top of page
NEPOL UFJF

Florianópolis e as políticas de enfrentamento ao COVID- 19

Gustavo Fernandes Paravizo Mira


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais


Universidade Federal de Juiz de Fora


Apesar das crises enfrentadas pelas democracias liberais e do crescimento do sentimento de rechaço à política no cenário pré-coronavírus, a classe política aparece uma vez mais como elemento central para as tomadas de decisão em meio à pandemia. O contágio massivo pelo novo coronavírus (COVID-19) tem exigido ações imediatas em todo mundo no sentido de mitigar os seus efeitos e, desta maneira, governos estaduais e municipais tem desempenhado papel central na tentativa de atender às demandas mais urgentes da população. Esta situação pode ser observada a partir das medidas adotadas pelo governo de Santa Catarina e, especialmente, pela Prefeitura de Florianópolis.

Com estimativa populacional de 500.973 habitantes 1 , o município é parte da Região Metropolitana de Florianópolis, a qual possui o melhor IDHM entre as vinte analisadas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano da ONU. De acordo com o Estudo de Demanda Turística Internacional realizado pelo Ministério do Turismo, Florianópolis foi a segunda cidade brasileira mais visitada em 2018. Em janeiro de 2020, o aeroporto registrou alto fluxo de pessoas com aproximadamente 432 mil embarques e desembarques e 15.262 pousos e decolagens 2 .

Florianópolis foi uma das primeiras capitais no Brasil a anunciar medidas de isolamento social na tentativa de diminuir os efeitos iniciais e o avanço da pandemia. A divulgação de dois casos de COVID-19 no município, no dia 12 de março, provocou uma série de medidas por parte Executivo Municipal. Segundo o Diário Oficial do Município, o primeiro decreto 3 editado pelo prefeito Gean Loureiro (sem partido), em 13 de março, recomendou que pacientes com sintomas respiratórios permanecessem em casa e que idosos e pacientes de doenças crônicas evitassem aglomerações. Também ficou estabelecido que eventos em espaço aberto ou fechado, onde a distância recomendada de dois ou mais metros entre as pessoas não pudesse ser respeitada, deveriam ser adiados ou cancelados. Neste mesmo decreto, Loureiro determinou a criação do programa “Alô, Saúde”, voltado para o atendimento pré-clínico dos pacientes com suspeita de contaminação, e estabeleceu que comerciantes que praticassem aumentos injustificados nos preços de produtos de combate à doença teriam seus alvarás de funcionamento cassados.

As restrições estabelecidas no primeiro momento, no entanto, foram endurecidas pelo Executivo Municipal três dias mais tarde em novo decreto 4 editado em 16 de março. Entre as medidas, observamos a suspensão das aulas da rede pública e privada de ensino e de visitas a museus, teatros, cinemas e bibliotecas por 14 dias; a limitação às atividades de vários setores do serviço público; a recomendação à iniciativa privada de afastamento laboral sem perda salarial para os trabalhadores; entre outras orientações de higiene e limpeza para estabelecimentos e espaços de circulação de pessoas. Estas ações foram divulgadas, no entanto, após confirmação de manutenção das aulas pelo governo do estado em aparente descoordenação entre os Executivos Municipal e Estadual. Horas mais tarde, o governo estadual anunciou a suspensão das atividades escolares em todo o estado 5 .

Em entrevista coletiva para anunciar as ações, o prefeito afirmou à imprensa que não permitiria que ocorresse situação parecida com a da Itália na cidade, para evitar, no limite, “ter que escolher quem vai morrer” 6 . Segundo ele, o número de leitos e respiradores em Florianópolis seria insuficiente. De acordo com o DATASUS, o município possuía em fevereiro de 2020, momento anterior à confirmação de casos de COVID-19 no estado, 281 leitos de UTI, sendo 145 na rede privada e 135 na rede pública; ao todo 382 respiradores, dos quais 358 estavam em uso, ou seja, um total de menos de 5% dos equipamentos estavam disponíveis para uso imediato.

Após o anúncio da primeira morte no Brasil, o registro de sete casos em Santa Catarina e a confirmação da transmissão comunitária no estado, em 17 de março, os Executivos Estadual e Municipal decretaram estado de emergência em saúde pública. De acordo com o decreto 7 municipal, o poder público foi autorizado a adotar medidas para a realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e tratamentos médicos como isolamento e quarentena. Também foi concedida aos agentes públicos a possibilidade de “penetrar nas casas, a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo sem o consentimento do morador, para prestar socorro ou para realizar o atendimento de saúde necessário”, além de “realizar exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver”. O decreto também instituiu a “Sala de Situação” – espaço utilizado por representantes das secretarias e da sociedade civil para monitorar e avaliar as medidas adotadas durante o estado de emergência. Além disso, a Câmara Municipal também anunciou a redução de suas atividades.

Com cinco casos confirmados em Florianópolis em 19 de maio, o prefeito editou novo decreto 8 . Desta vez, as medidas afetaram a entrada e a circulação de ônibus, micro-ônibus e vans e demais tipos de transporte coletivo e turístico pelas pontes que dão acesso à cidade. O Executivo também proibiu por sete dias a circulação individual e coletiva nas areias das praias – ação inédita e que resultou em ações similares em cidades costeiras brasileiras –, com a possibilidade de punição em caso de descumprimento. Somaram-se a essas ações a interrupção dos prazos administrativos de processos e atos como notificações e intimações. A prefeitura também anunciou ação conjunta entre as secretarias para oferecer espaços para alimentação, higienização e pernoite para as pessoas em situação de rua.

Em 24 de março, Gean Loureiro assinou decreto 9 contingenciando 34,69% dos recursos próprios do orçamento municipal. Na peça, o prefeito afirmou que a medida considerava a possibilidade de queda na arrecadação e a necessidade de manutenção do equilíbrio fiscal nas contas públicas – o que poucos jornais locais registraram. O fato que mais chamou a atenção da opinião pública, no entanto, foi o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Sua fala em rede nacional despertou reações diferentes a nível estadual e municipal, que acabaram por opor momentaneamente o prefeito Gean Loureiro e o governador Carlos Moisés (PSL). Em tom belicoso, Bolsonaro defendeu a “volta à normalidade”, indicou a governadores e prefeitos o fim do “confinamento em massa” e classificou o coronavírus como uma “gripezinha”. Na manhã do dia seguinte, 25 dos 27 governadores posicionaram-se contrários às afirmações do presidente, incluindo Carlos Moisés, que indicou a extensão do período de quarentena por mais sete dias e se disse “estarrecido” 10 . No entanto, em 26 de março, Moisés – que cumpre seu primeiro mandato eletivo – voltou atrás e anunciou um plano de retomada gradual das atividades econômicas e das medidas de isolamento, segundo ele, depois de receber mais de 300 sugestões de grupos de empresários e entidades representativas do setor 11 .

Neste cenário de mudança de posição do governador e o registro de 20 casos em Florianópolis, o prefeito Gean Loureiro, em 27 de março, foi às redes sociais e demonstrou posição contrária ante às medidas. Segundo ele, o isolamento social não seria suficiente por si só para combater o vírus, mas suspender a quarentena, por sua vez, “não era a melhor estratégia” 12 . O prefeito anunciou a prorrogação da quarentena e hashtags como #SCNãoQuerMorrer passaram a figurar entre os assuntos mais comentados no Twitter.

Diante da reação negativa de diversos setores, Moisés também sinalizou nas redes sociais que voltaria atrás na decisão de retomar as atividades no estado. Em 30 de março, após reunião com prefeitos e registro de 197 casos em Santa Catarina, o governador decidiu adiar a retomada gradual e decretou a prorrogação das medidas estabelecidas anteriormente até 7 de abril13. No mesmo dia, a Prefeitura de Florianópolis anunciou intenção de comprar 150 mil testes rápidos e o desenvolvimento de um aplicativo que seria utilizado para avisar a grupos de risco por SMS sobre a presença de contaminados em um raio de 200 metros 14.

Em 2 de abril, o prefeito assinou novo decreto 15 no qual estabeleceu a redução de seu salário (30%), dos secretários municipais (20%), do presidente da Câmara (30%) e dos vereadores (20%) por um período de dois meses. A medida, anunciada em conjunto com a Câmara, teve como objetivo direcionar os recursos economizados ao Fundo Municipal Emergencial de Defesa Civil para a compra de cestas básicas e equipamentos de proteção para os servidores públicos que atuam no enfrentamento da pandemia. A prefeitura também informou que a população poderia agendar a entrega de cestas básicas por telefone através dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS)16 .

Entre 13 de março e 3 de abril, verificamos que houve grande volume de decretos, especialmente no nível municipal, na esteira do aumento dos casos confirmados de COVID-19 no estado de Santa Catarina e no município de Florianópolis. Prefeitura e Governo do Estado atuaram em timing semelhante ao decretarem o estado de emergência em saúde pública, embora tenham ocorrido divergências após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro. Também vale ressaltar que ambos intensificaram o uso das redes sociais na divulgação das ações. Diante das dificuldades que já afetavam os munícipios antes da pandemia 17 e dos desafios posteriores à chegada do COVID-19, o Executivo Municipal parece ter reagido rapidamente ante ao cenário a partir das ferramentas disponíveis: decretos, comunicação e articulação política. Resta saber, no futuro, se as medidas terão os efeitos esperados.

 

Acompanhe a série de artigos do Nepol

 

17Vários estados e municípios enfrentaram recentemente um surto de sarampo, por exemplo. Mais detalhes em: https://bit.ly/3dSqfDF.

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page