top of page
NEPOL UFJF

Governador Valadares na pandemia do Covid-19

André Drumond¹

Universidade Federal de Juiz de Fora

Campus Governador Valadares


Localizado na mesorregião do Vale do Rio Doce, no Leste do estado de Minas Gerais, o município de Governador Valadares tinha, em 2019, aproximadamente 280 mil habitantes(2) . Segundo o Censo 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal(3) marcava então 0,727, pouco abaixo da média estadual (0,731). Em sua primeira administração, o Poder executivo municipal tem a frente André Merlo, prefeito filiado ao PSDB.


A primeira medida que encontramos de enfrentamento ao novo Coronavírus na cidade de Governador Valadares teve lugar no dia 14 de fevereiro. Trata-se de reunião da Regional de Saúde de Governador Valadares, que, segundo nota publicada pelo governo do Estado de Minas Gerais, contou com a participação de coordenadores de Epidemiologia e Atenção básica à saúde de 51 municípios da região leste do estado. Até então, não havia no Brasil registro confirmado de contaminação pelo Covid-19.


Pouco mais de duas semanas depois, no dia 02 de março, a prefeitura municipal divulgaria um primeiro caso suspeito de Covid-19 – uma pessoa que teria retornado da Europa na véspera. Embora a suspeita fosse mais tarde descartada, em dois dias já teria lugar um treinamento aos funcionários do aeroporto da cidade, conduzido pela Gerência de Vigilância Sanitária. No dia 06 de março a prefeitura criaria o “Comitê de prevenção e controle em relação ao Coronavírus”.


Nas semanas posteriores do mês de março, temos uma espécie de aceleração do tempo, e nelas percebemos a adoção de ações institucionais mais incisivas. Em primeiro lugar, uma corrida contra o tempo por parte das autoridades. À declaração de pandemia feita pela Organização Mundial de Saúde, no dia 11, segue-se a declaração estadual de estado de emergência em saúde, no dia 13/03. Nesse mesmo dia a prefeitura de Governador Valadares publica um decreto (n. 11.119) que inicia a preparação de seus equipamentos de saúde para lidar com a iminente chegada do vírus. Igualmente, são tomadas as primeira medidas visando isolamento social.


No dia 18 de março são publicados dois decretos. No primeiro (n. 11.122), dispõe-se sobre capacitação de médicos plantonistas no pronto socorro. No segundo (n. 11.123) é feita a declaração de situação de emergência de saúde pública, e consigo, além da regulação de medidas de sanitização de espaços públicos, também a suspensão de eventos públicos promovidos pela administração municipal, assim como de alvarás para realização de eventos privados, além da interrupção de atividades em museu, centro cultural, parques e biblioteca pública. E, além desses, também a suspensão de atividades nas escolas e creches até 31/03 – suspensão que, mais tarde, veio a ser declarada por prazo indeterminado.


Em 20 de março, em um novo decreto (n. 11.126) a prefeitura suspende atividades de comércio varejista e atacadista no município. Três dias depois, medidas complementares são publicadas (decreto n. 11.127), incluindo a suspensão de eventos ou reuniões presenciais de quaisquer natureza – incluindo explicitamente as reuniões religiosas – com mais de trinta pessoas.


Segundo o 15o. Boletim epidemiológico divulgado pela prefeitura de Governador Valadares (em 31/03), o município encerrou o mês de março com dois casos do Covid-19 confirmados, 36 descartados, e 428 em investigação.


Mas os ventos de abril soprariam em outra direção. É difícil estabelecermos relações de causalidade, mas em 24 de março o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) falaria em rede nacional contra as medidas de isolamento social, menosprezando os efeitos da doença (qualificados como o de uma “gripezinha”) e reclamando a volta à normalidade. Quatro dias mais tarde, a cidade de Governador Valadares, cujo eleitorado favorável a Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018 somou pouco mais de 70% dos votos válidos, veria uma carreata de “apoio ao isolamento vertical”(4) – conforme panfleto usado para divulgação em redes sociais.


Tendo em vista a falta de ação do governo federal, no sentido de aliviar os efeitos sociais e econômicos do isolamento horizontal(5) , não tardaria o desgaste das medidas tomadas – que passariam a, em Abril, ser gradualmente relaxadas.


Em 03 de abril o decreto n. 11.134 autorizou o funcionamento de Feiras livres, embora estabelecendo uma série de cuidados a serem adotados. Três dias depois, novo ato (n. 11.135) introduziu a possibilidade de funcionamento de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços por meio de agendamento prévio – permaneceria vedado, no entanto, a abertura ao público do comércio de alimentos, de vendas em via pública, bem como de cinemas, biblioteca pública, centros comunitários e congêneres. Conforme noticiado pela imprensa local, o Ministério Público do Estado entrou com ação contra esse último decreto – e, em específico, no sentido de rever a possibilidade de funcionamento de academias de ginástica. No dia 11 de abril, a segunda vara cível em Governador Valadares rejeitou a ação do MPE(6).


No dia 16 de abril, um novo decreto (n. 11.140) qualificou a situação do município como de “calamidade pública” em “decorrência dos impactos socioeconômicos e financeiros da pandemia da Covid-19”. No dia seguinte, o decreto n. 11.143 caracterizou a crise do novo Coronavírus no município como uma “epidemia localizada”, recomendando o “distanciamento social seletivo”. Estabelece-se o afastamento de trabalhadores em grupos de risco, assim como se fornece as orientações para higienização e organização da circulação, ora limitada, de pessoas pelo comércio da cidade. Com restrições explícitas a cinema, eventos, e atividades de recreação infantil no shopping center da cidade, assim como ao funcionamento de clínicas de estética, de massagens, e de procedimentos invasivos e minimamente invasivos, de modo geral, o comércio municipal retoma suas atividades – inclusive organizações religiosas podem celebrar reuniões, desde que com distância mínima entre frequentadores, e demais medidas de limpeza e higiene.


Segundo dados do SUS, atualmente Governador Valadares dispõe de 48 leitos de UTI, 22 dos quais pelo Sistema Único de Saúde. Note-se que, em 2010, a cidade dispunha de 30 leitos de UTI, 24 deles acessíveis pelo SUS(7) . Ou seja, em dez anos, enquanto o setor privado passou de 6 para 26 leitos de UTI, o SUS teve sua capacidade reduzida, de 24 para 22 leitos(8).


Segundo a prefeitura de GV, em boletim publicado no dia 22 de abril – terceiro dia de comércio “reaberto” – seriam quatro as mortes por Covid-19 no município, e 12 os casos de contaminação confirmados – o triplo do número de casos confirmados apenas quatro dias antes. Caso existam testes disponíveis – segundo o último boletim epidemiológico, apenas 122 das 847 notificações (14%) emitidas pela rede foram submetidas a investigação – as próximas semanas dirão se a tendência de crescimento exponencial será confirmada ou não.


 

1Pesquisador do Centro de Estudos do Pensamento Político (CEPP-UFJF/GV) e do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbrás-UFMG)



3Índice composto por indicadores de longevidade, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano municipal.


4Medida proposta em que as pessoas em grupo de risco seriam isoladas do restante da sociedade, para diminuir o risco de contágio. Cabe indicar, a título de ilustração, que a população acima de 60 anos em Governador Valadares, no ano de 2009, somava quase 29 mil pessoas.


5Medida recomendada pela OMS, que tem em vista a redução máxima e generalizada do convívio social em espaços públicos ou privados.



7Dados de 2010 e 2020 disponíveis em http://www.datasus.gov.br.


8Em 27 de março a secretaria de comunicação da prefeitura publicou nota dizendo do aumento de leitos dotados de ventilador mecânico na cidade. Segundo a secretaria, já teriam sido disponibilizados 25 novos leitos, e mais 24 estariam por se disponibilizar – quando, e como, não se diz.

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page