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NEPOL UFJF

Juiz de Fora, a prefeitura e a pandemia da Covid-19

Fernando Perlatto


Departamento de História


Universidade Federal de Juiz de Fora


Ainda não é possível estabelecer qualquer previsão de quando a crise gerada pela pandemia da Covid-19 terá fim. O que é possível afirmar, desde já, é que quando o cenário se estabilizar muitas mudanças terão ocorrido não apenas do ponto de vista da saúde pública, mas em outras esferas da vida social, a exemplo da formulação de políticas públicas. O que se assiste em tempo real é a movimentação não apenas de políticos, mas de milhares e milhares de técnicos e especialistas em assuntos diversos – como saúde, economia e política social – buscando desenvolver iniciativas e políticas públicas para o enfrentamento de uma crise de proporções gigantescas.

As cidades têm sido os palcos prioritários para a elaboração e execução destas políticas. Nos diferentes países do mundo, prefeitos têm se mobilizado para produzirem soluções no curto prazo que evitem a calamidade dos sistemas de saúde. Se grandes metrópoles que possuem sistemas de saúde mais bem estabelecidos e estruturados como Xangai, Milão, Barcelona, Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro já enfrentam dificuldades enormes para dar conta da demanda de enfermos subitamente criada em contextos epidêmicos, o cenário também se mostra potencialmente preocupante em municípios pequenos e cidades médias, como é o caso de Juiz de Fora, em Minas Gerais.

Com uma população estimada em aproximadamente 568.873 habitantes – de acordo com pesquisa divulgada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, Juiz de Fora concentra a quarta maior população de Minas Gerais, ficando atrás de Belo Horizonte, Uberlândia e Contagem. O sistema de saúde abarca não apenas a população que vive no município, mas também de cidades menores da região, uma vez que Juiz de Fora é o município de referência macrorregional para o atendimento hospitalar de alta complexidade.

Assim como ocorreu com todas as cidades brasileiras, as notícias sobre os primeiros casos de coronavírus no Brasil aumentaram a preocupação sobre a capacidade da rede hospitalar de Juiz de Fora comportar as demandas criadas pela enfermidade. Nos primeiros dias de março, começaram a ser divulgadas notícias sobre pacientes suspeitos de Covid-19 no município1. O primeiro caso, porém, apenas foi confirmado no dia 14 de março pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), em Boletim Epidemiológico divulgado pela pasta. Tratava-se de um paciente idoso, com histórico de viagem para Nova York2. A partir de então, os casos de Covid-19 em Juiz de Fora foram gradativamente crescendo, com a confirmação por parte da SES-MG no dia 17 de março da existência de transmissão local na cidade3. Em um comunicado publicado pela prefeitura de Juiz de Fora no dia 1º de abril, anunciava-se que a cidade possuía 32 casos confirmados de Covid-19, além de 449 em investigação. Além disso, 7 óbitos estão ainda sendo investigados, suspeitos de terem como causa o coronavírus4. Em Boletim Epidemiológico publicado no dia 02 de abril, a SES-MG confirmou a primeira morte por Covid-19 em Juiz de Fora5.

Desde a divulgação dos primeiros casos, é possível verificar por parte da prefeitura de Juiz de Fora um esforço importante e estratégico no sentido de combater a pandemia. O prefeito Antonio Almas, filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que assumiu a prefeitura após a renúncia ao cargo do prefeito Bruno Siqueira (MDB), eleito em 2016, é médico de formação, com histórico de atuação em unidades básicas de saúde e no Sistema Único de Saúde (SUS), além de ter sido vereador em dois mandatos no município. No dia 16 de março, o prefeito realizou uma coletiva com a imprensa, na qual anunciou a suspensão de aulas na rede municipal de ensino por tempo indeterminado, além de ter dado uma orientação para que os demais estabelecimentos da rede particular e demais instituições de ensino seguissem a mesma direção. Nesta coletiva, o prefeito também anunciou o adiamento de eventos planejados pela prefeitura por tempo indeterminado e orientou a suspensão de eventos privados e religiosos com aglomerações e a interrupção de atendimentos aos idosos que não fossem casos de urgência6.

Nos dias 17 e 18 de março, a prefeitura emitiu dois decretos voltados para o enfrentamento da pandemia na cidade. No primeiro deles (Decreto Nº 13.893), ficaram estabelecidas, entre outras ações, a criação de um “Comitê de Prevenção e Enfrentamento ao Coronavírus (COVID-19)”, a suspensão por tempo indeterminado das “aulas da rede pública municipal de ensino” e “o atendimento nas creches municipais”, “eventos da administração pública com aglomerações de pessoas” e “o funcionamento dos parques municipais”. Além disso, passou a ser considerado “abuso do poder econômico a elevação de preços, sem justa causa, com o objetivo de aumentar arbitrariamente os preços dos insumos e serviços relacionados ao enfrentamento do COVID-19”7.

Em 18 de março, a prefeitura de Juiz de Fora decretou situação de emergência em saúde pública no município (Decreto Nº 13.894). O decreto estabeleceu, entre outras medidas, a “dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços destinados ao enfrentamento da emergência”, a “suspensão das cirurgias eletivas”, a “aquisição de equipamentos de proteção individual – EPIs para profissionais de saúde”, a “ampliação do número de leitos para os casos mais graves”, a “utilização, caso necessário, de equipamentos públicos culturais, educacionais e esportivos municipais para atendimento emergencial na área de saúde”, a proibição aos estabelecimentos privados para a realização “de eventos e atividades com a presença de público, ainda que previamente autorizados, que envolvem aglomeração de pessoas”, a proibição “de funcionamento de shoppings centers e centros comerciais, à exceção de farmácias, clínicas de atendimento na área de saúde, supermercados, restaurantes e locais de alimentação, em relação a esses dois últimos apenas na modalidade entrega a domicílio (delivery)”, a “proibição de funcionamento de academias de ginástica, casas noturnas, bares e similares”. De acordo com o decreto, “os restaurantes poderão funcionar se na organização de suas mesas for observada a distância mínima de dois metros entre elas, dando preferência à entrega a domicílio (delivery)” 8.

Os decretos emitidos pela prefeitura geraram algumas resistências de setores da cidade, sobretudo aqueles vinculados ao comércio. Estes protestos se tornaram mais veementes após o pronunciamento realizado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 24 de março, no qual classificou a Covid-19 como uma “gripezinha” e orientou a população para a volta à “normalidade”. No dia 29 de março foi realizada uma carreata na cidade, com aproximadamente 120 veículos, entre carros e motos, organizada por movimentos como “Direita Minas”, “Direita Vive!” e “Família de Direita”, apoiando a reabertura do comércio e a campanha “O Brasil não pode parar”, estimulada pelo governo federal9. Porém, essas manifestações não alteraram a estratégia da prefeitura no combate ao Covid-19, que continuou defendendo, ao longo dos últimos dias, o isolamento social, inclusive com ações como cercar o mais tradicional espaço público da cidade – Parque Halfeld – para evitar a concentração de pessoas no local, sobretudo idosos10.

Em consonância com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos profissionais de saúde e dos especialistas da área, bem como da Secretaria Estadual da Saúde – que defendeu a manutenção das recomendações do isolamento social até dia 13 de abril11 –, a prefeitura decidiu manter a orientação anteriormente estabelecida. Em reunião com entidades patronais realizada no dia 1º de abril, o prefeito Antonio Almas estabeleceu a manutenção das restrições ao funcionamento dos estabelecimentos comerciais e de serviços na cidade até dia 30 de abril, prazo este previsto como o pico de casos de coronavírus na cidade 12.

Um aspecto importante a ser destacado é que em reunião realizada no dia 1º de março, com a presença do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Superintendência Regional de Saúde de Juiz de Fora, além de órgãos e instituições de saúde de cidades da região, Juiz de Fora passou a ser definida como cidade de referência da Zona da Mata no combate e tratamento do Covid-19. Três hospitais da cidade foram escolhidos como referência – Hospital e Maternidade Santa Therezinha de Jesus (HTMJ), Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) e Hospital Doutor João Penido –, contabilizando 29 leitos para receber pacientes enfermos.

Além das iniciativas acima mencionadas, a prefeitura de Juiz de Fora vem buscando estabelecer parcerias com empresas da cidade e com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) no enfrentamento à Covid-19. No caso das empresas, vale mencionar, por exemplo, a disponibilização por parte da Unimed-Juiz de Fora do chamado “Disque-Corona”, que funciona 24 horas, incluindo sábados e domingos, e que busca triar, orientar e tirar dúvidas da população sobre a Covid-19. No caso da UFJF, tem sido desenvolvido um projeto em parceria com a prefeitura com caráter colaborativo, inteiramente gratuito, que objetiva “a criação de planos de contingenciamento e definição de diretrizes para o enfretamento à Covid-19”13.

Apesar de todas essas importantes iniciativas realizadas pela prefeitura, é possível identificar alguns problemas e limites na estratégia de enfrentamento à pandemia. Em primeiro lugar, embora a prefeitura tenha estabelecido medidas para promover o isolamento social, a fiscalização não parece estar funcionando a contento, com a manutenção de alguns estabelecimentos comerciais abertos e com uma presença considerável de pessoas nas ruas. Além disso, no que concerne mais diretamente ao atendimento dos enfermos, tem sido frequente a denúncia por parte dos profissionais da saúde da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) em hospitais da cidade, como o HPS e o Hospital Doutor João Penido14. Nesse sentido, vale ressaltar que o sistema público de saúde do município padece de um problema histórico de sucateamento e sub financiamento, cujas consequências ficam exacerbadas em momentos como este que estamos atravessando. Outra questão que parece ainda não ter ganhado destaque nas diferentes iniciativas realizadas pela prefeitura diz respeito a quais políticas públicas serão direcionadas para as periferias e bairros mais pobres da cidade, bem como para a população de rua, que vem crescendo significativamente ao longo dos últimos anos.

Conforme destacado no início deste texto, o enfrentamento a uma pandemia como a Covid-19 exige que políticas públicas sejam elaboradas e postas em prática em um curto espaço de tempo. Ainda que a prefeitura de Juiz de Fora venha mostrando até o presente momento seriedade e responsabilidade na condução deste processo, é importante que as medidas sejam tomadas em um diálogo democrático com a população, com setores organizados, com empresas e com especialistas diversos, aproveitando o potencial de uma instituição como a UFJF, que vem desenvolvendo iniciativas importantes relacionadas ao enfrentamento à Covid-19 15. Além disso, é fundamental que seja assegurada a proteção dos profissionais da saúde e de outros trabalhadores que não têm condições de permanecerem nas suas casas. Por fim, é importante que a prefeitura priorize também em suas iniciativas uma agenda social orientada a proteger aqueles segmentos mais vulneráveis da cidade.


Sobre ações desenvolvidas pela UFJF, consultar: 15https://www2.ufjf.br/noticias/2020/03/26/contra-o-coronavirus-informacao/

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