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NEPOL UFJF

Dourados, MS: estratégia de defesa e obstáculos no enfrentamento da pandemia do Coronavirus

Mário Cezar Tompes da Silva

Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD


O Município de Dourados situa-se na porção meridional do Mato Grosso do Sul e apresenta uma economia fortemente baseada no agrobusiness com destaque para as culturas tecnificadas de soja/milho/cana de açúcar. Em 2019, sua população alcançou um total de 222.949 habitantes(1) , e o município apresenta um IDH de 0,747(2) (desenvolvimento humano alto). A população urbana atendida por abastecimento de água tratada alcança 99% e por rede de esgoto sanitário 74%(3). O município é administrado pela prefeita Délia Godoy Razuk (PTB) em primeiro mandato.


A estratégia de combate à pandemia de coronavirus começou a ser desenhada por intermédio da emissão do Decreto n. 2.463 de 16 de março 2020. Esse documento legal, entre outras medidas, instituiu o Comitê de Gerenciamento da Emergência de Saúde Pública com o objetivo de coordenar as ações de combate ao Covid-19. Também determinou a suspensão das aulas da Rede Municipal de Ensino a partir de 18/03 por prazo indeterminado e recomendou às universidades e instituições de ensino privadas a suspensão das aulas. O decreto proibiu a realização de eventos públicos e privados, determinou o fechamento de todos os parques públicos e centros esportivos do município e estabeleceu o fechamento de casas noturnas, academias de ginástica, cinemas e clubes. Na esteira dessa primeira medida, tanto a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) quanto a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) estabeleceram por portarias internas a suspensão das atividades acadêmicas a partir de 17 de março.


Posteriormente a estratégia municipal de combate à pandemia foi complementada com a expedição de dois novos decretos – n. 2.477 e n. 2.478, ambos de 20/03/2020. O primeiro declarou situação de emergência no Município para fins de enfrentamento da pandemia e autorizou a dispensa de licitações para aquisições de bens e serviços relacionados ao combate à pandemia. Também autorizou a contratação temporária de pessoal para atender eventual demanda emergencial. O segundo, entre outras coisas, escalou a Guarda Municipal para fiscalizar o fechamento dos parques públicos e centros esportivos.


Mais adiante, a Prefeitura ampliou significativamente a abrangência de sua estratégia com a emissão do Decreto 2.480 de 23 de março que determinou o fechamento do comércio e dos serviços em geral por prazo indeterminado. No entanto, abriu exceções para algumas atividades específicas que poderão funcionar sob algumas condicionantes. Entre outras, as exceções incluíram: laboratórios, clínicas médicas, padarias, cafés, distribuidoras de água mineral, lojas de conveniência, oficinas mecânicas, casas lotéricas, empresas relacionadas ao agronegócio e serviços de construção civil. Este mesmo decreto estabeleceu também o toque de recolher no período das 22:00h a 5:00h, excetuando-se os integrantes dos órgãos de segurança, chefes dos poderes executivo, legislativo e judiciário, vigias noturnos, delivery e profissionais da área de saúde.


De todas as iniciativas da estratégia municipal, este decreto 2.480 foi o mais polêmico. Após sua publicação sucederam-se um conjunto de ocorrências que passaram a minar a sobrevivência do mesmo. Um dia após sua decretação houve o pronunciamento em rede nacional do presidente Jair Bolsonaro sugerindo aos prefeitos e governadores que deveriam abandonar o fechamento do comércio e o confinamento em massa. Posteriormente observou-se a aplicação das punições previstas no referido decreto. O balanço das atividades de fiscalização realizado em 04/04 apresentou um total de nove prisões de pessoas que desrespeitaram o toque de recolher e sessenta notificações a atividades comerciais em desacordo às normas do decreto(4). Por fim, no dia 27/03, uma manifestação na forma de carreata mobilizada por entidades sindicais empresariais e de trabalhadores, sobretudo as ligadas ao comércio, bares e restaurantes, reivindicou a suspensão do fechamento do comércio e a adoção de seu funcionamento em um horário reduzido, de 10:00 h às 18:00 h.


Essas pressões terminaram por produzir efeito sobre o poder público. No dia 06 de abril, a Prefeitura emitiu o Decreto 2.511 que entre seus “considerandos” mencionava as “orientações do Governo Federal de que o enfrentamento da pandemia do Covid-19 não pode causar a paralisação da economia”. Como resultado ficou determinada a abertura do comércio, mediante a adoção de medidas de higienização e espaçamento mínimo entre frequentadores. Porém, algumas atividades continuaram com a abertura vedada: igrejas, clubes, casas noturnas, shopping e academias de ginástica.


Em 16 de abril as iniciativas de combate ao coronavirus tiveram prosseguimento com a decisão do Comitê de Gerenciamento da Emergência de Saúde Pública de destacar quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município para funcionarem como unidades sentinelas para organização do fluxo de pacientes com coronavirus(5). Pacientes com suspeita de infecção identificados nas UBSs convencionais seriam encaminhados para uma unidade sentinela onde receberiam orientação e, dependendo da condição detectada, o paciente seria encaminhado para isolamento domiciliar ou para hospitais de referência do município.


Mais adiante, com o objetivo de ampliar a identificação de indivíduos contaminados, o governo do Estado implantou em 25 de abril no município o sistema drive thru(6)  por meio dos quais os testes seriam realizados dentro do próprio veículo. Pessoas com sintomas gripais passaram a agendar por telefone data e horário de coleta do material que é encaminhado para laboratório em Campo Grande; o resultado é divulgado no prazo de 24 a 48 horas.


Dando prosseguimento à flexibilização das medidas de distanciamento social iniciadas com a suspensão do fechamento do comércio (Decreto 2.511 de 06/04), a Prefeitura através do Decreto 2.543 de 23/04 determinou a reabertura das academias de ginástica e clubes de tiro mediante a adoção de determinadas normas de funcionamento. Essa estratégia de relaxamento teve prosseguimento com o Decreto 2.575 de 04/05 que liberou a reabertura do shopping e das igrejas da cidade.


O primeiro registro de coronavirus em Dourados correspondeu a uma paciente proveniente de outro município, Batayporã, transferida em estado grave para Dourados no dia 26/03, vindo a óbito em 31/03. Isso ocorreu em decorrência de Dourados ser o polo de uma das Macrorregiões de Saúde do Estado. Esta Macrorregião reúne um total de 33 Municípios e soma mais de 800.000 habitantes. Os primeiros pacientes nativos da cidade identificados com coronavirus foram um jovem de 21 anos de idade e uma senhora de 52 anos cujos diagnósticos positivos foram divulgados no dia 25/03. Desde este primeiro caso até 02/05, Dourados registrou quinze casos confirmados de coronavirus e uma morte(8) (excetuada a paciente de Baytaporã). O óbito do primeiro paciente douradense foi notificado no dia 23/04.


A estratégia até aqui desenhada pelo poder público local enfrenta obstáculos para alcançar eficácia. Entre os principais obstáculos destacamos a reduzida adesão da população local ao distanciamento social. Segundo dados divulgados em 28/04, Dourados apresentava um índice de isolamento de apenas 41,5% distante dos 70% recomendados pelo Ministério da Saúde e abaixo da média nacional, de 48,8%, e do próprio estado, de 42,2%.


A segunda dificuldade é a resistência de segmentos organizados específicos da sociedade com grande capacidade de mobilização contra o distanciamento social. E a terceira e última dificuldade é a escassez de testagem da população, o que torna difícil a identificação e isolamento dos indivíduos contaminados. Até 26/04 o teste era aplicado apenas para os pacientes internados em situação grave o que nos leva a supor uma situação de subnotificação da pandemia no Município.


Por último, cabe notar a ausência, na política municipal, de ações direcionadas para a população em situação de rua, população em área de risco ou para a população indígena. Essa última omissão é particularmente grave pois, segundo dados do DESEI/FUNASA-MS(9), Dourados possui um total de 13.883 indígenas espalhados entre três reservas e sete acampamentos. Em todas estas áreas inexiste rede de coleta de esgoto. O abastecimento de água tratada em condições precárias resume-se a duas reservas.



 

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