As ações de combate à Covid-19 em Foz do Iguaçu: usando mais a caneta do que chamando os tanques*

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Luiz Fernando Vasconcellos de Miranda¹
Professor visitante do curso de Administração Pública e Políticas Públicas e da Pós-Graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento (UNILA)

Ana Silvia Andreu da Fonseca²
Professora do Ciclo Comum de Estudos (UNILA)

Aspectos gerais de Foz do Iguaçu e fronteira

Localizada na fronteira trinacional entre Brasil, Paraguai e Argentina, Foz do Iguaçu é um município de 260 mil habitantes com forte vocação comercial e turística. O Parque Nacional do Iguaçu e o centro comercial de Ciudad del Este, no Paraguai, fazem da cidade uma das mais visitadas do país. Por seu elevado número de turistas e forte comércio, a cidade possui um PIB per capita de cerca de R$51 mil. Por outro lado, o salário médio gira em torno de 2,7 mínimos e o setor do comércio e o de serviços é o maior empregador. A tríplice fronteira forma uma espécie de região metropolitana, o fluxo de pessoas entre os três países é alto. Puerto Iguazu, na Argentina, possui cerca de 95 mil habitantes e Ciudad del Este (segunda maior cidade do Paraguai) 302 mil³ .

Ações de combate e prevenção à COVID-19: medidas sanitárias e de isolamento social

A Prefeitura de Foz do Iguaçu vem implementando uma série de medidas positivas ao combate ao Coronavírus. Isto não significa que tais ações tenham ficado incólumes a grupos de pressão locais contrários às medidas. O decreto municipal 27.963⁴, do dia 15 de março, determinou o primeiro pacote de ações à contenção da pandemia. Nele, todos os eventos públicos foram suspensos, assim como as aulas na rede municipal.

No dia 17 de março a Prefeitura faz um pedido ao Ministério da Defesa para que fossem tomadas medidas sanitárias nas fronteiras. Paraguai e Argentina já haviam fechado seus lados da fronteira um dia antes e a demora do Governo Federal no fechamento do lado brasileiro permitia o fluxo de pessoas para o Brasil, que fechou as fronteiras somente em 20 de março.

No dia 18 de março é confirmado o primeiro caso da COVID-19 em Foz⁵. O Decreto 27.980, do dia 20, iria dividir a cidade em setores favoráveis e contrários às medidas restritivas de circulação de pessoas. O decreto determinou o estado de emergência, e com isso houve o fechamento de estabelecimentos comerciais e hotéis⁶. Este momento é um ponto de inflexão: as ações da Prefeitura passam a sofrer forte pressão dos setores do comércio e serviços que tiveram a rentabilidade de seus empreendimentos ameaçada. Por outro lado, vemos o crescimento do endosso às ações do Executivo por parte de segmentos da sociedade civil.

O decreto 28.000, de 30 de março, determinou o estado de calamidade pública do município. No dia 31 de março é anunciado que a Prefeitura se reuniu com a ACIFI⁷ e o Sindhotéis⁸, além de outros grupos empresariais, para tentar estabelecer uma retomada gradativa e monitorada dos setores econômicos não essenciais⁸. No dia 2 de abril, Executivo e Câmara se reuniram para debater a reabertura do comércio. Os vereadores pediram cautela.

No dia 9 de abril, através do Decreto 28.006, a Prefeitura comunica a reabertura parcial do comércio não essencial do município, programada para o dia 13⁹. Como reação ao decreto de reabertura, cerca de 50 entidades da sociedade civil emitiram uma nota conjunta de repúdio ao afrouxamento das medidas de isolamento social¹⁰.

No dia 12 de abril, após confirmação de transmissão comunitária no município, a Prefeitura emite um novo decreto (28.033) que anulou parte da decisão do decreto anterior, suspendendo a reabertura do comércio¹⁰.

As Políticas Públicas de Saúde para combate ao Coronavírus

Antes do início da pandemia, Foz do Iguaçu contava com 401 leitos de internação. A estrutura de saúde da cidade possui dois hospitais de referência: o Hospital Municipal Padre Germano Lauck (HMPGL) e o Hospital Ministro Costa Cavalcanti (HMCC). O primeiro contava com 148 leitos de internação e cerca de 30 leitos de UTI. O segundo é um complexo hospitalar construído por Itaipu para, em princípio, atender seus funcionários na época da construção da barragem, e que foi transformado em OS. Apesar de ser uma instituição privada, boa parte da estrutura hospitalar é utilizada pelo SUS: dos 202 leitos de internação, 126 são utilizados pelo sistema público. Além disso, o hospital possuia 15 leitos de UTI e 12 leitos semi-intensivos. Estas duas unidades estão sendo utilizadas para produção de testes, ampliação de leitos e tratamento à COVID-19¹¹.

No dia 16 de março, quando Foz do Iguaçu ainda não possuía nenhum caso de COVID-19 confirmado, a Itaipu Binacional decide fazer uso de um fundo emergencial de US$ 3 milhões para auxílio no combate e prevenção da doença¹².

No dia 22 de março foi anunciada uma das principais ações para combater o Coronavírus. É montada, anexa ao Hospital Municipal, uma estrutura hospitalar com 70 leitos, sendo 17 deles de UTI. A estrutura passou a contar com 300 profissionais de saúde e tem a colaboração do curso de Medicina da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Em 30 de março é anunciado que o HMCC foi autorizado a realizar até 480 testes rápidos de diagnóstico da COVID-19 por dia¹³. Ainda nessa data é noticiado que a ala especial do HMCC, destinada ao combate do Coronavírus, recebeu seu primeiro paciente¹⁴.

Até o fechamento deste artigo (15 de abril), Foz do Iguaçu tinha 52 casos suspeitos, 35 confirmados, 398 descartados. Há 3 pacientes internados em estado grave e nenhum óbito, segundo boletim da Secretaria Municipal de Saúde¹⁵.

Conclusões

Podemos observar, por parte da Prefeitura, um montante de investimentos alto para o combate ao Coronavírus e isto se deve não somente a um orçamento robusto (R$ 1,12 bilhão, ano base de 2019), mas também pela parceria firmada com a usina de Itaipu.

Além disso, diversos órgãos das forças de segurança como Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, além do Exército (todas instituições com forte presença na cidade em função da fronteira), têm oferecido apoio logístico ao Executivo municipal. Também podemos observar que setores da sociedade civil organizada e a UNILA vêm cedendo seus profissionais, alunos e equipamentos no apoio ao combate à doença.

Podemos dizer que Foz do Iguaçu tem uma boa gestão no enfrentamento da doença, recebendo significativo apoio financeiro, logístico e de pessoal. Fica nítido que isso facilita bastante as ações da Prefeitura no combate à COVID-19. Também se observa que a Câmara de Vereadores tem agido no sentido de cooperar com o Executivo.

Não podemos dizer, com isto, que a vida do governo local tem transcorrido sem embates. Uma vez que a cidade possui uma forte infraestrutura turística e um comércio pujante, os setores afetados economicamente pelas ações de combate à pandemia têm se mostrado persistentes na busca pela reabertura de suas atividades.

O que observamos é que a Prefeitura, apesar desses embates, tem conseguido impor suas preferências, através do uso de decretos e do apoio de outras instituições públicas e da sociedade civil, além da manutenção do diálogo com diversos setores. Ainda que as medidas anunciadas sobre o isolamento social tenham sofrido idas e vindas, até o presente momento, o que tem prevalecido é a posição recomendada pelo Ministério da Saúde e pela OMS.

* Referência ao artigo: SHUGART, Matthew e CAREY, John (1998). “Poder de Decreto: chamado os tanques ou usando a caneta”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol 13, n 37. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69091998000200009
Os autores discutem uma possível preferência dos legisladores pelo uso de decretos do Executivo. No que toca à Foz do Iguaçu, chamamos atenção para a importância dos decretos municipais para contenção da pandemia e para a Câmara de Vereadores que tem sido um ator cooperativo.

¹Doutor em Ciência Política (UFF)

² Jornalista e Doutora em Linguística Aplicada (UNICAMP)

³Maiores informações nos seguintes sites: https://www5.pmfi.pr.gov.br/cidade; http://www.misiones.gov.ar; https://www.argentina.gob.ar; http://www.mcde.gov.py; https://www.ibge.gov.br/ Acesso em: 13/04/2020