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NEPOL UFJF

As cidades médias no contexto da Pandemia de Covid-19: o caso de Mossoró (RN)

Zoraide Souza Pessoa (1)

Departamento de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais

Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Alfredo Marcelo Grigio (2)

Departamento de Gestão Ambiental e dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e Ciências Naturais

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte


Até o fim de março do ano corrente o surto de Covid19, iniciado em dezembro de 2019 na província de Wuhan (China), era algo aparentemente distante da realidade da cidade de Mossoró. Foi em 21 de março de 2020 que a cidade registrou o primeiro caso. Uma semana depois, no dia 28, ocorreu a primeira morte decorrente da doença no Rio Grande do Norte. A partir desse momento, essas duas linhas de ocorrência (número de casos/número de óbitos) vêm crescendo e mudando a dinâmica cotidiana da cidade. Com a circulação comunitária do novo coronavírus, a prefeitura promulgou o Decreto Municipal N. 5.631, de 23 de março de 2020. Esta lei municipal estabeleceu estado de calamidade pública na cidade, tendo sido a primeira cidade do Nordeste nessa condição, o que a permitiu atuar sem atenção às obrigações regulatórias para acesso a recursos e gastos públicos (MOSSORÓ, 2020a) (3). Tal situação foi reconhecida pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Governo Federal, na Portaria nº 1029, de 13 de abril de 2020.


Nesse contexto, Mossoró, que é a segunda maior aglomeração urbana e maior município em extensão territorial da região do Oeste Potiguar, passou a enfrentar a Covid-19. A primeira iniciativa em relação à pandemia foi a elaboração do Plano de Contingência (MOSSORÓ, 2020b) (4). Esse plano é fundamental, pois Mossoró é um importante centro regional. A cidade está localizada entre duas capitais do Nordeste, Natal (RN) e Fortaleza (CE), e exerce influência direta no seu entorno – formado por oito municípios que lhe fazem limites. Mossoró é, também, polo educacional regional (5), recebendo estudantes de todo o país. Apresenta uma dinâmica econômica diversificada, ancorada na exploração de sal, petróleo em terra, forte base agrícola na fruticultura, nos serviços públicos e na indústria cultural que mantém um calendário regular de festas e eventos culturais. Portanto, a cidade tem a característica de receber pessoas de municípios do Rio Grande Norte e do Ceará, seja por estudo, seja a trabalho.


Mossoró tem cerca de 302.800 habitantes, apontando crescimento comparado aos 259.815 habitantes do último censo. Sua população é 91,31% urbana e a densidade demográfica é de 123,76 hab/km. Entretanto, sua densidade demográfica é maior e concentrada na sua área urbana que é de 11.583 km². Sua população é predominante jovem e/ou adulta, com 28,6% entre 0 a 19 anos e 9,3% com idade entre 60 anos e mais (IBGE,2010) (6).


Tais características são fatores que talvez possam explicar o fato de Mossoró estar apresentando índices significativos de expansão da Covid-19 em seu território, e, até o momento, registrando mais vítimas fatais do que a capital do estado, Natal (7). A incidência de infectados é na área urbana, não tendo registro na área rural. Os dados, até 16 de abril de 2020, são de 84 pessoas infectadas e sete casos fatais (RN, 2020) (8). A incidência é de 27,74 casos por 100 mil habitantes (FIOCRUZ-CIDACS; UFBA, 2020) (9). Os casos já confirmados de Covid19 estão concentrados em 14 bairros da cidade. São áreas populosas com a predominância de estratos sociais médios, mas também com enclaves populacionais vulneráveis. Essas áreas passaram por acentuado processo de expansão urbana com o deslocamento do varejo tradicional das regiões centrais, o que provocou novas dinâmicas ocupacionais, habitacionais e de mobilidade nesses bairros. Por outro lado, a incidência de Covid19 nos bairros mais antigos, centrais e tradicionais da cidade, ainda é baixa. E ainda não há registro de Covid19 nas áreas mais periféricas.


Distribuição Percentual dos Casos de Covid-19 por bairro na área urbana de Mossoró-RN, 2020.


Fonte: Governo do RN - SESAP; Prefeitura Municipal de Mossoró, Ministério da Saúde. Adaptado de LAIS/UFN, dados de 16 de abril de 2020.


Em relação à infraestrutura de saúde, o município não terá condições de responder a uma demanda crescente de casos de Covid19. Com 74,32% da sua população tendo acesso apenas ao Sistema Único de Saúde (SUS), Mossoró dispõe de 130 leitos de UTI (118 adulto e 12 infantil), 153 ventiladores mecânicos e 50 unidades móveis (4 SAMU e 46 ambulâncias) com 3255 profissionais da área da saúde, sendo 1722 médicos, 474 enfermeiros e 1059 técnicos de enfermagem. A relação de médicos por habitantes é de 5,8 médicos por 1000 habitantes (UFRN/LAIS, 2020) (10).


A prefeita Rosalba Ciarlini Rosado, do Partido Progressista (PP), tem suas ações de mitigação da pandemia de Covid-19 pautadas pelas medidas decretadas nas outras esferas de governo (estadual e federal). Até o momento, foram emitidos 10 decretos municipais (11), destacando-se o Decreto Municipal N. 5623, de 17 de março de 2020, com as seguintes medidas principais: 1) instituição de um Comitê Municipal de Supervisão, Monitoramento e Gestão de Emergência em Saúde Pública decorrente do Coronavírus (Comitê COVID-19); 2) suspensão de deslocamento de servidores municipais em viagens, excerto no transporte de pacientes; 3) suspensão de férias e licenças para servidores por 60 dias; 4) suspensão de aulas e de atos, aglomerações ou reuniões de qualquer natureza pública e privada com mais de 50 pessoas.


No âmbito da gestão do município e da prestação de serviços públicos, foram tomadas medidas de redução do trabalho presencial e adoção de estratégias não presenciais com a manutenção dos serviços essenciais, definidos pelos Decretos Municipais N. 5627, de 19 de março de 2020 e o N. 5630, de 20 de março de 2020.


Em relação às iniciativas para ampliação da infraestrutura de saúde, a prefeitura convocou sete médicos aprovados em concursos já realizados e abriu um novo edital com previsão de contratação de mais 24 médicos (12). Foram comprados ainda Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para as unidades de saúde, segurança pública e vigilância sanitária; foi proposta a abertura de mais 20 leitos na UPA do bairro Belo Horizonte, do tipo Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), instalados em 12 contêineres com ar-condicionado, ao custo mensal de 17.350 reais e com funcionamento previsto a partir do 20 de abril de 2020 (MOSSORÓ, 2020c (13).


As ações voltadas para os cinco assentamentos subnormais (favelas) existentes no município – com cerca de 5.944 pessoas vulneráveis, sendo 2.887 mulheres (14) (IBGE, 2010) – bem como aquelas voltadas para os grupos de riscos da Covid-19, são opacas. São elas: 1) ampliação dos horários de atendimento das UBS, das 7 às 19 horas, sem intervalo de almoço; 2) criação de abrigo para populações em situação de rua, com 60 vagas, em escola municipal; 3) previsão de entrega de kits alimentação aos 21 mil alunos da rede municipal de ensino, com início em 17 de abril de 2020; 4) ações de educação sanitária nas rodovias que cortam o município e nas comunidades rurais; 5) controle das situações de aglomerações nos espaços públicos e privados definidas pelo Decreto Municipal N. 5647, de 06 de abril de 2020; 6) adiamento do pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) pelo Decreto Municipal N. 5648, de 06 de abril de 2020; 7) criação de comitê para captação de doações; e 8) disponibilidade de um link no site da prefeitura com informações sobre o Covid-19 e as ações realizadas (15).


Diante do quadro da pandemia do Covid-19 em curso em Mossoró seria fundamental que o executivo municipal adotasse ações mais propositivas e ousadas para mitigar os efeitos na cidade, já que tudo indica que estamos longe de um recuo nas projeções de infecção e de letalidade para os próximos dias. Em suma, a ações de mitigação propostas são pontuais em relação ao que já foi realizado e orientado pelas autoridades sanitárias nos níveis federal e estadual. Ressalta-se que mesmo ocupando campos ideológicos e partidários diferentes, há diálogo entre a prefeita e o governo estadual. Houve divergência apenas quanto à decisão estadual de fechar estabelecimentos comerciais essenciais nos feriados e fins de semana, tendo prevalecido o entendimento municipal de funcionamento das 7 às 13 horas, com o Decreto Municipal N. 5640, de 1º de abril de 2020.


Nesse momento as iniciativas dos gestores deveriam ser mais ousadas e focadas no componente humano e na sua seguridade multidimensional, em especial para os estratos mais vulneráveis e de risco. Estamos ainda longe dessa perspectiva em Mossoró. De forma mais incisiva, a sociedade precisa colaborar mais com as medidas adotadas de distanciamento social e as medidas preventivas. É importante observar, também, como, com que grau de transparência, tem sido realizados os gastos dos recursos públicos municipais e os adicionais recebidos dos governos estadual e federal. E, por fim, as projeções não consideradas de potenciais de ampliação de risco não estão sendo efetivamente dimensionadas pela gestão municipal e pela população do município. Tudo isso deixa os cenários de projeção abertos a uma catástrofe anunciada.

 

 

Acompanhe a série de artigos do Nepol


(1) Doutora em Ambiente e Sociedade UNICAMP). Professora Adjunta do Departamento de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN). Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes e Territórios (LISAT). E-mail: zoraidesp@cchla.ufrn.br /zoraidesp@gmail.com


(2) Doutor em Geodinâmica (UFRN). Professor Adjunto do Departamento de Gestão Ambiental e dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e Ciências Naturais (UERN). Coordenador do Núcleo de Estudos Sociedade, Ambiente e Território (NESAT). E-mail: alfreogrigio@uern.br; alfredogrigio1970@gmail.com


(3) MOSSORÓ – (PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ). Governo Federal reconhece estado de calamidade pública em Mossoró. 2020a. Disponível em: https://www.prefeiturademossoro.com.br/governo-federal-reconhece-estado-de-calamidade-publica-em-mossoro/


(4) MOSSORÓ – (PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ).Plano de Contingência do Município de Mossoró. 2020b. Disponível em: https://www.prefeiturademossoro.com.br/wp-content/uploads/2020/03/PLANO-DE-CONTING%C3%8ANCIA-MUNICIPAL-PARA-O-COVID-19.pdf


(5) Sedia instituições de ensino público e privado, como: a Universidade Federal do Semiárido (UFERSA), a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Campus do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Universidade Potiguar (UNP) entre outras.


(6) IBGE – (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Demográfico 2010.


(7) Natal, RN: tem 172 casos confirmados e 05 óbitos em 16 de abril de 2020 (RN,2020).


(8) RN – (GOVERNO RIO GRANDE DO NORTE). BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO No. 33. (2020). SESAP (Secretaria de Estado da Saúde Pública) – Natal, RN, 16/04/2020. Disponível em: http://www.adcon.rn.gov.br/ACERVO/sesap/DOC/DOC000000000229260.PDF


(9) FIOCRUZ-CIDACS;UFBA. Painel Coronavírus Brasil. 16 de abril de 2020. Disponível em: http://painel.covid19br.org/


(10) UFRN-LAIS (Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde)- RN (Governo do Estado Rio Grande do Norte)- Brasil (Ministério da Saúde). Coronavírus.2020.Dados de 16 de abril de 2020. Disponível em: https://covid.lais.ufrn.br/


(11) Decretos municipais do executivo municipal voltados para o combate ao Covid-19: Decreto Municipal n.º 5.623/2020; Decreto Municipal n.º 5.627/2020; Decreto Municipal n.º 5.630/2020; Decreto Municipal n.º 5.631/2020;Decreto Municipal n.º 5.636/2020;Decreto Municipal n.º 5.638/2020;Decreto Municipal n.º 5.640/2020;Decreto Municipal n.º 5.646/2020;Decreto Municipal n.º 5.647/2020;Decreto Municipal n.º 5.648/2020. Disponíveis em: https://www.prefeiturademossoro.com.br/coronavirus/


(12) As ações para a saúde, segundo o governo municipal, decorre do recebimento de aporte financeiro do Fundo Nacional de Saúde no valor de R$ 5.653.891,71 para uso exclusivo para o combate ao Covid-19 e divulgado em suas mídias sociais.



(14) São os assentamentos subnormais (favelas) com base nos dados do Censo 2010: Fio, Tranquilim, Santa Helena, Forno Velho, e Wilson Rosado, com base em: SILVA, Camila Saiury Pereira. Vulnerabilidade socioambiental urbana: um estudo da cidade de Mossoró/RN. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Recursos Naturais, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN, 2017.


(15) Link com informações do Covid-19 e as ações da prefeitura, disponível em: disponível em (https://www.prefeiturademossoro.com.br/coronavirus/).

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