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NEPOL UFJF

João Pessoa no enfrentamento à Covid-19: ações e desafios para a gestão municipal

Lizandra Serafim (1)

Professora do Departamento de Gestão Pública

Universidade Federal da Paraíba


João Pessoa, capital do estado da Paraíba, tem população estimada em 809.015 pessoas (IBGE, 2019) e PIB per capita de R$ 24.319,82 (IBGE, 2017). A inserção no mercado de trabalho é precária: 12,7% de desocupados e 53,1% dos trabalhadores no estado da PB se encontram na informalidade (PNAD Contínua, 2019). 11,59% da população encontra-se na pobreza, e o índice de Gini é 0,623 (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013), um grau de desigualdade preocupante. Em relação às condições de moradia, aproximadamente 41,3% do total de habitações não respeitam os padrões adequados de habitabilidade definidos pela Fundação João Pinheiro (FJP, 2014). João Pessoa é a sede da Primeira Macrorregião de Saúde da PB, e concentrava, em fevereiro de 2020, 2.794 leitos dos 8.171 leitos do estado (da rede pública e privada), seguido por Campina Grande, capital da Segunda Macrorregião de Saúde, com 1.569 leitos (DataSUS, fevereiro/2020) (2). Além disso, dos 918 respiradores do estado da PB, João Pessoa concentrava 419 respiradores e Campina Grande, 134 (DataSUS, fev. 2020) . A prefeitura é ocupada por Luciano Cartaxo, filiado ao Partido Verde desde 2018 (anteriormente ao PSD, 2015-18 e ao PT, 1995-2015), em sua segunda gestão consecutiva como prefeito.


O primeiro caso suspeito de Covid-19 em João Pessoa foi notificado pela em 25 de fevereiro, e o primeiro confirmado data do dia 18 de março. Entre fim de fevereiro e segunda quinzena de março, foram divulgados questionamentos e insatisfações de usuários dos serviços de saúde pública e privada quanto à indisponibilidade de testes na cidade, e levantadas suspeitas de subnotificação dos casos na Paraíba (3).


A Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) se antecipou à confirmação da chegada do vírus ao estado, e adotou medidas de isolamento social desde o dia 13 de março, seguindo as recomendações da OMS. A rede de atenção básica dispunha, nesse momento, de mais de 220 médicos, 206 enfermeiros e mais de 1.300 agentes de Saúde da Família (dados da PMJP). Nesta data foi criado o Núcleo Intersetorial de Prevenção e Cuidados contra a Covid-19, composto pelas secretarias de Saúde, Educação, Infraestrutura, Turismo, Administração, Instituto da Previdência Municipal e Desenvolvimento Social, e integrantes da Vigilância em Saúde.


Entre as primeiras ações empreendidas, inclui-se ações de capacitação das equipes de saúde e dos profissionais da rede municipal de ensino, e a suspensão de férias dos profissionais da saúde. Foram suspensos todos os eventos públicos e tomadas medidas de higienização em locais de grande circulação de pessoas. Foi criada uma Central de Orientações com médicos por telefone, para reduzir o fluxo presencial em equipamentos de saúde. No dia 16 de março, foi estabelecido um protocolo de atendimento em casos de Covid-19, que suspendeu internatos de estudantes, racionalizou as visitas hospitalares e as consultas ambulatoriais dos hospitais, suspendeu as cirurgias eletivas e reservou o isolamento para casos graves de Covid-19 na rede municipal.


Um dia antes da confirmação do primeiro caso da doença em João Pessoa, no dia 17 de março, Luciano Cartaxo decretou situação de emergência e anunciou a suspensão das aulas em escolas e creches por um mês, fechou os espaços públicos municipais e modificou o expediente de servidores, em consonância com as medidas que o governo estadual, membro do Consórcio Nordeste, havia adotado. A PMJP manteve a provisão da refeição diária para 23 mil alunos atendidos nas escolas e creches durante o período de suspensão das atividades.


Em 19 de março, Luciano Cartaxo determinou o fechamento de shoppings, a redução no horário de funcionamento do comércio, iniciou a distribuição de marmitas nos Restaurantes Populares, e destinou R$ 600 mil para instituições de acolhimento de idosos. Em reunião entre governador e prefeitos de João Pessoa e de Campina Grande, foram definidas medidas conjuntas, como a implantação de barreiras sanitárias nos aeroportos e rodovias federais, a interrupção de embarcações turísticas no litoral paraibano, e a suspensão de atividades em academias, ginásios e centros esportivos públicos e privados; além da suspensão de eventos religiosos. Além disso, definiu-se a possibilidade de requisição do usufruto de bens e recursos, em especial de médicos, leitos, materiais, medicamentos, insumos, por tempo indeterminado, e foi firmado o compromisso pelo governo estadual de repasse de recursos federais destinados ao combate ao Sars-Cov-2. O discurso da prefeitura e do governo estadual seguiram alinhados no que se refere à defesa de medidas de isolamento social.


Em 20 de março, o prefeito anunciou a suspensão das atividades do transporte coletivo e estabeleceu linhas de ônibus especiais para profissionais da saúde. Essa foi a medida mais vigorosa de redução do fluxo de pessoas na cidade. Na mesma data, a PMJP estabeleceu o fechamento de bares, restaurantes, lanchonetes, clubes, salões de beleza, clínicas de estética, casas noturnas, de festas e de espetáculos.


Em 22 de março, em videoconferência com o presidente da República e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, solicitada pela Frente Nacional de Prefeitos, da qual Luciano Cartaxo é vice-presidente de regiões metropolitanas, o prefeito solicitou a estruturação de um cronograma de distribuição e chegada de respiradores, monitores e equipamentos de proteção individual (EPI) para abertura de novos leitos, e solicitou o pagamento do teto financeiro dos hospitais filantrópicos e privados. O prefeito defendeu publicamente a renda básica para trabalhadores informais anunciada pelo governo federal e declarou que aguardava liberação de recursos do governo federal para realizar contratação de novos profissionais de saúde.


No dia 23 de março, a Prefeitura anunciou 367 novos leitos hospitalares no combate à Covid-19, com a reforma e abertura de dois hospitais (HTOP e Hospital 13 de Maio), a contratação de 100 profissionais da saúde e a criação de uma Central de Doações para moradores de rua e idosos em abrigos. Iniciou a entrega de kits de higienização para a população em situação de rua. No dia 27 de março, o prefeito se reuniu com representantes da Fecomércio-PB e SESC para discutir ações conjuntas, e anunciou a liberação de 50 vagas em hotéis da cidade para profissionais de saúde.


O pronunciamento do presidente Bolsonaro contra as medidas de isolamento social no dia 24 de março não surtiu efeito imediato na postura do governo estadual e municipal em João Pessoa. Tanto o prefeito de João Pessoa quanto o governador seguiram fazendo declarações públicas em defesa das medidas em curso. No entanto, o pronunciamento do presidente enfraqueceu a adesão da população e de algumas gestões municipais na PB ao isolamento proposto pelo governo estadual. Foi nítido o aumento do fluxo de pessoas e veículos em João Pessoa a partir desta data. No dia 28 de março, setores empresarias, comerciantes e profissionais liberais realizaram uma carreata para pedir o fim do isolamento social e a volta do funcionamento do comércio e demais atividades econômicas na Paraíba. As manifestações foram rechaçadas pelo governador e pelo prefeito.


Em 31 de março, o prefeito anunciou a campanha #SomosMaisFortes, que envolve medidas visando a garantia de segurança alimentar e nutricional com a arrecadação de alimentos e distribuição de 4 mil cestas básicas destinadas a trabalhadores do comércio informal, catadores, moradores de ocupações irregulares, indígenas venezuelanos, e famílias cadastradas nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). A ação inclui a arrecadação de doações de recursos para o Fundo Municipal de Assistência Social. Na mesma data, foi anunciado pela PMJP o auxílio-aluguel para cerca de 200 pessoas em situação de rua.


As ações tomadas pela PMJP foram consideradas insuficientes por um conjunto de entidades e militantes dos direitos da população em situação de rua que, no início de abril, promoveram uma mobilização e petição pública exigindo mais atenção à população em situação de rua. No dia 11 de abril, o Ministério Público da Paraíba ajuizou uma ação civil pública com pedido de tutela antecipada contra o município de João Pessoa, para obrigá-lo a disponibilizar espaços para acolhimento provisório das pessoas em situação de rua, durante e após a pandemia do coronavírus.


No dia 1º de abril, Luciano Cartaxo determinou a suspensão temporária do pagamento de empréstimos contraídos por 1.462 micro e pequenos empresários junto ao Banco Cidadão da PMJP, a fim de minimizar os efeitos econômicos da pandemia.


No dia 2 de abril, a prefeitura prorrogou a suspensão de transporte público na cidade por mais 15 dias. Em 4 de abril foi confirmada a primeira morte por Covid-19 em João Pessoa. No dia 5 de abril, o secretário de Saúde de João Pessoa, Adalberto Fulgêncio, divulgou um áudio em redes sociais no qual alertava para a existência de transmissão comunitária do vírus, e reforçava a importância do isolamento social. Afirmava, ainda, que o número de casos reais na Paraíba seria dez vezes superior aos efetivamente notificados. A declaração do secretário municipal provocou tensões com o secretário estadual de Saúde, Geraldo Medeiros, que respondeu afirmando que os dados das autoridades sanitárias são confiáveis. O secretário solicitou que o Ministério Público apurasse as possíveis subnotificações no estado, e anunciou que o estado adquiriu 200 mil testes rápidos. No dia 6 de abril, com 27 casos confirmados em João Pessoa e 36 na Paraíba, a prefeitura emitiu decreto de reconhecimento de situação de calamidade pública no município.


Em 6 de abril, a PMJP disponibilizou um aplicativo para servidores municipais e uma página na Internet com informações sobre coronavírus, medidas de proteção e ações da Prefeitura para enfrentamento à pandemia4. Em 7 de abril, a prefeitura lançou edital de contratação temporária de 735 profissionais da Secretaria Municipal de Saúde no combate à Covid-19. Os serviços da rede municipal de saúde passaram por uma reorganização em 14 de abril, com atendimento exclusivo de pacientes com síndrome gripal em duas UPAs. Na mesma data, foram divulgadas denúncias de falta de Equipamentos de Proteção Individual e repouso inadequado no Hospital de Trauma de João Pessoa, apurados pelo Conselho Regional de Enfermagem.


No dia 15 de abril foi lançado pela PMJP o programa “Uma a Mais”, que envolve a produção de máscaras a serem distribuídas para pessoas em situação de vulnerabilidade social e profissionais do SUAS no município. A ação tem o objetivo de fomentar a cadeia econômica de profissionais de costura da cidade.


Em 16 de abril, data em que produzimos este texto, a PMJP divulgou que implementou um sistema de monitoramento do isolamento social por bairro da cidade em parceria com uma empresa pernambucana, e que apenas 47% dos moradores de João Pessoa vem cumprindo o recomendado pelas autoridades de saúde como prevenção ao Sars-Cov-2. De acordo com a PMJP, o sistema contribuirá para nortear as ações de um núcleo de inteligência montado na Secretaria de Planejamento, em articulação com a Secretaria Municipal de Saúde e a Guarda Municipal, para conter aglomerações.


Segundo dados do Painel Coronavírus Brasil, da rede Rede CoVida – Cidacs/Fiocruz Bahia, em 16 de abril havia 124 casos confirmados em João Pessoa, dos 165 em todo o estado; e 16 óbitos em João Pessoa, dos 24 em todo o estado, com projeção de crescimento vertiginoso nos próximos dias, chegando a 428 casos em uma semana5 . Segundo dados da PMJP, 37 bairros de João Pessoa (58% do total de bairros) contabilizaram até então pelo menos um caso, atingindo todas as zonas da cidade, em franco processo de transmissão comunitária. Estamos vivenciando o período de pico de contágio no estado.


Fato recente e preocupante foi o anúncio do prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues, de um pacote de ações e condições para a retomada gradual e experimental das atividades econômicas em Campina Grande, a partir do dia 20 de abril, envolvendo a distribuição em massa de máscaras e o isolamento de pessoas dos grupos de risco. Essas medidas, tomadas em um importante município do estado, podem contribuir para colocar em xeque as medidas de isolamento social nas cidades paraibanas e gerar uma demanda ainda maior pelos serviços de saúde, com a disseminação acelerada da doença.


Considerando as ações estabelecidas pela PMJP e pelo governo do estado até o presente momento para enfrentamento ao Sars-Cov-2, elencadas acima, observamos que a presente crise requer o aprimoramento dos mecanismos de geração de dados em tempo real, e integração de sistemas de informação no estado, além do estabelecimento de arranjos de governança multinível.


Governos municipal e estadual encontram-se diante do desafio de estabelecer medidas urgentes que garantam ao máximo o cumprimento de medidas de isolamento social pela população. A gestão municipal segue reforçando, através de pronunciamentos, monitoramento, fiscalização e novas ações de conscientização da população utilizando carros de som, a importância do cumprimento do isolamento social. Os agentes comunitários de saúde (ACS) são peça fundamental para o estabelecimento de estratégias preventivas de sucesso nos territórios, mas não foi possível obter informações sobre como tais agentes estão engajados nas ações estabelecidas pela PMJP.O isolamento social em nível desejável (mínimo de 70% segundo a OMS) não será atingido sem o estabelecimento de ações mais consistentes voltadas à parcela da população que se encontra na informalidade (mais da metade dos trabalhadores!), precariedade do trabalho e das condições de moradia (áreas de risco). A crescente parcela da população em situação de alta vulnerabilidade tem condições insuficientes de cumprir o isolamento social, seja pela dependência da venda diária de produtos e serviços, o que requer seu deslocamento pela cidade, seja pelas condições precárias de saneamento, estrutura física e higiene no ambiente doméstico. As ações de proteção social efetivadas até o momento são insuficientes para compensar a redução da renda e o aumento da vulnerabilidade social sofrida por estes grupos no contexto atual.


Outro desafio é incrementar e reorganizar os serviços de saúde no estado e especialmente no município de João Pessoa, capital do estado e responsável por cerca de 25% da capacidade instalada do estado em termos de leitos, tendo em vista a pressão vindoura de demandas provenientes de outros municípios com relaxamento das medidas de isolamento, e estados vizinhos – Pernambuco já se encontra em situação de colapso do sistema, e no Rio Grande do Norte a situação é preocupante.

 

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1Professora do Departamento de Gestão Pública da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), coordenadora do Núcleo de Estudos em relações Estado-Sociedade e Políticas Públicas (NESPP) e pesquisadora do Núcleo de Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável (NPDS-UFPB).2Dados do IBGE: (https://cidades.ibge.gov.br/); Atlas do Desenvolvimento Humano (http://atlasbrasil.org.br/2013/); InfoSaúde PB (http://portal.saude.pb.gov.br/infosaudef/mapsaude.php) e DataSUS (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS).3As informações sobre medidas tomadas pelas gestões municipal e estadual foram obtidas através de consulta às páginas governamentais oficiais e a notícias divulgadas pela imprensa local e nacional.4http://jpcontracovid19.joaopessoa.pb.gov.br/5http://painel.covid19br.org/

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