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NEPOL UFJF

Coronavírus em Araraquara: o combate à doença e a polarização política

Bruno Silva

Professor Temporário (UNESP)

Doutorando em Ciência Política (UNICAMP)



Conhecida após as eleições de 2016 como “ilha petista” no interior do estado de São Paulo, Araraquara não está isolada do restante do país em relação à evolução da Covid-19. Na época das eleições municipais a vitória do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Dilma e tesoureiro de sua campanha em 2014, Edinho Silva, em meio ao revés político do partido, ganhou até mesmo destaque nacional(1). Além da marcante característica política, a cidade atualmente possui uma população estimada, conforme dados do IBGE, de 236.072 pessoas, com salário médio dos trabalhadores formais na casa dos 2,7 salários mínimos, orçamento municipal próximo ao R$ 1 bilhão de reais e IDH alto, de 0,815. A cidade e sua vizinha São Carlos são as principais na região central do estado de São Paulo, com destaque para o seu PIB de quase R$ 9 bilhões concentrado principalmente no setor de comércio e serviço. Ademais, o município é também conhecido pela forte produção de suco de laranja (Cutrale) e pela fábrica de roupas (Lupo), além das usinas de cana-de-açúcar da região.


Do ponto de vista da saúde pública há o registro de 43 estabelecimentos pertencentes à rede SUS. No combate a Covid-19 há 76 leitos de UTI disponíveis para pacientes com complicações da doença, todos com respiradores. No que diz respeito à população, 60% dela não possui plano de saúde particular e, portanto, depende diretamente do SUS. Para dar conta do aumento da demanda por leitos, o município está na fase final da construção de um hospital de campanha, o qual contará com 50 novos leitos e já finalizou a organização de um Centro de Triagem para Síndromes gripais. Além disso, a partir de uma parceria da prefeitura com a “Igreja Jesus Cristo dos Último Dias”, nas imediações de uma das UPAs do município, mais 9 leitos de UTI foram montados(2).


As movimentações mais intensas em torno do coronavírus começaram, efetivamente, na segunda quinzena de março. Vale lembrar que no dia 20 de março o governador do estado de São Paulo, João Dória, anunciou a publicação do decreto de calamidade pública e a tomada de medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia. Em Araraquara, dias antes, em 16 de março, vereadores debatiam ainda nos corredores do Legislativo sobre medidas apenas para prevenção ao coronavírus(3) . Falar em quarentena parecia ainda distante.


No dia seguinte, nos noticiários locais, já ganhava destaque manchetes do tipo “Estoque de álcool em gel está esgotado em Araraquara”(4) , o que já apontava a situação de pânico na cidade(5). Nessa mesma semana, escolas começavam a dispensar seus alunos e falava-se no fechamento do comércio, o que gerou reação contrária por parte de empresários da cidade. Esse primeiro momento foi dramático. Meios de comunicação e a sociedade pressionavam por respostas rápidas pelo poder público local. O prefeito, acoado, cedia às pressões dos comerciantes e postergava medidas concretas de enfrentamento ao vírus. Funcionários públicos, principalmente da rede de ensino, demonstravam pelas redes sociais temor quanto aos riscos de contaminação devido à demora das respostas pela prefeitura em autorizar o fechamento das creches e escolas. O recém criado “Comitê de Contingência do Coronavírus”(6) parecia não acalmar os nervos da população. A resposta mais incisiva do prefeito viria apenas em 23 de março com a publicação do Decreto Municipal n.12.236/2020 que reconhecia o estado de calamidade pública. De lá pra cá é que a história passou a ser diferente, ao menos até o final da primeira semana de abril(7).


Medidas para garantia do isolamento social foram tomadas, com o fechamento do comércio e a permissão para que apenas serviços considerados essenciais pudessem ocorrer normalmente, como supermercados e farmácias, por exemplo. Ações contra a propagação do vírus passaram a ser mais incisivas, como a proibição do uso de parques e praças da cidade além de atividades de lazer e esportes. Postos de Saúde passaram também a funcionar em horários diferenciados, permanecendo abertos até as 20h para tratar de casos mais leves da doença. O Legislativo Municipal em 24 de março aprovou uma medida que prevê multa de R$ 5.768,00 reais para os comerciantes que descumprirem o decreto municipal(8). Ainda após o discurso do presidente Jair Bolsonaro no dia 24 de março contrário às medidas adotas por governadores e prefeitos no Brasil, que acabou por incentivar empresários a se organizarem em prol a reabertura dos comércios em protesto na forma de uma carreata e “buzinaço” por cidades brasileiras, em Araraquara a adesão ao evento foi mínima e, as ações locais, continuaram a se mostrar eficientes(9).


Mesmo sem ter a confirmação oficial de casos da doença até o dia 31 de março, as medidas de isolamento e prevenção se tornaram ações mais efetivas. Além da realização de lives diárias pelo canal oficial da prefeitura, de entrevistas constantes às rádios do município por parte da secretária municipal de Saúde, Dra. Eliana Honain, há uma página da prefeitura especial do coronavírus que atualiza diariamente todas as informações importantes(10)  Ademais, ações nas comunidades por particulares e, principalmente, parcerias com empresas (como a Lupo que está doando máscaras para o Hospital Santa Casa) e Universidades tem sido muito importantes para gerar uma corrente de solidariedade e incremento no combate à doença. É o caso da UNESP Araraquara, a qual além de produzir e distribuir gratuitamente álcool em gel, se tornou, por meio do Laboratório de Imunologia Clínica e Biologia Molecular do Departamento de Análises Clínicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, referência em testes da Covid-19 no interior do estado de São Paulo em conjunto com a UNESP Botucatu e São José do Rio Preto(11).


No entanto, um dos fatores de maior dificuldade no município passado cerca de vinte dias do início efetivo das medidas de isolamento social tem sido atingir a taxa de isolamento desejada no estado de São Paulo de 70% da população. Araraquara tem apresentado taxas de isolamento na casa dos 45%, principalmente após o 5º dia útil em abril (data em que muitas pessoas recebem seus salários), a partir do qual a população passou a relativizar as medidas adotadas pela prefeitura. O efeito não poderia ser outro: aumento na quantidade de casos, que naquele momento já somavam 12. A cidade, junto a outras no interior do estado, passou a ser destaque até mesmo em jornais internacionais, como o “El País”(12).


O impacto do relaxamento do isolamento social foi tão forte que o prefeito em live no dia 11 de abril anunciou que a quantidade de casos já havia saltado para 27 em poucos dias. Em tom ríspido, anunciou o encaminhamento de projeto ao Legislativo para endurecer a punição a comerciantes com a possibilidade de suspensão de alvará de funcionamento do comércio e multa à pessoa física que descumprisse a quarentena. O projeto nem sequer chegou a entrar na pauta do Legislativo. Isso porque, dois dias depois, a cidade seria novamente destaque nacional. Foi destaque em live do presidente da República como lugar que ataca a “liberdade de ir e vir” após o episódio de uma mulher detida em uma praça do município pela Guarda Municipal devido a descumprir as medidas de isolamento e desacatar servidores da Guarda. O episódio ganhou notoriedade por meio de um vídeo amplamente compartilhado na internet que mostra a resistência da mulher em ser detida aos gritos de: “esse circo de coronavírus armaram para implantar uma ditadura comunista”. Vale destacar que nas eleições de 2018 o presidente Bolsonaro venceu no município em ambos os turnos com mais de 50% dos votos válidos.


Após esse episódio, no dia 18 de abril com a prorrogação do Decreto de isolamento social pelo governo do estado até o dia 10/05, apoiadores do presidente aderiram a novo “buzinaço” pela retomada das atividades do comércio em frente à sede do Tiro de Guerra (órgão do Exército). As pressões para o afrouxamento das medidas de isolamento social têm sido mais intensas e, nesta semana, o prefeito começou a flexibilização do funcionamento do comércio, permitindo a abertura de academias, escritórios de contabilidade e de advocacia com a adoção de medidas de segurança. Ontem, em suas redes sociais, o prefeito Edinho Silva – que também é cientista social – publicou longo texto ao mesmo tempo informando a população a respeito das medidas adotadas pelo seu governo e realizando uma análise sobre a falsa polarização entre economia e saúde presente na sociedade, em nítida crítica à visão do presidente sobre a pandemia até aqui(13).


Até a tarde do dia 21 de abril a Secretaria Municipal de Saúde informa que há 55 casos da doença e 3 óbitos confirmados. Sendo que 82 internações já foram realizadas, das quais 51 pessoas tiveram alta médica e 20 ainda estão hospitalizadas.



 










10http://www.araraquara.sp.gov.br/coronavirus. Acesso em 03 de abril de 2020.




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