Jorge Chaloub
Departamento de Ciências Sociais
Universidade Federal de Juiz de Fora
A primeira manifestação do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) em relação à epidemia de Coronavírus à qual tive acesso ocorreu no dia 13 de março e nela o prefeito anunciou a criação de um gabinete de crise, a suspensão, por meio de decreto, das “atividades nas casas de convivência, cinemas, teatro, lonas culturais e museus” a partir do dia 16 de março, a suspensão, sem previsão de retorno, das aulas na rede municipal e uma nova logística do transporte público municipal, com limitação dos passageiros do ônibus apenas aos número de assentos do mesmo. O tom do pronunciamento era otimista, com o prefeito pronto a garantir que se devia evitar o pânico e que o município do Rio estava “plenamente preparado” para a crise.
No dia 22 de março, Crivella baixou outro decreto determinando o fechamento obrigatório do comércio, por tempo indeterminado, a partir do dia 24 de março. As exceções ficavam por conta das farmácias, supermercados, hortifrutis, padarias, pet shops, postos de gasolina, com exceção das lojas de conveniência, e lojas de equipamentos médicos e ortopédicos. Os shoppings deveriam permanecer fechados e os bancos deveriam prestar serviços apenas online. Feiras livres poderiam continuar a funcionar, com o rodízio de barracas, e não houve qualquer limitação quanto à atividade da indústria.ii Além dessas medidas, Crivella anunciou a doação de 20.000 cestas básicas para ambulantes, taxistas e outros autônomas e a criação de um fundo de solidariedade para doação de cestas básicas.
Em 25 de março, dia posterior ao trágico pronunciamento televisivo do Presidente Jair Bolsonaro, onde ele conclamava a população, com a exceção dos idosos, a ignorar as evidências científicas e o resto do mundo, Crivella faz uma inflexão no seu discurso. Em explícita sinalização de apoio ao Presidente, ele elogiou a mensagem de otimismo da manifestação televisiva e falou em retomada da normalidade. O prefeito também indicou a abertura gradual do comércio e o desejo de que os 650.000 alunos da rede municipal logo retornassem às aulas.iii
As medidas tomadas não seguiram, entretanto, o seu discurso, já que, dentre as medidas em prol dessa suposta “retomada”, Crivella se restringiu à reabertura de lojas de conveniência, com a restrição de que o produtos não poderiam ser consumidos no local, e de lojas de material de construção, em virtude de o número de obras realizadas e da venda de material de limpeza por esses estabelecimentos. Outros comércios permanecem fechados por 15 dias e o prefeito ressaltou a necessidade de não ocorrerem aglomerações, que poderiam, no caso de ônibus excessivamente cheios, serem dissipadas, segundo o prefeito, até mesmo com ação da Polícia Militar. O prefeito também anunciou a lotação de 300 idosos de comunidades carentes cariocas em dois hotéis e a doação de 50.000 cestas básicas a crianças cadastradas no Bolsa Família e no Bolsa Família carioca. Por fim, de modo contraditório ante seu elogio ao discurso presidencial, Crivella elogiou a adesão da população carioca à quarentena durante os últimos dias.iv
Por mais que o prefeito tenha algumas vezes declarado sua preocupação com as consequências do vírus nas favelas cariocas, suas ações até o momento pouco ultrapassaram as duas medidas acima mencionadas. Deve-se ressaltar o caráter evidentemente dramático da situação em razão do padrão de habitação de boa parte do Rio de Janeiro, já que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um em cada cinco moradores do Rio vive em favelas, em casas de um único cômodo, numa média de quatro a cinco pessoas. Isso sem falar na reduzida distância em muitas das habitações.v Nesses ambientes, a possibilidade contágio do Covid 19 pode alcançar grande intensidade.
No domingo dia 29 de março, Crivella voltou se manifestar sobre o Covid, recusando publicamente a possibilidade de lockdown completo, que paralisaria a indústria e todos os serviços não essenciais. Ele previu que um fechamento agora fragilizaria o município e obrigaria à abertura durante o inverno, quando cresce o número de problemas respiratórios.vi A aproximação com o presidente continua, com a previsão de que na sexta, dia 03 de abril, Bolsonaro venha visitar o gabinete de crise da Prefeitura do Rio de Janeirovii. O flerte, ao menos discursivo, com Bolsonaro colocou Crivella em confronto com o Governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que tem defendido duras medidas de isolamento e criticado diretamente o Presidente. No dia 17 de março, Crivella alegou “problemas de agenda”viii para não comparecer à reunião dos prefeitos da Região Metropolitana com o governador, ação que foi publicamente criticada por Witzelix. No dia 25, Witzel ameaçou barrar a flexibilização de Crivella para o comércio do Rio de Janeiro, mas recuou posteriormente.
No dia 13 de março, a Secretaria Municipal de Saúde informou que o município do Rio de Janeiro tinha 1691 leitos intensivos ou semi-intensivos no SUS, dado que inclui as esferas municipal, estadual, federal e universitária. Surge uma clara preocupação pela taxa de ocupação desses leitos, já então em 100%. A prefeitura previu, à época, a possível abertura de mais 150 leitos para o Covid 19x. No último dia 27 de março, a prefeitura aumentou a previsão, com a indicação de que seriam abertos mais “quase 1000 leitos”xi, ou segundo os números divulgados, mais 881, sendo 500 no hospital de campanha que será finalizado em 20 dias no Rio Centro – dentre os quais 400 de clínica médica e 100 de UTI – e 381 no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, que já está dedicado apenas ao tratamento do Covid 19, com 182 de UTI adulto e 19 de UTI pediátrica. Até as 12h do dia 31 de março, a cidade do Rio de Janeiro registrava 553 casos confirmados, com 13 mortes.
A postura do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), tem na ambiguidade o seu traço mais constante. Três aspectos são fundamentais para compreender sua postura nessa crise. Primeiramente, deve-se destacar o isolamento e a impopularidade da sua gestão. Pesquisa Datafolha realizada entre os dias 11 e 13 de dezembro de 2019 apontou que 72% dos cariocas classificam a administração Crivella como ruim e péssima, 20% como regular e apenas 8% como ótima e boa.xii
O segundo aspecto é a profunda ligação de Crivella com a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Sobrinho do fundador e líder da IURD, Edir Macedo, Crivella tem nos neopentecostais sua principal base política. Esse aspecto se torna particularmente sensível na atual crise pela postura “cética” da IURD sobre o Covid 19. Em vídeo, posteriormente retirado da internet, Edir Macedo afirmou que o Covid 19 era “inofensivo e que o alarde criado pela imprensa mundial visa levar o pânico a populações e nações, sendo ‘mais uma tática de Satanás’”xiii.
Os dois aspectos acima mencionados são centrais para compreender o terceiro elemento necessário para interpretar a postura de Crivella em meio à atual pandemia: sua relação com o presidente Jair Bolsonaro. Por um lado, Crivella tem na IURD um forte vínculo com Bolsonaro, tendo em vista que os neopentecostais, e particularmente sua igreja, tem sido um dos mais constantes e fiéis aliados do Presidente. Por outro lado, Crivella vê no apoio de Bolsonaro e na base bolsonarista uma tábua de salvação da sua impopularidade e a única saída para se tornar um candidato competitivo nas próximas eleições municipais.
Entre a cruz e a espada, ou talvez, com a cruz e a espada de um lado e o temor da reação popular de outro, Crivella tem adotado postura ambígua sobre a pandemia, mas, como foi relatado, essa dubiedade se concentra mais no seu discurso, seja em relação à situação presente ou às promessas futuras, que nas medidas concretas tomadas em nome da Prefeitura do Rio de Janeiro. Resta esperar que, no futuro próximo, essa postura ao menos se mantenha.
i Sobre o pronunciamento, ver https://pleno.news/brasil/cidades/covid-19-crivella-diz-que-rio-esta-plenamente-preparado.html
ii Disponível em https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2020-03-22/crivella-decreta-fechamento-obrigatorio-do-comercio-no-rio.html
iii Disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/25/crivella-segue-fala-de-bolsonaro-e-anuncia-reabertura-do-comercio-no-rio.htm
iv Disponível em https://www.agazeta.com.br/brasil/prefeitura-do-rio-leva-idosos-de-comunidades-para-isolamento-em-hoteis-0320
v Disponível em https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/03/26/pedir-o-impeachment-de-bolsonaro-agora-e-fazer-o-jogo-dele-afirma-freixo.htm
vi Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/crivella-diz-que-nao-ha-indicacao-para-aumentar-restricoes-no-rio
vii Disponível em https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,em-aproximacao-com-bolsonaro-crivella-espera-presidente-no-rio-na-proxima-sexta,70003252421
viii Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/crivella-alega-problemas-de-agenda-para-nao-se-reunir-com-witzel-24310338
ix Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-witzel-reduz-em-50-capacidade-de-lotacao-dos-transportes-suspende-passe-livre-de-estudantes-24309434
x Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/13/rio-tem-100percent-dos-leitos-de-uti-ocupados-secretaria-diz-que-pode-criar-150-vagas-para-tratamento-de-covid-19.ghtml
xi Disponível em http://prefeitura.rio/saude/rede-municipal-tera-quase-mil-leitos-para-tratamento-de-coronavirus/
xii Os principais dados da pesquisa estão disponíveis em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/crivella-e-reprovado-por-72-no-rio-e-fica-atras-de-paes-e-freixo-para-2020-diz-datafolha.shtml
xiii Relato sobre o vídeo disponível em https://catracalivre.com.br/saude-bem-estar/em-video-edir-macedo-afirma-que-coronavirus-e-inofensivo/
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