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Eleições em Juiz de Fora: disputa pode ser definida de forma inédita no primeiro turno

Atualizado: 18 de set.

Camila Miranda Evangelista 

Gustavo Paravizo 

 

A legislação eleitoral estabelece que municípios com mais de 200 mil eleitores devem realizar segundo turno caso nenhum(a) candidato(a) obtenha a maioria dos votos válidos na eleição majoritária em primeiro turno. Entre os 5.570 municípios brasileiros, apenas 95 atendiam ao critério estipulado pela lei em 2020, sendo que em 57 deles a disputa foi para o segundo turno, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Destaca-se o caso de Juiz de Fora, importante município de Minas Gerais localizado na Zona da Mata, onde é frequente que a eleição municipal seja decidida no segundo turno. Neste artigo, apresentamos um histórico da competição eleitoral pelo Executivo na cidade, discutimos as estratégias dos candidatos e candidatas na disputa em 2024 e a possibilidade de reeleição em primeiro turno da atual prefeita, Margarida Salomão (PT), no quarto maior colégio eleitoral do estado. 


Prédio da Prefeitura de Juiz de Fora. Foto: PJF.

 

Histórico de competição no segundo turno em Juiz de Fora 

 

A disputa pela prefeitura de Juiz de Fora tem seguido um roteiro semelhante desde a redemocratização: para conquistar a cadeira de prefeito, os candidatos precisam garantir um bom desempenho para superar a barreira do primeiro turno e chancelar a vitória no segundo. A competitividade na disputa pelo Executivo Municipal chama a atenção, por um lado, pelo fato de a cidade nunca ter definido seu prefeito em primeiro turno. Entre 1992 e 2016, Juiz de Fora foi governada por quatro mandatários de três partidos distintos, sendo que apenas dois deles se reelegeram: Tarcísio Delgado e Bruno Siqueira, ambos pelo PMDB. Por outro lado, a vitória de chefes do executivo nos últimos anos foi conquistada por uma pequena diferença. Vejamos alguns exemplos de votação em segundo turno no Gráfico 1. 

 

GRÁFICO 1 – PERCENTUAL DE VOTOS VÁLIDOS NO SEGUNDO TURNO EM JUIZ DE FORA (1992-2020) 

GRÁFICO 1 – PERCENTUAL DE VOTOS VÁLIDOS NO SEGUNDO TURNO EM JUIZ DE FORA (1992-2020) 

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 

 

Tomando por base a série histórica, é possível notar que a primeira vitória em segundo turno na cidade foi conquistada por Custódio Mattos (PSDB) sobre Tarcísio Delgado (PMDB) em 1992. À época, o tucano venceu por uma estreita margem de 3%. Ainda mais apertada foi a vitória de Alberto Bejani (PTB) sobre Custódio Mattos (PSDB) em 2004, com uma diferença de 0,67%. Em 2008, Custódio Mattos (PSDB) repetiu a escrita ao receber 51,82% dos votos, menos de 2% a mais que sua concorrente, Margarida Salomão (PT). Também houve momentos de maior diferença entre os candidatos, como nas eleições de 1996, na qual Tarcísio Delgado (PMDB) recebeu 60,07% dos votos e derrotou Alberto Bejani (PFL). Contudo, a diferença entre as candidaturas nunca foi superior a 10% dos votos. 

 

O cenário das eleições municipais de 2024 e os principais concorrentes 

 

Em 2024, porém, existe a possibilidade de que o padrão de vitória no segundo turno seja desafiado pela atual prefeita, Margarida Salomão (PT). Sondagens apontam que a ex-deputada federal pode se reeleger ainda no primeiro turno nestas eleições. Segundo dados da pesquisa MDA, divulgada no dia 5 de setembro, Margarida aparece em primeiro lugar com 45,8% das intenções de voto. Com margem de erro de 3,4%, o levantamento mostra que a professora pode ultrapassar os 50% necessários para decidir a disputa em 6 de outubro, feito que seria inédito na história política da cidade.  

 

Após superar divergências partidárias na escolha do candidato a vice-prefeito, Marcelo Detoni (PSB) – ligado ao deputado estadual Noraldino Júnior (PSB) e desafeto de alas do PT municipal –, a campanha está focada em discutir as políticas públicas implementadas nos últimos anos e temas que ainda merecem atenção do mandato, como as filas no atendimento em hospitais, contas públicas e mobilidade urbana, entre outros. A cidade, que é prioridade do PT no estado, assim como Contagem, recebeu ainda na pré-campanha a visita do presidente Lula, e mais recentemente, da presidente do PT, Gleisi Hoffman. A candidatura, entretanto, tem adotado a estratégia de não nacionalizar a disputa em torno da imagem do presidente no primeiro momento.  

 

Os principais adversários da candidata estão no campo da direita e adotam tom crítico ao mandato nos eventos campanha. Destaca-se Ione Barbosa (Avante) que atualmente tem 15,8% das intenções de voto. Delegada de polícia de ofício, Ione alcançou o terceiro lugar nas eleições municipais de 2020 quando se colocou como alternativa à Margarida Salomão e Wilson Rezato. Em 2022, elegeu-se deputada federal associando-se ao bolsonarismo com ênfase na temática da segurança pública. Neste ano, Ione apoia-se no capital político adquirido entre mulheres, evangélicos e bolsonaristas nos últimos pleitos. Há a tentativa, porém, de se distanciar do conservadorismo da direita radical para atrair eleitores de centro, sobretudo nas fileiras antes ocupadas por PSDB e MDB, cuja capacidade de propor quadros e conduzir a disputa local tem se reduzido no período recente. 


Mais uma vez, o tema central da campanha de Ione é a segurança pública – tópico conhecido pela delegada, que até pouco tempo utilizou sua patente na Polícia Civil como nome de urna –, embora outros assuntos importantes para os brasileiros, como a saúde e a educação, e pautas caras à esquerda, como os direitos das mulheres, também tenham espaço. Em razão do caráter estratégico da candidatura e do peso do colégio eleitoral juizforano, os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado, e de Minas Gerais, Romeu Zema, cotados à presidência da república em 2026, visitaram a cidade em apoio à Ione pouco antes das denúncias de fraude no registro do candidato a vice-prefeito, Franscisco Manfrini (União Brasil). 


Outra candidatura que pode se tornar competitiva é a de Charlles Evangelista (PL), atualmente em terceiro lugar, com 11,1%. Sua campanha tem investido em uma estratégia que mescla preocupação com pautas sociais, como a situação da população de rua, e propostas vinculadas ao ideário liberal, como a redução dos gastos públicos e a criação de parcerias público-privadas na área da saúde. Na segurança pública, a candidatura repete a pauta Lei e Ordem ao defender o armamento da Guarda Civil Municipal (GCM), assim como tem ocorrido em diversas capitais e municípios brasileiros. Nota-se, também, que temas ligados ao conservadorismo moral, frequentes nas redes de Evangelista antes da pré-campanha, como a chamada “ideologia de gênero”, acabaram esvaziados na agenda do candidato.


A tentativa de associar Margarida Salomão a Lula demonstra o interesse de Evangelista em nacionalizar a disputa no município, o que também ficou evidente com a entrada de Bolsonaro e parlamentares do PL, como Nikolas Ferreira, Maurício do Vôlei e Flávio Bolsonaro. Todos eles estiveram Juiz de Fora, em 6 de setembro, para prestigiar a campanha do candidato e celebrar o aniversário de seis anos do atentado contra o ex-presidente na campanha eleitoral de 2018. Mesmo que não seja bem-sucedida no pleito, a candidatura pode impulsionar o ex-deputado mais uma vez na briga por uma vaga no legislativo em 2026.  


Além dos três candidatos mencionados, também concorre o ex-deputado federal Júlio Delgado (MDB), que aparece em quarto lugar, com 8,4%.  Filho do ex-prefeito Tarcísio Delgado (MDB), que governou Juiz de Fora por três mandatos, Júlio busca resgatar as bases eleitorais ligadas à família com apoio de outro partido tradicional que perdeu espaço e prestígio na cidade: o PSDB. Com o slogan “De volta ao bom caminho”, a campanha de Júlio foca diretamente em sua associação com Tarcísio. As propostas incluem temas gerais, como saúde, educação, segurança pública e melhoria do transporte urbano. Depois de não conseguir se reeleger na disputa pelo legislativo federal em 2022, Delgado aposta suas fichas no “resgate de Juiz de Fora” para voltar a arregimentar apoios e se viabilizar eleitoralmente em outras arenas.  Os outros dois candidatos, Isauro Calais (Republicanos) e Victoria Mello (PSTU) não ultrapassaram os 5% das intenções de voto na pesquisa MDA.

 

Segundo turno e o comportamento dos atores  

 

A análise dos dados eleitorais revela que as eleições para a Prefeitura têm sido decididas somente no segundo turno desde a redemocratização. Conforme vimos, a vitória foi determinada por pequenas diferenças de votos em disputas acirradas em alguns casos. Em 2024, Margarida Salomão pode mudar este padrão. Entretanto, a competição não será fácil e pelo menos um ponto é comum entre os seus opositores neste primeiro momento: as críticas ao seu mandato. Caso o pleito avance para o segundo turno, é provável que o cenário se torne mais hostil, já que as candidaturas à direita tendem a se unir em torno do nome mais competitivo neste flanco. Ione Barbosa é a mais cotada e pode configurar um inédito segundo turno entre duas mulheres na cidade. 


No contexto de fragmentação de partidos tradicionais, como PSDB e MDB, estratégias como a apropriação de temas da agenda nacional e o reforço de vínculos com nomes relevantes na esfera federal demonstram que a nacionalização da disputa ganha contornos específicos para cada candidatura com participação de nomes de peso. Vale notar que os postulantes à prefeitura, apesar do intento de vencer as eleições deste ano, também logram atingir outros objetivos. Negociar apoios em um eventual segundo turno, arregimentar capital político a partir da visibilidade dada às candidaturas e ampliar bases eleitorais para pleitos posteriores também podem ser meios estratégicos para se fortalecer no dinâmico jogo eleitoral brasileiro. 


*Nova pesquisa publicada dia 16 de setembro, confirma o favoritismo da atual prefeita, mas mostra Charlles Evangelista em segundo lugar, à frente de Ione Barbosa.

 

 

 

Camila Miranda Evangelista é jornalista, mestre em Ciências Sociais pela UFJF e doutoranda em Ciências Sociais pela PUC-RJ.

 

Gustavo Fernandes Paravizo Mira é jornalista, mestre em comunicação, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL/PPGCSO/UFJF).

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