Campos dos Goytacazes: Do auge dos royalties ao colapso iminente

\"0404\"Gisele Braga Bastos1
Vitor de Moraes Peixoto2
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)

Campos dos Goytacazes é um município fluminense marcado por contradições. Sendo um município limítrofe à Bacia de Campos (BC) surfou as altas ondas dos royalties, no entanto, a infraestrutura do município não condiz com os altos volumes de capital dos tempos áureos da extração de petróleo na BC. Em termos de PIB a preços correntes está no quarto lugar no ranking do IBGE3 para os 92 municípios do estado do Rio de Janeiro, de acordo a amostragem de 2017. No entanto, a mesma amostragem informa apenas 57,1% de esgotamento sanitário adequado, com população estimada em 507.548 habitantes e IDHM de 0,7144. Não cabe aqui aprofundar as contradições, apenas alertar que elas, expressas na precariedade sanitária e dos serviços de saúde, somada ao fluxo decorrente da BR101 e cidades do entorno, e às dificuldades de diálogo entre sociedade civil e governo no tocante à atenção dedicada à população em situação de vulnerabilidade social, podem agravar os riscos e dificultar a contenção do novo coronavírus, SARS-COV-2, no município.

Cabe destacar o alinhamento à direita do prefeito (PPS) eleito como resposta da sociedade ao domínio do desgastado grupo Garotinho. Uma direita elitizada que teve amplo apoio popular numa eleição que ensaiou já em 2016 os primeiros sintomas do que viria a ocorrer no Brasil com o fenômeno Bolsonaro em 2018. Assim como o presidente, o prefeito, após o primeiro ano à frente da prefeitura testemunhou uma queda vertiginosa de popularidade, principalmente, em decorrência da crise das arrecadações dos royalties (fator exógeno) aliada à políticas de corte de programas sociais (fatores endógenos). A prefeitura descumpriu uma promessa de campanha e eliminou três importantes programas considerados como medidas populistas do governo Rosinha Garotinho: distribuição de alimentação (restaurante popular), subsídios de passagens em transporte público (passagem a 1 real) e a política de transferência de renda (cheque cidadão).

Semelhante a muitos casos de cidades brasileiras que vem fazendo valer a prerrogativa federativa e a autonomia municipal consagrada na Constituição de 1988, Campos dos Goytacazes encontra-se em isolamento social desde o mês de março de 2020, por meio de decreto municipal.

A cidade, que no debate sobre metropolização, diferente de Macaé-RJ, recebe o movimento pendular no campo educacional, iniciou o semestre letivo com ares de normalidade. As principais instituições de educação sediadas no município, Universidade Federal Fluminense, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Instituto Federal Fluminense e diversas outras faculdades particulares iniciaram o semestre normalmente, trazendo para a cidade os milhares de estudantes que movimentam a economia local, sem problematizar os riscos e desafios que a pandemia traria.

No entanto, o estado de normalidade das primeiras semanas de março deu lugar ao novo normal. Desde o fim da primeira quinzena de março o prefeito de Campos dos Goytacazes Rafael Diniz (PPS) tem considerado a pandemia uma situação de “guerra”, atuando em consonância à OMS e alinhado às diretrizes do governo do estado do Rio de Janeiro. Neste sentido, segue as orientações do decreto estadual n° 46.970 assinado pelo governador Wilson Witzel (PSC) em 13 de março com intuito de conter a propagação do vírus; decreto prorrogado em 13 de abril até 30 de abril, em face do aumento de casos no estado.

A primeira ação estratégica de enfrentamento ao Covid 19 no município foi a criação, no dia 13 de março, de um gabinete de crise constituído por diversas secretarias municipais.

Por meio do decreto municipal 56/2020 as primeiras ações implementadas foram: a suspensão das aulas na rede municipal e de todas as atividades coletivas das secretarias do Envelhecimento Saudável e de Desenvolvimento Humano e Social; suspenção das atividades da Fundação Municipal da Infância e Juventude e da Fundação Municipal de Esportes. Além disso, foram suspensos eventos públicos e particulares5 .

Na segunda-feira, dia 16 março, foi publicado em Diário Oficial extraordinário, a determinação do fechamento do comércio a partir do dia 18 de março (inclusive clinicas e consultórios médicos, que foram reabertos na semana seguinte por serem considerados serviços essenciais.) Como mecanismo de auxílio, esse decreto determinou a suspensão de todos os tributos municipais com vencimento a partir do dia 18 de março de 2020.

Segundo o prefeito Rafael Diniz “as palavras de ordem são informação, prevenção, antecipação e conscientização, entendendo que essa luta é uma luta de todos”6. Nessa direção as ações definidas pelo gabinete de crise são amplamente divulgadas nas redes sociais: instagram, facebook, e por meio do site da prefeitura municipal. Nesses canais, além de lives do prefeito, é possível encontrar informações de serviços oferecidos à comunidade no enfrentamento à covid 19, números atualizados de casos confirmados, suspeitos e descartados. No entanto, o discurso de transparência difere da prática, uma vez que recursos arrecadados por campanhas de solidariedade não são amplamente divulgados, não podem ser fiscalizados e coletivos de assistência tem o transito proibido nos locais destinados à população em situação de rua, conforme relatado pelo Comitê de Solidariedade composto por servidores públicos, professores, estudantes e trabalhadores em geral7.

Entre as ações oferecidas via web pela prefeitura destaca-se a escuta voluntária, projeto através do qual psicólogas oferecem apoio psicológico e orientações por meio de atendimento remoto. Além do projeto escuta voluntária observa-se um esforço em oferecer apoio, ainda que mínimo, à população em situação de rua e atenção a famílias em situação de pobreza extrema. Em relação à população em situação de rua foi criado um abrigo provisório na sede de um antigo hospital, além da distribuição de refeições. Para a população em situação de pobreza extrema a prefeitura providenciou em parceria com a concessionária Águas do Paraíba a doação de 18 mil litros de água sanitária e 22 mil sabonetes.

Outras medidas tomadas para frear o contagio e preparar o município para o eminente caos derivado do covid 19 foram: (Re)abertura de três locais de atendimento específicos para atendimento (UPH Travessão, UPH Guarus e Hospital São José); abertura de um hospital em parceria público-privada com a Beneficência Portuguesa (o local seria inaugurado no final do ano, mas a abertura foi antecipada e destinado um novo prédio com leitos para alta complexidade); treinamento de pessoal da área da saúde; convênios para a produção de álcool 70% pela indústria da cana de açúcar; ações para organização de distribuição da merenda escolar para as crianças no período de suspensão das aulas (no início havia restrições do Ministério Publico Estadual, mas foi derrubada com a ajuda dos próprios procuradores do MP que atuam no município); ações de fiscalização de preços pelo Procon nos comércios que permanecem abertos (farmácias e supermercados, afim de coibir abuso nos preços); criação de barreira sanitária nas estradas com orientação aos motoristas e monitoramento de temperatura dos passageiros; convênio com startups sediadas no Instituto Federal Fluminense para impressão em 3D de máscaras de proteção individual; e ações de desinfecção de locais como praças e rodoviárias.

Houve pressão da Câmara de Diretores Lojistas (CDL) e de grupos organizados (Direita Campos), carreatas e manifestações contrárias ao fechamento do comércio, mas o resultado foi o recrudescimento das ações do poder executivo municipal com o auxílio do Ministério Público. A partir de então, houve uma série de fechamentos de estabelecimentos que descumpriram as medidas e insistiram em reabrir. Ainda que o presidente Jair Bolsonaro tenha obtido expressivo número de votos no município, suas falas tem impactado pouco nas deliberações do executivo municipal. Não houve mudança de postura na gestão municipal após os pronunciamentos do presidente da república. A prefeitura de Campos demorou a iniciar as ações, mas não houve recuo nem ambivalências após os pronunciamentos presidenciais; pelo contrário, houve um recrudescimento após reação da sociedade civil organizada.

No entanto, ainda que venha exercendo a autonomia outorgada pela Constituição Federal, há uma série de limites em função das reais capacidades fiscais do município. Ainda que tenha optado por seguir as recomendações da OMS e busque convergência com as determinações do governo estadual, a prefeitura enfrenta dificuldades para implementar as medidas em decorrência da carência de recursos financeiros acarretada pela crise dos royalties e pelo endividamento do município.

Além disso incide sobre o município o agravante de possuir diversos acessos e ser cortado pela principal rodovia do país, a BR101, o que faz da cidade um corredor importante no escoamento de insumos, mercadorias e pessoas. Não atoa, Campos foi o primeiro município brasileiro a receber o pit stop caminhoneiro contra o Coronavírus, ação pioneira realizada por meio de parceria publico-privada entre Prefeitura, Sest/Senat, Polícia Rodoviária Federal, concessionária Arteris Fluminense e SinTransportes, que passou a funcionar a partir do dia 06 de abril de 2020. No pit stop, os caminhoneiros têm área para banho e higienização das mãos, “É verificada a temperatura corporal e são oferecidos serviços de emergência em odontologia, fisioterapia, e ainda orientação em nutrição e distribuído informativo com postos de combustíveis e restaurantes abertos ao longo do trecho de concessão da BR-101”8.

Além disso, a Prefeitura de Campos segue com ações de enfrentamento ao coronavírus em pontos de saída e chegada ao município e já registrou mais de 14.443 veículos abordados em quatro barreiras sanitárias instaladas em diferentes acessos à cidade. Mais de 25.842 mil pessoas foram orientadas pelas equipes9.

Atualmente, ignorando a problemática de subnotificação, demora de resultados de testes e mortes com laudos inconclusivos, o município contabiliza 32 casos da doença, um óbito e 43 casos suspeitos aguardam resultado de exame. Outros 34 casos suspeitos foram descartados. O último boletim, publicado em 18 de abril, chama atenção pela idade dos indivíduos doentes: um homem e duas mulheres, com 39, 37 e 35 anos respectivamente, confirmando que não apenas idosos são acometidos com gravidade e reforçando a importância do isolamento social horizontal.

Assusta o avanço dos casos no município principalmente pela fragilidade das estruturas de atenção à saúde. Conforme mencionado, era de se esperar uma infraestrutura decorrente dos royalties, o que não é realidade. No entanto, em decorrência do processo de metropolização Campos é referência no atendimento a diversos serviços para municípios do entorno. Ou seja, ademais da baixa infraestrutura e das barreiras sanitárias instaladas, o município terá que receber indivíduos acometidos por Covid 19 provenientes de outros municípios. O que eleva a preocupação com o possível colapso no sistema de saúde municipal, reforçando a importância das medidas adotadas.

Acompanhe a série de artigos do Nepol


1Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia Política- PPGSP-UENF. Bolsista FAPERJ da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro-UENF
21Cientista Político. Professor Associado Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
3https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/campos-dos-goytacazes/pesquisa/38/47001?tipo=ranking
4https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/campos-dos-goytacazes/panorama
5https://www.campos.rj.gov.br/exibirNoticia.php?id_noticia=57986
6https://www.instagram.com/tv/B90IHt0J3uJ/?utm_source=ig_web_copy_link, acesso 02/04/2020.
7https://www.brasildefatorj.com.br/2020/04/14/opiniao-coronavirus-evidencia-ma-gestao-dos-recursos-publicos-em-campos-rj
8https://www.campos.rj.gov.br/exibirNoticia.php?id_noticia=58292
9https://www.instagram.com/p/B-fJqO8Jngm/

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