top of page
NEPOL UFJF

A batalha da comunicação nas prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro

Paulo Roberto Figueira Leal

Professor titular da Facom

Universidade Federal de Juiz de Fora


O que fazer quando, durante uma pandemia de escala global, o presidente da República sabota, em palavras e ações, todas a principais orientações sanitárias da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos mais reputados especialistas em infectologia do mundo e do país, e até mesmo do próprio Ministério da Saúde do governo por ele (supostamente) conduzido? Esta é a pergunta que milhares de prefeitos se fazem, há semanas, diante da situação nonsense vivida pelo Brasil.


Desde que Jair Bolsonaro radicalizou sua estratégia de diminuir a gravidade da situação – o pronunciamento sobre a “gripezinha” entrará para os anais dos mais irresponsáveis discursos de lideranças políticas em décadas – e de tentar, por todos os meios, transferir os cursos políticos da inevitável recessão econômica a governadores e prefeitos (este é o verdadeiro motivo da retórica do presidente contra o isolamento social), os gestores locais enfrentam um duplo desafio: lutar contra a pandemia e também contra as pressões locais pelo fim ou pelo abrandamento de medidas sanitárias mais abrangentes.


Diante dessa realidade – a de serem cobrados, por um lado, para conter a aceleração descontrolada da transmissão do vírus; por outro lado, a de serem instados a flexibilizar regras mais estritas de isolamento –, como os prefeitos têm norteado as políticas de comunicação nos canais oficiais dos municípios? O presente artigo busca identificar as principais linhas narrativas desenvolvidas sobre a questão nos sites das prefeituras das duas maiores cidades do Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), igualmente as duas com maior quantidade de contaminações e de óbitos pela Covid-19.


A capital paulista, epicentro brasileiro da pandemia, ecoa a ênfase no isolamento como estratégia preferencial e quase unívoca em sua página oficial. A primeira informação visual do site, ao longo de toda a semana compreendida entre 5 e 12 de abril, é um grande banner intitulado “Coronavírus. Previna-se. Fique em casa”, cujo link leva a texto sobre o vírus, os sintomas e as orientações de prevenção, bem como a links como “perguntas e respostas”, “fake news” e “documentos técnicos”, dentre outros.


Na seção de notícias do site, ao lado de informações sobre medidas adotadas pela prefeitura, a ênfase permanece igualmente na defesa do isolamento social como leitmovit – vide o podcast “Edição Coronavírus: fique em casa”, o link visualmente mais destacado na seção. Notícias sobre questões econômicas (previsão de abertura de atividades comerciais, por exemplo) apresentam-se em menor número e em menor destaque do que notícias sobre a necessidade de isolamento e as ações de saúde desenvolvidas pelo município.


Os enquadramentos noticiosos não deixam dúvidas: a cidade de São Paulo, assim como o Estado de São Paulo, estabelecem o principal bastião de resistência narrativa às falas do presidente Jair Bolsonaro, em favor de flexibilização/abrandamento do isolamento social. Na capital econômica do Brasil, a economia está longe de ser o tema central no modo como a crise do coronavírus é abordada.


Já no site da prefeitura da capital fluminense, a primeira informação disponível ao internauta que visitou a página entre 5 e 12 de abril foi a seção “O que eu preciso”, com links para serviços municipais (sejam aqueles relacionados à crise, como “onde ser atendido”, sejam aqueles ligados à rotina municipal, como “agenda cultural”; dos 33 ícones elencados nesta seção, apenas três diziam respeito à pandemia). Um banner com o pedido de que as pessoas ficassem em casa aparecia apenas abaixo da seção “O que eu preciso” – e nem era o primeiro a aparecer na tela, vindo depois de outro banner intitulado “Quer ficar por dentro do que acontece na cidade?”.


A comparação dos dois sites  evidencia, por contraste, que a prefeitura de São Paulo parece estar mais preocupada com a crise do Covid-19 do que a do Rio de Janeiro. Nesta segunda capital, o site sugere, em termos semióticos, um maior grau de normalidade da vida social do que o de seu congênere paulistano. As distintas ênfases sobre a necessidade de isolamento social nas arquiteturas dos sites são indicativas de nuances narrativas.


Tal diversidade talvez só possa ser mais adequadamente compreendida se associada a variáveis eleitorais: enquanto o prefeito carioca Marcelo Crivella (Republicanos, partido ao qual recentemente se filiaram dois filhos do presidente) conta com o apoio de Bolsonaro na sua tentativa de reeleição, o prefeito paulistano Bruno Covas está empenhado na pretensão do governador João Dória, seu correligionário no PSDB, de apresentar-se como alternativa da direita tradicional contra a extrema-direita de Bolsonaro em 2022.

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


bottom of page