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NEPOL UFJF

Eleições 2020: Mais uma etapa na lenta inserção das mulheres na política institucional

Atualizado: 2 de nov.

Denise Paiva


A imprensa e alguns artigos acadêmicos têm ressaltado algumas peculiaridades que caracterizam as eleições municipais deste ano. Talvez o mais marcante seja o contexto da pandemia que resultou no adiamento das eleições, coloca desafios e restrições para a campanha eleitoral e para os Tribunais Regionais Eleitorais que deverão criar condições sanitárias seguras para que o eleitorado possa exercer o direito ao voto em um único dia em todo o território nacional. Outro fator a ser considerado será em que medida tal contexto influenciará ou não o comparecimento às urnas. Acrescente-se ainda se as medidas adotadas pelos/as prefeitos/as no enfrentamento à pandemia serão levadas em consideração na decisão do voto. Esses dois elementos só poderão ser avaliados de forma mais efetiva após as eleições.


Para além das questões mencionadas acima, temos outras inovações como o fim das coligações para as eleições proporcionais. Essa alteração tem como um de seus principais desdobramentos o aumento relativamente expressivo de  candidaturas registradas com vistas a maximizar as chances de cada partido em eleger seus/suas candidatos/as. No entanto há certo paradoxo nessa propalada explosão de candidaturas. De acordo com dados do TSE, em 2016, o total de pedidos de registro de candidaturas para o legislativo municipal chegou a 496.927, já em 2020 foram 551.804, um aumento de 9%, inferior àquele ocorrido em 2012 que foi de 26% em comparação ao pleito anterior.  


Além disso, quando o olhar  se desloca para os partidos individualmente verificamos  que esse movimento não foi uniforme. Alguns partidos como PSDB, DEM, PCdoB, PSOL diminuíram o número total de candidaturas em comparação a 2016. Já PSD, PT, PP e PSL ampliaram suas candidaturas, com destaque para o último que praticamente dobrou  o número de  registro de candidaturas às eleições de 2016.  O PT ampliou em 33% o número de candidaturas registradas para o cargo de  vereador/a1.


Uma  questão que emerge desse cenário de ampliação de candidaturas proporcionais  é que os partidos têm como estratégia, para além das eleições desse ano, ampliar sua capilaridade eleitoral e o apoio de lideranças locais para se posicionarem melhor na disputa eleitoral em 2022. Ademais, entram nesse cálculo os constrangimentos impostos pela cláusula de desempenho que vão se tornando mais  rigorosos a cada eleição. Por conseguinte, os partidos precisarão ampliar e maximizar sua votação para garantir o acesso do Fundo Partidário de ao tempo disponibilizado no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) mais adiante. Resta ainda verificar em medida o realinhamento ou desalinhamento do sistema partidário iniciado em 2018, que impôs derrotas aos partidos tradicionais, se aprofundará em 2020 ou não. Tradicionalmente, desde a redemocratização, o MDB tem liderado as eleições locais. 


Diante desse panorama geral das eleições municipais de 2020 vou  me concentrar em um aspecto que, particularmente considero importante, a permanência do gender gap na política institucional no Brasil dada a sua clara implicação para a qualidade da democracia. É importante mencionar  que as eleições municipais em geral representam a principal porta de entrada das mulheres na disputa eleitoral. Outra variável importante, que se conecta diretamente com as eleições de 2020, é o aumento de 33,3% de candidaturas de mulheres2. Temos um crescimento contínuo do número de candidatas desde as eleições municipais do ano 20003. No entanto, os resultados têm sido pífios para as mulheres.


Na esteira dos mecanismos legais e institucionais para incentivar as candidaturas de mulheres a Resolução nº 23.609 do TSE4 prevê penalidades para os partidos que não cumprirem a determinação de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada gênero e leva em consideração o gênero declarado pelo/a candidato/a. Esse último aspecto um elemento importante e um avanço em tempos de retrocesso. 


No mesmo diapasão e numa tentativa de barrar ou minimizar as candidaturas laranjas como ocorreu em 2018, a Resolução 23607 do TSE5 prevê a destinação de 30% dos recursos do Fundo Partidário para as candidatas mulheres e sua aplicação no interesse dessas candidaturas e suas respectivas campanhas.


O  crescimento continuado de candidatas é o resultado do estabelecimento da política de cotas a partir do final dos anos noventa. Se por um lado esse é um efeito positivo desse incentivo institucional, não podemos deixar de verificar o outro lado dessa moeda: nós mulheres ainda representamos uma minoria em disputas majoritariamente lideradas por homens que perfazem, em geral, 70% ou mais das vagas em disputa. O copo ainda está vazio e não se trata de uma perspectiva pessimista da questão. Mas de perceber que ainda temos muito a percorrer para alcançar a equidade de condições entre mulheres e homens no que se refere e aos recursos políticos e eleitorais disponibilizados pelos partidos no processo de seleção de candidatos e  durante a campanha. O desafio, além de  ampliar a competição, é  ganhar eleições. Aguardemos o resultado dessas eleições para verificar se iremos avançar, retroceder ou continuaremos caminhando a passos lentos.


 

Denise Paiva é doutora em Ciência Política pela USP. Professora do Programa de Pós-Graduação em  Ciência Política da Universidade Federal  de Goiás.

 



3 De acordo com dados do jornal Folha de São Paulo são esses os percentuais de mulheres candidatas nas eleições municipais: 2000: 18,8%; 2004: 21,53%; 2008: 21,54%; 2012: 31,2%; 2016: 32%; 2020: 34%. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/eleicao-tem-recorde-de-mulheres-candidatas-e-pela-1a-vez-mais-negros-que-brancos.shtml e https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/08/instavel-avanco-da-atuacao-feminina-na-politica-sera-testado-com-novas-regras.shtml. Acesso em 05/10/2020.





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