Renata Martins Domingos 1
Lizandra Serafim 2
O município de Conde, antigo distrito de João Pessoa emancipado em 1963, situa-se a 26,3 km de João Pessoa, acessível pela rodovia BR-101. Com área de 172.950 km2, 24.769 habitantes (IBGE, 2017), densidade populacional de 136,19 hab./km2 e IDHM 0,618 (PNUD/2010), Conde é conhecido por suas belas praias, constituindo-se como importante destino turístico no estado da Paraíba, e tem como principais atividades econômicas a agropecuária, sendo o maior produtor de inhame do Estado, a indústria (porcelanato, cimento) e o turismo. Conde possui 3 quilombos (Gurugi, Ipiranga e Mituaçu) e 2 aldeias indígenas tabajaras (Vitória e Barra de Gramame). Conde integra a 1a Região de Saúde e compõe a Comissão Intergestores Regional (CIR) da Mata Atlântica.
A Prefeita Márcia de Figueirêdo Lucena Lira (PSB) assumiu a Prefeitura de Conde em 2017, sedo sua primeira experiência como ocupante de cargo eletivo majoritário. Sua gestão tem como lema “Conde Cidade Unida”, uma vez que o território do município é muito extenso, sendo 68% de área rural, com algumas comunidades de difícil acesso. A gestão “Conde Cidade Unida” tem como marcas a participação popular, por meio de programas como o Orçamento Democrático e o Olá Comunidade, com os quais a Prefeita e sua equipe mantém intensa agenda de diálogo direto semanal com as 23 comunidades que compõem o município, buscando torná-las protagonistas da gestão administrativa do município. A gestão também buscou readequar e fortalecer as políticas públicas, como educação, saúde, assistência social, meio ambiente, agricultura, turismo, e reordenou a cidade do ponto de vista urbanístico (Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, Cadastro Multifinalitário), reorganizando e equilibrando as finanças públicas (regularizadas a situação da Prefeitura nos cadastros públicos, pactuados acordos de dívidas com órgãos públicos), com especial ênfase ao pagamento da folha dentro do mês trabalhado desde janeiro de 2017. Como grandes desafios da gestão estão a implementação de procedimentos legais e administrativos antes inexistentes na Prefeitura, a reconstrução das políticas públicas numa cidade marcada pela desigualdade social, sendo 49% de sua população composta por analfabetos e 48% vivendo com menos de meio salário mínimo, e a instituição de coleta regular de lixo, a qual estava há dois anos sem ocorrer. Na Saúde, todos os serviços estavam sem equipes mínimas e alguns deles, paralisados. No ano de 2019, a cidade foi acometida por um surto de malária, que foi contido no final do ano, com 21 casos positivos.
A capacidade instalada do município no âmbito da Saúde é constituída por serviços da atenção primária e da média complexidade. Na atenção primária há 9 equipes da Saúde da Família, 1 equipe multiprofissional, 1 Centro de Especialidades Odontológicas, a 1 Vigilância em Saúde. Na média complexidade Conde possui 1 equipe do Serviço de Atenção Domiciliar, 1 Centro de Atenção Psicossocial, 1 Centro Especializado em Reabilitação Física e Auditiva, 1 Pronto Atendimento, 1 equipe de suporte básico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, 1 Farmácia. Há ainda a contratação de pessoas jurídicas para os seguintes serviços: 1 Posto de coleta de análises laboratoriais e 1 Laboratório Regional de Próteses Dentárias. De forma transversal, fazendo a interligação entre os diversos serviços da rede, há o Transporte Sanitário e a Central de Regulação. Não há hospital em Conde, apenas 1 Pronto Atendimento que atende as emergências e estabiliza usuários com situação de saúde mais grave, para serem encaminhados às unidades de referência em João Pessoa, conforme Programação Pactuada e Integrada de Assistência à Saúde.
A Prefeitura de Conde, por meio do Decreto Municipal n.º 226, de 13 de março de 2020, iniciou o enfrentamento à Covid-19 ao recomendar o isolamento domiciliar de pacientes com sintomas respiratórios, e que pessoas no grupo de risco não transitassem em ambientes com aglomeração. Recomendou ainda o cancelamento e a proibição de eventos com público em massa, bem como a higienização por parte dos estabelecimentos comerciais, de hospedagem e de educação. Suspendeu o gozo de férias dos profissionais de saúde até 16 de maio de 2020. Em 17 de março, por meio do Decreto n.º 227, a Prefeitura decretou situação de emergência e suspendeu as aulas da rede pública e particular de educação, autorizou o início de procedimentos de contratação de pessoas, aquisição de medicamentos e insumos para o combate à Covid-19, determinou o afastamento dos servidores que estavam no grupo de risco e criou a Comissão de Monitoramento da Covid-19, constituída pelo Gabinete da Prefeita, seis Secretarias (Assistência Social e Trabalho; Saúde; Administração; Educação, Cultura e Esportes; Turismo; Comunicação e Difusão Digital e Planejamento), além da Procuradoria e da Guarda Municipal. A coordenação dos trabalhos é realizada pela Secretária de Saúde. A Comissão reúne-se regularmente de forma virtual, sob liderança da Prefeita. Em 20 de março, por meio do Decreto n.º 228, ocorreu o fechamento dos acessos de vans, ônibus e carros com 7 lugares aos pontos turísticos e praias, suspensão dos alvarás de funcionamento de academias e casas de shows, recomendação para que templos e cultos religiosos fossem suspensos e instituição de horário de funcionamento do comércio das 9h às 15h. Em 25 de março de 2020, por meio do Decreto n.º 229/2020, foi determinado o fechamento de acesso a todo e qualquer veículo aos pontos turísticos e praias e a proibição de circulação de veículos de turismo nas praias do município de Conde (buggy e quadriciclo).
Em 7 de abril, por meio do decreto nº 232/2020, foi decretada calamidade pública no município, posteriormente ratificada pela Assembleia Legislativa do estado da Paraíba. Em função da sua caraterística turística e do feriado da Semana Santa, quando o aporte de pessoas no município aumenta muito, foram instituídas barreiras sanitárias de monitoramento de temperaturas corporais e sintomas, bem como de orientação quanto ao isolamento social, por meio do decreto nº 233, nas três principais entradas da cidade, de 09 a 12 de abril. No feriado prolongado de 17 a 21 de abril, considerando que as barreiras sanitárias de monitoramento não surtiram os efeitos desejados, já que houve grande quantidade de entrada de automóveis na cidade, reclamações de realizações de festas e churrascos, tentativa de se adentrar nas praias, a Prefeitura enrijeceu suas medidas de incentivar o isolamento social e instituiu barreiras sanitárias restritivas de acesso, impedindo turistas e visitantes de adentrarem na cidade nesse período (decreto n.º 238). Em 24 de abril, por meio do decreto n.º 239, prorrogou o prazo de suspensão de gozo de férias dos profissionais de saúde até o dia 30 de maio, prorrogou a suspensão das aulas da rede pública e privada para o dia 15 de maio, suspendeu as atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos até o dia 30 de maio e recomendou aos cidadãos de uso de máscaras faciais em ambientes públicos e estabelecimentos comerciais. Em 28 de abril, por meio do decreto nº 242, estabeleceu medidas de redução das despesas no âmbito da Administração Pública e em 30 de abril, pelo decreto n.º 244, estabeleceu a redução temporária de valores de contratos e serviços não essenciais ao combate à pandemia. As barreiras sanitárias restritivas de acesso continuaram a ser efetivadas pela Guarda Civil Municipal de Conde aos finais de semana e feriados até 30 de maio (decretos n.º 241, n.º 243, n.º 247). A Prefeitura ainda ratificou as recomendações dos decretos estaduais quanto ao funcionamento do comércio por meio do decreto n.º 245.
Em 27 de março a Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde iniciou o trabalho de monitoramento da curva epidemiológica da doença na cidade, com casos de isolamento domiciliar. Esses boletins são elaborados diariamente e com o aumento de testes realizados (além do RTPCR, mas conhecido como Swab, há também os testes rápidos que foram disponibilizados pelo Ministério da Saúde aos municípios, mas chegaram em momentos diferentes), o número de positivados e em isolamento domiciliar vêm aumentando diariamente. Em 16 de maio, Conde contava com 35 casos confirmados de Covid-19, 37 casos em investigação (testes coletados aguardando resultado), 65 casos descartados, 76 casos em isolamento domiciliar sem coleta (sintomas de síndromes gripais leves), 9 recuperados e 1 óbito. Houve algumas internações de usuários de Conde nos hospitais de referência estadual para Covid-19. Até 16 de maio, somente um não conseguiu se recuperar e veio a óbito. Os demais conseguiram se recuperar, chamando a atenção a recuperação de uma idosa de 90 anos, que apesar de ter sido assistida no Hospital Clementino Fraga por mais de 15 dias, recuperou-se e encontra-se em sua residência.
Percebe-se que, no que se refere ao distanciamento social preconizado pela Organização Mundial de Saúde, as ações da Prefeitura foram se enrijecendo ao longo da evolução na curva epidemiológica da pandemia, aumentando as restrições de deslocamento das pessoas e de funcionamento das atividades econômicas, regulando os espaços privados e públicos quanto às regras de higiene. As barreiras sanitárias restritivas de acesso parecem ter sido eficazes no controle da disseminação do novo coronavírus, uma vez que em relação aos municípios da microrregião de João Pessoa, os casos positivos de Conde são menores. O Ministério Público de Conde ajuizou ações civis públicas visando anular as barreiras e garantir o direito de ir e vir, mas a medida foi mantida tanto no âmbito do Tribunal de Justiça por meio de recurso, quanto em função de decisões do Supremo Tribunal Federal que ratificaram a autonomia dos municípios para decidirem sobre ações e restrições de enfrentamento à Covid-19. Dessa forma as barreiras serão mantidas nos próximos 10 dias em toda a microrregião de João Pessoa, conforme decreto estadual n.º 40.242, de 16 de maio.
Para o enfrentamento da Covid-19, a Secretaria de Saúde reordenou os serviços de saúde, reduzindo aglomerações e diminuindo os atendimentos ambulatoriais, bem como afastando ou transferindo servidores dos grupos de risco. Foi estabelecido atendimento por telemedicina, além de um plantão psicológico online para usuários e profissionais da saúde, e realizada a reestruturação das UBS e do Pronto Atendimento para receber casos suspeitos de Covid-19. Foram criados grupos de trabalho compostos por agentes comunitários de saúde e profissionais dos diversos serviços da rede de atenção à saúde de Conde, para atuar nos territórios, com o objetivo de monitorar a saúde dos usuários do SUS com ênfase nos grupos de risco. O monitoramento da evolução dos casos suspeitos junto a usuários e aos serviços de saúde, a organização de informações e emissão de boletins epidemiológicos, bem como a seleção de usuários e trabalhadores para a coleta de testes é feita pela Vigilância Epidemiológica. Além destas ações, a Vigilância Sanitária atua no monitoramento do cumprimento das medidas por estabelecimentos comerciais.
É importante frisar que as ações intersetoriais entre as várias Secretarias foram potencializadas nesse momento da pandemia. A criação da Comissão de Monitoramento da Covid-19 possibilitou planejamento conjunto de várias ações, tanto no âmbito do monitoramento da doença quanto de atendimento à demandas sociais de segurança de renda. Ressalta-se a plataforma Sentinelas da Saúde Web, que indica no mapa do território a localização dos casos positivos e em investigação (saúde e Planejamento), como o Colheita Conde, que adquiriu itens da agricultura familiar de produtores rurais de Conde para famílias em vulnerabilidade social por meio das associações comunitárias (Agricultura, Administração e Assistência Social), as barreiras sanitárias (Saúde e Guarda Civil Municipal), o Projeto Pense, Seja, Compre no Conde, que articulou os pequenos comércios locais com entregadores (mototáxis e alternativos convencionais), a fim de assegurar a renda de todos diante do isolamento social (Planejamento, Fazenda por meio do Programa Municipal de Economia Criativa – Casulo e a Secretaria de Comunicação).
Os momentos de crise são importantes para nos fazerem resgatar lições de casa que deixamos de fazer ao longo da vida. Uma delas é, sem dúvida, o fortalecimento das microrregiões do Estado da Paraíba. O princípio de regionalização, tão promissor e cheio de significados, ainda é de muito difícil operacionalização, dado que exige a construção de processos coletivos e fortalecimento das instâncias deliberativas coletivas, como os consórcios públicos, a Comissão Intergestores Regional e a Comissão Intergestores Bipartite do Sistema Único de Saúde. Esse é um grande desafio, que a pandemia impulsionou, tendo havido, por iniciativa da Prefeita Márcia Lucena, reuniões entre os Prefeitos da microrregião de João Pessoa e o Governador da Paraíba nesse sentido. Outro desafio é garantir a segurança alimentar de uma população já historicamente desigual socialmente, num momento de crise, além de garantir a assistência em saúde, diante do cenário de aumento vertiginoso de casos na grande João Pessoa e do subfinanciamento da saúde.
1Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), exerce atualmente o cargo de Secretária de Saúde da Prefeitura de Conde/PB.
2Professora do Departamento de Gestão Pública da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), coordenadora do Núcleo de Estudos em relações Estado-Sociedade e Políticas Públicas (NESPP) e pesquisadora do Núcleo de Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável (NPDS-UFPB).
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