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As ações de combate e prevenção ao COVID-19 no município de Natal e as estratégias de indução do governo do Rio Grande do Norte

Sandra GomesDepartamento de Políticas PúblicasUniversidade Federal do Rio Grande do Norte


Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte (RN), tem uma população estimada de 880 mil habitantes (IBGE, 2019) e um PIB per capita de R$ 26,5 mil (IBGE, 2017), um dos maiores do Estado. Porém, a incidência de pobreza é elevada: estima-se que 23,4% da população de Natal estava abaixo da linha de pobreza em 2018² . Adicione-se a isto, a precária inserção no mercado de trabalho: 36% dos ocupados não contribuíam para a previdência e outros 11% estavam desempregados. Estes fatos têm implicações para o sucesso de qualquer estratégia de isolamento social na medida em que a proporção da população sem proteção social estatal e/ou em situação de elevada vulnerabilidade social é alta, inviabilizando, na prática, de se retirarem do mercado de trabalho voluntariamente.

O chefe do executivo municipal é Álvaro Dias, eleito vice-prefeito pelo MDB em 2016 (hoje filiado ao PSDB) na chapa liderada por Carlos Eduardo (PDT). Álvaro Dias assume como prefeito em abril de 2018 com a desincompatibilização de cargo de Carlos Eduardo, que concorre ao governo do Estado do RN, chegando ao segundo turno no polo político oposto ao da candidata Fátima Bezerra do PT, que, ao final, é eleita.

Apesar de Álvaro Dias e seu grupo político se posicionarem à direita na competição eleitoral, não há registros de alinhamento do Prefeito de Natal às posições externadas pelo Presidente da República contra as ações de combate ao novo coronavírus, como o fim do isolamento social. Ainda que inicialmente o Prefeito, médico de formação, tivesse intenção de manter algumas atividades em andamento – como a revisão do Plano Diretor -, com o avanço dos casos em Natal e no RN, passa abertamente a defender o isolamento social e outras medidas. De fato, a Prefeitura do Natal vem estipulando uma série de determinações, como veremos à frente. Porém, o interessante do caso de Natal é que boa parte das medidas tomadas foram respostas a normatizações emitidas pelo governo estadual do RN.

Pode-se dizer que o governo do Estado do RN centralizou todo o processo decisório de ações, isto é, induziu municípios e outros órgãos e instituições, públicas e privadas, a editarem normas próprias alinhadas às da administração estadual. E isto explica, em boa parte, as medidas tomadas pela Prefeitura do Natal com relação ao combate e prevenção do Covid-19 no município, isto é, foram a reboque das decisões estaduais, estas céleres e progressivamente mais abrangentes. Vejamos um pouco dos encadeamentos cronológicos que ilustram este ponto.

A partir da declaração de pandemia internacional, no dia 11 de março, pela Organização Mundial da Saúde, o governo do Estado aciona uma nova etapa de seu plano de contingência que, dentre outras coisas, previa aumentar a oferta de leitos hospitalares e a interiorização do atendimento² . Dois dias após a declaração de pandemia, o RN confirma o primeiro caso de Covid-19. Praticamente de imediato o governo do RN emite decreto com as primeiras medidas: suspende o atendimento presencial nos órgãos do RN, recomenda a não realização de eventos com mais de 100 pessoas, autoriza a Secretaria Estadual de Saúde a contratar em caráter emergencial. Os efeitos dessa decisão vão se multiplicando: a Universidade Estadual do RN suspende aulas, vários eventos são cancelados, outros órgãos de Estado limitam o atendimento presencial e já há registros de falta de álcool gel em Natal.

Na segunda-feira, 16 de março, a governadora do RN e sua equipe se reúnem com prefeitos, inclusive o de Natal. É a primeira notícia que temos do Prefeito de Natal com relação ao novo coronavírus. Na ocasião, o Prefeito anuncia sua intenção de antecipar as férias nas escolas da rede municipal de Natal e que iria se reunir com sua equipe para deliberar sobre o funcionamento dos órgãos municipais. É possível que a pouca exposição pública do Prefeito, nesse momento, com relação ao Covid-19 tivesse outras razões: manter o andamento da revisão do Plano Diretor – que defendia ser aprovado a toque de caixa – e sua filiação a um novo partido (o PSDB), anunciado em 17 de março e manchete em todas as mídias do Estado.

Quatro dias após a confirmação do primeiro caso no RN, o governo estadual emite novo decreto, que evidencia o grau de centralização decisória e de tentativa de coordenação estadual. As determinações são bastante abrangentes. Exemplo: o decreto suspende aulas de todas as redes públicas (inclusive as municipais) e escolas privadas de todos os níveis e modalidades de ensino (inclusive o ensino superior). É somente após a publicação do decreto da governadora que o prefeito de Natal também suspende as aulas da rede municipal, abandonando a ideia de antecipação de férias. Outras instituições públicas e privadas de ensino também fazem o mesmo nos dias seguintes. Ato contínuo, o governo estadual decreta o estado de calamidade pública e abre diversos créditos complementares, remanejando recursos para a saúde.

No decreto municipal de 17 de março, o prefeito de Natal também decreta situação de emergência, cria o Gabinete de Crise Covid-19, nomeia 100 novos servidores para a área de saúde, permite o trabalho remoto na administração municipal, proíbe eventos públicos municipais, determina o transporte (municipal) máximo de passageiros de acordo com o número de assentos dentre outras decisões. Para restaurantes e similares, o decreto recomendava o distanciamento de, ao menos, um metro entre as mesas e mantinha as feiras livres em funcionamento.

Mas boa parte das decisões da Prefeitura do Natal será revertida com a publicação de um novo decreto estadual, ainda mais abrangente que o anterior de 20 de março. Dentre as várias decisões ali contidas merecem destaque: manda fechar shoppings, restaurantes e similares (permitindo apenas entrega ou retirada), proíbe equipamentos coletivos públicos ou privados de funcionar, inclusive igrejas, bancos e outros; normatiza regras para atendimento nos serviços essenciais como supermercados e farmácias; proíbe eventos com mais de 50 pessoas e, talvez o mais exemplar caso do alcance dessas medidas, a proibição de uso e comércio nas praias (!). Novamente, o decreto se aplica a todo o território potiguar.

Um dia depois, a prefeitura de Natal, decreta o estado de calamidade pública e manda suspender as feiras livres. Mais adiante, a prefeitura volta a permitir as feiras com regras mínimas. Inicialmente, o prefeito também declara sua intenção de suspender o transporte municipal, mas, após reunião com organizações empresariais, volta atrás e permite uma circulação restrita e com normas de funcionamento de modo a garantir a mobilidade de trabalhadores nos serviços essenciais. Em 28 de março, atesta-se o primeiro óbito por Covid-19 no RN e novas medidas são tomadas. Em 1º de abril, o governo decreta quarentena no RN.

Às vésperas da publicação deste texto, há uma novidade nesse padrão decisório. O Prefeito de Natal se rebela contra o que considera uma usurpação de parte das competências municipais contida no mais recente decreto do governo do RN, que proíbe supermercados de abrirem aos domingos e feriados (proximidade da sexta-feira santa e páscoa), limita transporte intermunicipal à segunda a sexta e regula as feiras livres, propondo regras mais rígidas, como o controle de fluxo de pessoas. O Prefeito responde com um decreto municipal, em 9 de abril, que reestabelece as regras anteriores.

No último boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde do RN disponível (de 10 de abril), a situação era a seguinte: 2.965 casos suspeitos, 1.033 descartados, 263 confirmados, 11 óbitos confirmados por Covid-19 e outros oito ainda em investigação, atingindo todas as regiões de saúde do Estado.

Em termos de desafios para a gestão e o planejamento de ações, há, claramente quatro gargalos de grande monta: 1) número insuficiente de kits para testagem, o que impede um planejamento de ações mais preciso (ainda que essa capacidade tenha aumentado nas últimas semanas); 2) leitos hospitalares e, em especial de UTI, insuficientes (tanto o governo estadual quanto o municipal de Natal estão viabilizando hospitais de campanha e outras estratégias de ampliação de leitos e preveem colapso do sistema em 2 de maio), 3) dificuldade de preencher vagas para profissionais de saúde em áreas estratégicas, como intensivistas e infectologistas e 4) tornar o isolamento social efetivo na prática. Ainda que não sejam problemas exclusivos do RN, o fato de a capacidade fiscal do Estado ser limitada e deter uma alta incidência de trabalhadores no mercado informal (e precário) de trabalho impõe elevados custos, presentes e futuros, e uma dependência inevitável de transferências federais.

Com relação aos efeitos econômicos e sociais já sentidos, estes seguem de modo similar aos de outras cidades brasileiras. Sendo o turismo uma das principais atividades econômicas do Estado e do município de Natal, a situação é dramática: 90% de cancelamentos de reservas em março e previsão de hotéis fechando e demitindo em abril. O governo estadual tem adotado medidas de adiamento de pagamentos de impostos para os setores econômicos mais afetados, mas não há ainda nenhuma iniciativa por parte da Prefeitura do Natal.

Mas a cadeia de atividades relacionadas ao turismo é vasta e atinge, na ponta mais frágil, inúmeros trabalhadores autônomos informais que dependem da venda diária de produtos ou serviços que, hoje, não há como se realizar. Adicione-se a isto, outros grupos sociais em situação de ainda maior vulnerabilidade social, como os em situação de rua, moradores de assentamentos e de ocupações, favelas periféricas dentre outros. A resposta, tanto do governo estadual quanto do municipal em Natal, do ponto de vista da proteção social da população, tem sido muito tímida: distribuição de cestas básicas e merenda escolar, isenção do pagamento de água para a população no cadastro social e gratuidade nos restaurantes populares, crédito subsidiado para a agricultura familiar, mas nenhuma ação ampla o suficiente para compensar a imediata perda de renda que parte majoritária da população potiguar está sujeita com a paralisação das atividades, tornando o isolamento social para as camadas mais vulneráveis uma tarefa muito difícil de ser efetivada. Ao que parece, os governos de Natal e do RN esperam a chegada do auxílio emergencial do governo federal. Esperemos que haja tempo para evitar o pior.

 

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1Todos os indicadores têm como fonte IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Agradeço a disponibilização das estimativas por Paulo Jannuzzi.

2As seguintes fontes de dados foram utilizadas para as informações descritas no corpo do texto: os decretos municipais e do governo do RN, os boletins epidemiológicos da Secretaria Estadual de Saúde do RN, mídias locais, inclusive as entrevistas com gestores.

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