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NEPOL UFJF

Consórcios intermunicipais de saúde de Minas Gerais e respostas à COVID - 19

Atualizado: 8 de nov.

José Angelo Machado 1

Arthur Augusto Lopes da Silva 2

Pollyana dos Santos 3


A Covid-19 tem desafiado a capacidade de coordenação e cooperação tanto entre países quanto no âmbito dos sistemas nacionais de saúde, no esforço para contenção de seu avanço. No Brasil, as divergências de conduta entre a Presidência da República e autoridades sanitárias agrega contornos dramáticos ao problema, a despeito do sucesso relativo dos instrumentos de coordenação federativa instituídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no conjunto das políticas públicas preconizadas pela Constituição de 1988 (ABRUCIO, 2005; ARRETCHE, 2012; MACHADO E PALOTTI, 2015). 


A demorada4 e insuficiente5 reação do Executivo Federal abriu espaço para que estados e municípios assumissem o protagonismo no enfrentamento à pandemia, nem sempre de maneira uniforme, na adoção de medidas de isolamento social preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Protagonismo este assegurado pelo Supremo Tribunal Federal ao sustentar a validade constitucional daquelas medidas6. Neste contexto de enfraquecimento e desautorização da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), arena essencial para a coordenação das relações intergovernamentais no SUS, ganharam relevância iniciativas já existentes, como o Consórcio Nordeste7, ou novas, como o fórum dos governadores e a cooperação ad hoc entre prefeitos de uma mesma região. 


Neste estudo, nosso objetivo é dimensionar as respostas dadas pelos Consórcios Intermunicipais de Saúde8 (CIS) localizados em Minas Gerais9 à Covid-19 – por meio de iniciativas próprias ou articuladas ao SUS – com destaque para sua integração aos planos de contingência e fluxo de informações, orientações e planejamento do SUS; adaptação do seu funcionamento; bem como medidas adotadas e novos serviços ofertados. 


A coleta de dados foi realizada por meio de survey online respondido por 23 de 75 consórcios (30,6%) identificados a partir de listas disponíveis nos sites da Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG) e do Colegiado de Secretários Executivos dos Consórcios Intermunicipais de Saúde de Minas Gerais (COSECS-MG), uma vez eliminados casos de duplicação ou consórcios desativados. A análise de dados foi guiada por técnicas de estatística descritiva.


Características Gerais dos Consórcios Mineiros


Como já apontado em outras pesquisas sobre Consórcios Intermunicipais de Saúde (CIS), a segunda metade dos anos 1990 representou um importante momento na proliferação desta modalidade de cooperação intermunicipal. Entre os respondentes do survey, 13 (56,5%) foram criados entre 1995 e 1998, na gestão do Governador Eduardo Azeredo (PSDB), ostensivo apoiador da expansão dos consórcios no estado. Chama a atenção que apenas três (13,1%) foram criados após a vigência da Lei 11.107/2005, conhecida como “Lei dos Consórcios”. Quanto ao número de municípios consorciados, verifica-se que a maioria dos CIS (14 ou 60,9%) possui entre 11 e 20 municípios em sua jurisdição. Quatro consórcios (17,4%) são compostos por até dez associados e em cinco (21,7%) o número de associados é superior a 20.

Quanto à natureza dos prestadores de serviços dos CIS, a maior frequência foi atribuída à composição mista, ou seja, aquela em que coexistem estrutura própria e terceirizada, como verificado para 16 dos consórcios pesquisados (69,6%). As principais fontes de financiamento são o contrato de rateio, mencionado por 22 dos CIS (95,7%), e os contratos adicionais para remuneração de serviços prestados ex post, presentes em 15 consórcios (65,2%). Foi, ainda, verificada a existência de incentivos materiais do Governo Estadual para apenas três consórcios (13,1%), que informaram ter recebido insumos e equipamentos ou recursos financeiros.

Um aspecto de especial interesse é que, até dezembro de 2019, antes da emergência da Covid-19 no Brasil, 22 dos CIS (95,7%) prestavam serviços ambulatoriais; 18 (78,3%) ofertavam algum tipo de transporte de pacientes, inclusive serviços de remoção de urgência e emergência (como o SAMU); oito (34,8%) ofereciam equipamentos e insumos aos associados e igual número realizava algum tipo de atendimento e/ou gestão hospitalar; além de dois (8,7%) que prestavam serviços de vigilância em saúde. 

 

Atuação dos Consórcios Frente à Pandemia


Por constituírem associações voluntárias e por ser facultado aos consórcios a integração ou não aos esforços coordenados vertical e horizontalmente pelo SUS no controle de doenças, pode-se esperar níveis distintos de incorporação desses no combate à Covid-19. Nesse sentido, perguntados se haviam recebido orientações oficiais, seja dos municípios associados, seja dos governos estadual ou federal, dez dos CIS (43,5%) afirmaram não ter recebido nenhuma orientação oficial. Por outro lado, cinco consórcios (21,7%) receberam informações ou orientações através dos municípios consorciados, mesma proporção dos que as receberam tanto pelos municípios quanto pelo Governo Estadual; além de outros três (13%) que as receberam apenas do Governo Estadual. 


Um importante orientador das medidas de enfrentamento à pandemia têm sido os Planos de Contingência. Desse modo, os consórcios foram questionados sobre o seu conhecimento acerca destes documentos, sejam eles dos municípios consorciados, da região de saúde onde estão inseridos ou do Governo Estadual. Neste sentido, 20 consórcios (86,4%) informaram conhecer algum desses planos. Já a participação dos consórcios no planejamento, monitoramento e/ou avaliação das medidas de restrição social adotadas pelos municípios foi verificado em apenas oito consórcios (34,7%). Desses, todos atuam ou atuaram em reuniões técnicas de avaliação dos impactos da pandemia, quatro (17,4%) contribuíram com informações epidemiológicas e apenas um (4,4%) afirmou participar por meio de consultoria técnica.


Tabela I - Distribuição dos CIS por diferentes âmbitos de integração ao SUS enfrentamento à COVID



Fonte: Dados do survey. Elaboração própria


A Tabela 2 apresenta a distribuição dos CIS por medidas adotadas, por novos serviços ofertados e segundo aquisições pretendidas ou já realizadas em consequência à pandemia. Como pode ser observado, houve razoável grau de convergência entre os consórcios quando se trata do fornecimento de equipamentos e insumos (o que ocorreu em dez consórcios ou 43,5%), da restrição dos serviços ordinários prestados (nove ou 39,1%) e das medidas de proteção aos funcionários (seis ou 26,1%). Menos comum, no entanto, foram os consórcios que adotaram medidas relacionadas à ampliação dos recursos humanos, campanhas para mobilização de recursos e ampliação de leitos hospitalares (um ou 4,4% em cada). 


Mas cabe destaque, ainda que com frequência em posição intermediária, o número de consórcios que adotaram medidas que incidem diretamente no enfrentamento à pandemia, como a manutenção dos serviços de urgência e emergência, o fornecimento de testes para Covid-19 e a participação em comitês ou na elaboração de planos de contingência (caso de quatro consórcios ou 17,4% para cada medida), além da orientação de municípios associados em três consórcios (13,1%).


Por outro lado, se apenas 11 consórcios (47,8%) passaram a oferecer novos serviços de saúde aos associados em face da Covid-19, é notável a prevalência de serviços ambulatoriais em oito deles (34.7%), seguidos de aquisição de insumos e equipamentos em quatro (17,4%) e da oferta de serviços hospitalares em um consórcio (4,4%). 


Quase a totalidade dos CIS pesquisados (20 ou 95,2%) pretendiam realizar ou realizaram novas aquisições de insumos e equipamentos para proteção individual em função da Covid-19, além de equipamentos assistenciais como ventiladores mecânicos e termômetros infravermelhos (seis ou 28,6%). Testes rápidos para Covid-19 e medicamentos foram citados por três consórcios (14,3%) cada. 


Tabela 2 - Quantidade de CIS em relação às medidas adotadas, aos novos serviços e novas aquisições pretendidas ou realizadas.




Fonte: Dados do survey. Elaboração própria.


Conclusões


Embora limitado, quanto à capacidade de generalização dos seus achados, mesmo para o Estado de Minas Gerais, o presente estudo trouxe elementos importantes para o dimensionamento das respostas dadas pelos consórcios intermunicipais de saúde à pandemia da Covid-19, tanto daquelas articuladas ao SUS quanto daquelas próprias. Quanto à integração com o SUS, o fato de quase 45% dos respondentes não ter recebido qualquer orientação oficial de governos em qualquer um dos níveis e de apenas 35% ter participado de reuniões de avaliação denota que parte significativa dos consórcios não foram atraídos para as ações de combate à Covid-19.


Por outro lado, quanto às medidas adotadas, quase metade passou a ofertar novos serviços aos municípios associados, principalmente serviços ambulatoriais e aquisição de equipamentos e insumos. É significativo que mais de 90% dos consórcios adquiriram ou pretendam adquirir insumos e equipamentos em função da pandemia, na sua grande maioria, equipamentos de proteção individual e, em menor monta, equipamentos para atendimento. Nota-se, também, uma preocupação significativa com oferta e distribuição de testes rápidos. 

O contexto de pandemia abriu a possibilida

de para que os CIS introduzissem novas ofertas aos seus associados, o que poderá se estender a uma proporção ainda maior na medida da interiorização da pandemia no Estado de Minas Gerais e do seu reconhecimento como potencial aliado no enfrentamento da Covid-19.


 

 

Referências Bibliográficas


ABRUCIO, Fernando L. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do Período FHC e os desafios do Governo Lula. Revista de Sociologia e Política, v. 24, p. 31-67, jun. 2005.

ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV/Fiocruz, 2012.


INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de Informações Básicas Municipais: perfil dos municípios brasileiros 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019.


MACHADO, José Angelo; PALOTTI, Pedro Lucas de Moura. Entre cooperação e centralização: federalismo e políticas sociais no Brasil pós-1988. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 30, n. 88, p. 61-82, 2015.


MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo de Manejo do Coronavírus (Covid-19) na Atenção Primária à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.


 


1 Professor Associado do Departamento de Ciência Política (UFMG).


2 Bacharel em Gestão Pública, pesquisador no INCT/IDDC (UFMG)

3 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (DCP/FAFICH/UFMG).


4 Entre a Lei 13.979 de 6/2/2020, que dispõe sobre o enfrentamento da emergência internacional da Covid-19 e a Portaria Ministerial 356 de 11/3/2020, que a regulamentou, se passou mais de um mês.

5 O Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (Covid-19) na Atenção Primária em Saúde (Brasil, 2020) não considera, por exemplo, informações sobre grupos de riscos e condições sociais das áreas de abrangência das equipes de Saúde da Família, nem a atuação destas para informação e detecção de casos suspeitos.

6 Julgamento em 15 de abril de 2020.


7 Criado em julho de 2019, o Consórcio Nordeste foi iniciativa dos 9 estados da região, abrangendo 57 milhões de habitantes, com objetivos de promover o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas.


8 O Decreto 6.017/2007 definiu consórcio como “pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei no 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins “econômicos”. No caso de consórcios entre municípios, abrange restritamente as respectivas áreas.


9 Minas Gerais concentra cerca de 30% de todos os consórcios intermunicipais de saúde do país (IBGE, 2019).

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