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NEPOL UFJF

Eleições Municipais de 2020 – A derrota dos outsiders?

Helcimara Telles


As eleições municipais de 2016 foram mais pulverizadas que as anteriores, em termos do número de partidos que ofereceram candidatos a vereador, e foram, ainda, muito mais imprevisíveis. A incerteza sobre os resultados pode ser encontrada em razões conjunturais. Não se sabia como os eleitores agiriam diante de uma situação em que a avaliação dos líderes políticos nacionais e estaduais era muito ruim, o que reduzia a capacidade deles de transferirem seu prestígio aos candidatos a prefeito que apoiavam. A percepção do público sobre a economia era muito negativa, o que tende a contribuir para a má avaliação de prefeitos, o que restringe o voto retrospectivo. E, além disso, as atuações das operações da Lava Jato, que promoviam a narrativa anti-política em suas ações e na cobertura dos meios de comunicação, impactaram a confiança nos partidos e nas elites políticas. 


Os pequenos partidos aproveitaram-se desta janela de oportunidades e lançaram candidatos inéditos para o pleito majoritário e proporcional. Nestas eleições, outsiders filiados a pequenos partidos foram escolhidos pela população de diversas cidades brasileiras, e os políticos valeram-se de discursos antipolítica e populistas, num panorama de insatisfação com as instituições representativas e de afastamento dos eleitores dos partidos políticos. Ademais, desde 2014, boa parte dos cidadãos passou a repelir o PT e, consequentemente, o antipetismo e o anti-partidarismo reativo se alargaram.


O descontentamento com partidos e seus parlamentares enfraqueceu a preferência partidária e a participação eleitoral, bem como o número de votantes que validaram seu voto nas eleições municipais, em geral. A baixa identificação partidária é consequência da menor relevância do elemento programático nos partidos, embora seja possível existir casos de alta preferência pelos partidos em ocasiões de escassa estruturação programática. Nestes casos, a conexão com os partidos teria uma origem clientelista ou personalista (Ruiz, 2015). Em sistemas partidários com menor estruturação programática são observados simultaneamente eleitorados mais voláteis.

 

O descrédito nos partidos provoca distanciamento dos eleitores das legendas, o que aumenta a volatilidade e se traduz, muitas vezes, em anti-partidarismo reativo e apoio a outsiders e a líderes com narrativas anti-política. Quando os vínculos entre os cidadãos e os ocupantes de cargos públicos são debilitados, os médios passam a ser um importante atalho para a decisão de voto, pois são eles que interpretam a política. Por outro lado, os líderes populistas ao mesmo tempo se utilizam das mídias para a comunicação direta com o público. 


Populismo, populistas e outsiders são temas bastante controversos e não consensuais na literatura. Outsiders são aqui considerados como candidatos com estilos e discursos anti-partidários, que aspiram a cargos representativos e que participam das eleições sem o apoio de um importante partido nacional em que tenham desenvolvido suas carreiras políticas e fora dos tradicionais canais partidários. Os outsiders detêm capital convertido, que é definido como a confiança posta no político que procede, paradoxalmente, do fato de ele não demonstrar seu pertencimento ao campo da política. 


Contudo, se os outsiders já se arriscaram outras vezes para acessar cargos políticos, por qual motivo, recentemente, tiveram sucesso nas eleições municipais? No Brasil, uma das respostas para o êxito dos outsiders e do capital convertido se deve à combinação entre a baixa estruturação programática dos partidos (estrutural), a precária institucionalização do sistema partidário (estrutural) e os escândalos políticos midiáticos de corrupção (contextual). 


O Brasil não atende a todo o conjunto dos itens anteriores, que são condições necessárias (mas não suficientes) para a institucionalização do sistema partidário, sobretudo, naquelas categorias que supõem a estabilidade nas preferências partidárias e a concordância da opinião pública de que os partidos são os legítimos intermediadores entre Estado e sociedade. O desalinhamento do sistema partidário, que potencializa o aparecimento de outsiders, foi acentuado no Brasil a partir de 2014. Os movimentos ocorridos no período de julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff, entre 2015 a 2016, instituíram uma síndrome de percepção negativa sobre os atores políticos e as instituições, além de cinismo, indiferença e afastamento da política. Do mesmo modo, o desencanto com os representantes e autoridades políticos foi reforçado pelo recall das notícias negativas nos meios de comunicação — economia e corrupção. Nos protestos anti-governo, o “povo” se via como o principal ator, em decorrência dos discursos positivos sobre o impeachment e os protestos favoráveis a ele, bastante disseminados nas mídias sociais e tradicionais, através de textos e imagens que reconstruíam as “vozes” das ruas (Telles, Fraiha e Lopes, 2016).


Posto este cenário de 2016, a pergunta aqui é: os outsiders continuarão a ter êxito nas eleições de 2020, tanto em prefeituras quanto em câmaras municipais? Acredito que não e elenco algumas razões, brevemente, que poderão ser exploradas a contento em outras oportunidades: 


(a) a apatia política domina a opinião pública, pouco mobilizada e ainda mais descrente nos agentes políticos; 


(b) a conjuntura pandêmica passou a valorizar a função do Estado, com a aparente falência atual do discurso neoliberal de Estado mínimo, em função da necessidade de políticas públicas de saúde; 


(c) as coligações proibidas no plano proporcional levaram à fragmentação da disputa eleitoral e podem dificultar a entrada de novos atores no mercado político. 


Como consequência de a e c, aumentam as chances de êxito dos profissionais da política que já possuem recursos políticos e financeiros e que já mobilizam sua clientela durante o mandato. Ademais, com a dificuldade de mobilização (apatia política) e de aglomeração (normas sanitárias), outsiders têm menor chance de alcançarem parcelas significativas do eleitorado – exceto os candidatos milionários, que cresceram bastante nesta eleição. Mas, candidatos milionários – estes sim – podem levar a outra hipótese: a entrada de outsiders que contam com recursos financeiros próprios. 


Candidatos podem ser milionários devidos aos seus méritos, herança, etc. ou podem ser considerados milionários quando se estruturam em organizações ricas e independentes dos partidos – como as igrejas evangélicas, que estão se enraizando cada vez mais na política eleitoral, lançando candidatos em partidos não cristãos, mas se organizando em bancadas da fé e da família, após as eleições. Estes grupos têm chances reais de eleger outsiders com alcunhas religiosas, pois não dependem dos recursos do financiamento público de campanha e, ainda assim, através de recursos para contratação de agencias de comunicação que monitoram, publicam e impulsionam mídias sociais, serviços estes cada vez mais caros e especializados. 


Nota-se, ainda, nas eleições de 2020 a presença de candidatos da área de saúde. Como se sabe, a pandemia alçou estes profissionais a heróis da pandemia e isso impactou diretamente no número de recrutados da área, como candidatos a cargos proporcionais por diversos partidos, se opondo à narrativa anti-ciência de setores ultradireitistas. Grande parte destes candidatos  pode estar sendo apoiado por sindicatos e/ou associações para se opor ao negacionsmo científico dos demais partidos e disputarem a partir da valorização do Estado e do Sistema Único de Saúde (SUS). 


É bom recordar que também aumentou significativamente o número de candidatos religiosos, fenômeno já detectado nas eleições de 2016. Também por força da mudança das regras eleitorais no que tange à obrigatoriedade de candidatos negros e devido à agenda antirracista global, candidatos vinculados a partidos e movimentos sociais podem aumentar a sua presença no parlamento local. Já se sabe que eles aumentaram significativamente, resta saber se conseguirão transformar este elevado número de candidatos negros em votos e tais votos em cadeiras já que grande número de pretos e pardos disputam por partidos pequenos e não-coligados. 

  

Desta forma, as campanhas baseadas em temas morais e comportamentais, identitários, saúde e Estado poderão ser recorrentes em 2020, e o tema da corrupção tende a se esvair, sobretudo pela sua rotinização e empecilhos encontrados pela Lava Jato, que foi esvaziada moral e organizacionalmente – ao contrário do ocorrido em 2016, quando as eleições ocorreram sob o signo da mudança e do lavajatismo. 


Recursos financeiros próprios e/ou advindas de organização não-partidárias e mídias sociais serão elementos fundamentais para as eleições de 2020. Neste cenário, adiciona-se a probabilidade de elevada abstenção (apatia + pandemia), comparecimento de eleitores mais interessados e ativistas na política, coligações proporcionais proibidas e alta fragmentação eleitoral que, juntos, poderão levar à menor renovação nas câmaras municipais do país e à redução dos partidos efetivos nas respectivas câmaras. 


Conclui-se que experiência como profissional da política e cargos de representação (capital delegado), tendem a se sobrepor sobre o capital convertido e os outsiders poderão vir a ser derrotados, i.e,  ter menor êxito que nas eleições de 2016, – excetuando-se, talvez, os “milionários”, os ricos e os com recursos de Igrejas. 


 

Helcimara Telles é professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais. @maratellesral


 

Referências


LAVAREDA, A; TELLES, H. Eleições municipais: Novas Ondas na política. Rio de Janeiro: FGV, 2020. 


RUIZ, L. Oferta partidista y comportamiento electoral en América Latina. In: TELLES, H.;

MORENO, A. El votante latinoamericano: comportamiento electoral y comunicación política. Cidade do México: Centro de Estudios Sociales y de Opinión Pública, 2015.


TELLES, H: FRAIHA, P.; LOPES, N. Escândalos midiáticos de corrupção e pragmatismo: campanhas e voto para prefeito em Belo Horizonte. In: LAVAREDA, A.; TELLES, H. (Org.). A lógica das eleições municipais. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016. v. 1.. p. 203 – 248

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