


Universidade Federal do Amapá


Até a noite do dia 8 de abril, o número de pessoas infectadas com o novo coronavírus no estado do Amapá era de 107, sendo 95 delas na capital. Dois óbitos foram registrados até então: um em Macapá e outro em Santana (segundo maior município do estado e pertencente à Região Metropolitana). No mesmo dia 8, o Amapá foi incluído pelo Ministério da Saúde junto a outros cinco estados em situação de emergência, dada a alta incidência da doença (pelo menos 50% a mais do que a média nacional).

A cidade de Macapá, também conhecida como “capital do meio do mundo” – por ser a única capital brasileira cortada pela linha do Equador –, conta, segundo estimativas do IBGE de 2019, com 503.327 habitantes (concentrando, assim, 60% dos habitantes do estado)2 , com uma composição étnico-racial de 62,7% de pardos(as), 26,4% de brancos(as), 9,6% de pretos(as) e 1,1% de amarelos(as) (segundo dados do censo de 2010). É, ainda, a única capital banhada pelo rio Amazonas.

O primeiro caso suspeito de COVID-19 no município foi anunciado no dia 13 de março, mas o primeiro caso confirmado só se deu sete dias depois, após uma disputa administrativa entre as autoridades sanitárias do estado e representantes do Ministério da Saúde a respeito de quem estaria incumbido de realizar o transporte das amostras até o Instituto Evandro Chagas, em Belém (o Amapá ainda não possui laboratório certificado para a realização dos testes).

Desde o anúncio do primeiro caso suspeito, o prefeito de Macapá, Clécio Luis (REDE), editou 23 decretos centrados na prevenção e no combate à pandemia, alguns deles antes mesmo da primeira confirmação. O primeiro (Decreto Nº 1.625/2020, de 14 de março), declarou o Estado de Alerta Epidemiológico, além de criar um comitê municipal de enfrentamento, envolvendo sete secretarias. Esta decisão foi seguida pelo Decreto Nº 1.692/2020, de 18 de março, que declarou Situação de Emergência por 180 dias, reforçando, assim, o escopo de ação do poder público municipal. As aulas de instituições públicas e privadas em Macapá foram suspensas no dia 16, e o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços e religiosos (excetuados os serviços essenciais) foi suspenso pelo Decreto Nº 1.704/2020, de 20 de março. O Decreto Nº 1.751/2020, por fim, criou uma rede institucional de solidariedade para coordenar o recebimento de doações de bens e serviços destinados ao combate à pandemia e aos efeitos negativos oriundos do isolamento social.

Desde o início, os governos municipal e estadual demonstraram atuar em sinergia, seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde em relação à necessidade de isolamento social como forma de evitar o contágio abrupto e generalizado, fazendo um contraponto à narrativa do Presidente da República 3 . A parceria entre os níveis municipal e estadual também incluiu a garantia de abrigo aos moradores de rua de Macapá, com o aluguel de um hotel para receber até 70 pessoas4 .

Há, no entanto, dados problemáticos: até o dia 19 de março, o estado do Amapá possuía 91 leitos de UTI, mas nenhum deles apto a receber pacientes de COVID-195 . O governo declarou, então, que seriam instalados 53 novos leitos em um prazo de 40 dias, sendo 41 deles em Macapá. Assumindo que todos eles sejam efetivamente implantados, ainda assim o município teria um número de leitos inferior ao recomendado pelo Conselho Federal de Medicina em condições normais – ou seja, sem contar a pandemia –, que deveria ficar entre 1 e 3 leitos por 10.000 habitantes, atingindo apenas 0,8. Macapá é, ainda, a segunda pior capital do país em cobertura de coleta de esgoto (em 2019, atingia apenas pouco mais de 10% dos moradores da cidade6 ), o que apresenta um desafio adicional ao sistema de saúde.

No dia 19 de março, os 13 primeiros leitos isolados foram inaugurados, e o Exército anunciou a construção de quatro hospitais de campanha (dois deles em Macapá) para evitar o gargalo estrutural no sistema de saúde, e, após consulta feita pelo Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) ao General Oswaldo de Jesus Ferreira, presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, uma ala já finalizada do Hospital Universitário da UNIFAP também será colocada à disposição dos pacientes infectados7 .

Segundo levantamento divulgado pela In Loco8 , o estado do Amapá ocupa uma posição intermediária no Brasil, quando considerados os índices de isolamento social, ficando na 13ª posição (50,9%). No dia 27 de março, foi organizada uma carreata para cobrar a reabertura do comércio na cidade, o que provocou um aumento da fiscalização por parte das forças de segurança e a abertura de investigação contra sete pessoas envolvidas na organização da manifestação9. Embora o índice de isolamento social do estado esteja acima da média nacional (50,7%), a trajetória de queda registrada desde meados de março e o gargalo estrutural no sistema público de saúde municipal devem acender um alerta, tanto para o poder público como para a sociedade civil.


Acompanhe a série de artigos do Nepol


1Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Fronteira da UNIFAP. E-mail: ivansilva@unifap.br.

8https://www.inloco.com.br/pt/ (acesso em 8 de abril).

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